Monografia apresentada à Associação Junguiana do Brasil, São Paulo, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Analista Junguiana.
Orientador: Dr. Walter Boechat
AGRADECIMENTOS
Em especial, aos meus filhos, Rodrigo, Fábio e Thiago, pelo carinho, apoio e pela compreensão por todas as horas dedicadas à realização deste meu sonho!
Aos meus pais, aos meus avós, às suas mãos maravilhosas que deixaram de herança o artesão.
Aos meus familiares, amigos, professores e colegas que acompanharam esta jornada da minha alma!
Muito obrigada!
SUMÁRIO
RESUMO …………………………………………………………………………………………. 5
INTRODUÇÃO ………………………………………………………………………………….. 6
SOLVE ……………………………………………………………………………………………….. 8
COAGULA …………………………………………………………………………………………….. 19
TERTIUM NON DATUR ……………………………………………………………………….. 41
QUATÉRNIO ALQUÍMICO ……………………………………………………………. 69
CONCLUSÃO …………………………………………………………………………………….. 77
REFERÊNCIAS ………………………………………………………………………………….. 78
OBRAS CONSULTADAS ……………………………………………………………….. 80
RESUMO
Zeus e Hera. Atená e Hefesto. A importância do feminino como medida (Atená), delimitando as profundezas das Erínias (filhas de Réia, mãe de Zeus e cúmplice da luz / a centelha divina que habita na escuridão), impedindo a hybris e, só então, tornando possível uma transformação criativa. Hefesto como iniciado nos mistérios de criação na matéria, no limite do espaço tridimensional, com a habilidade de parir a arte, traz o símbolo para o espaço tridimensional (sintema). Atena e Hefesto representam a transição entre natureza e cultura pela via da atividade simbólica. Complementam-se no movimento solve et coagula da iluminação intuitiva e da concretização. Através da inclusão de Hefesto, da possibilidade de tornar o erro, o coxo, uma inspiração divina, criativa, abre-se o caminho para o novo Ser Humano reconectado com o Cosmos. A aceitação e compreensão das diferenças, considerando o outro em sua totalidade, contribui na passagem do paradigma patriarcal para o de alteridade.
INTRODUÇÃO
Esta monografia é uma reflexão sobre o processo criador no nível psíquico. Optei por dividi-la, inicialmente, em apenas duas partes, solve et coagula, o que remete ao imaginário alquímico e à sua prática, verdadeiro legado da psique objetiva, fonte das possibilidades de recuperação do re-ligare, a reconexão consciente-inconsciente, necessidade espiritual da psique contemporânea.
Através da análise do quatérnio mítico, Zeus e Hera, Atená e Hefesto, terceira e quarta gerações divinas, procuro recuperar seus padrões de introversão, tão necessários para a formação do símbolo e do sintema, transformadores da energia psíquica. Eles promovem o movimento criativo em busca do significado unificador e da saída da inércia advinda do caos, o húmus poli-facetado. A esta etapa, de fundamentação mítica, nomeei Solve, o conhecimento aplicado em favor do desenvolvimento psíquico.
O homem torna-se um ser reflexivo a partir de Atená e Hefesto; eles revelam as “semelhanças” contidas nas imagens, desliteralizando as identificações, ensinando a via de saída da possessão por forças arquetípicas dotadas de uma carga energética além da capacidade humana de elaboração.
Através do padrão arquetípico de Hefesto, o artesão no ser humano, proponho recuperar a criatividade no espaço tridimensional da matéria, feminina por excelência. A libertação das mãos e suas extensões, que são as ferramentas, trazem o corpo de volta e o limite necessário à tirania cortical, que subjuga a verdadeira expressão do inconsciente.
A minha intenção é a de sensibilizar para a recuperação e a valorização do feminino como aquele que dá o suporte, permite conter as forças (algo como uma descarga motora, nos momentos de maior tensão), em sua concretude. O respeito pela etapa não-verbal, que no sandplay significa “deixar crescer”, exige a paciência da espera, que irá parir a criação.
Em seguida, apresento a etapa alquímica da coagulatio, numa prática reestruturadora capaz de auxiliar com êxito a psique em sofrimento. A experiência de permitir o nascimento do novo, que brota da fonte das necessidades mais profundas da psique individual, e expressar a forma oculta, o vir a ser transformador, dotado de nova energia.
A técnica junguiana do sandplay foi considerada como a téchne, a ferramenta hefestiana facilitadora da integração psíquica, uma vez que liberta as mãos para expressarem os caminhos do inconsciente, que levam à solução do conflito. Em sua natureza lúdica a imaginação ativa, na tridimensinalidade da matéria, recupera a ligação entre consciente e inconsciente.
Escolhi o caso clínico de uma criança intuitiva, cuja desorganização está no nível da função sensação e cuja necessidade de expressão vibrava por todos os seus poros. Ela brincou as imagens incansavelmente. Selecionei os cenários que marcaram as etapas de desenvolvimento psíquico, o caminho do herói e a consciência egóica em busca do encontro com o arquétipo central, o Self.
Depois de feitas as etapas Solve et Coagula, surgiu a necessidade de aprofundamento pela via da análise simbólica. Chamei-a Tertium non Datur, a etapa diferenciadora. Nela, as etapas de transformação da libido são entrelaçadas pela explicação vinda da psicologia do desenvolvimento da personalidade. Ela compôs a análise alquímica da psique individual.
Ainda um quarto momento veio para ilustrar o processo alquímico no nível arquetípico; chamei-o Quatérnio Alquímico, com o objetivo de recolocar o ser humano na ordem cósmica.
O final é sempre inesperado!
Hermes e Afrodite contam que também estavam ali.
Criar é conceber o novo!
A origem de toda a criação é o vazio, em grego, kháos, a profundidade insondável.
Seu desdobramento em khaínein, abrir-se, já é a possibilidade de movimento, de fecundidade geradora.
O processo criador percorre um caminho, no qual é necessário abandonar o domínio do Racional e lançar-se na Intuição, perceber as possibilidades e ser, subitamente, apreendido pela Iluminação; ser apanhado pela força de Gaia, entrar em seu in-feros, esfera transformadora das emoções, deixar fluir, aprender a arte do calor e, com ela, moldar, flexibilizar, resistir, dar plasticidade e expressar a forma oculta, o vir a ser.
“O pensamento súbito e a intuição são expressão da força espiritual do inconsciente, do lúmen naturae, do mundo da noite, arquetipicamente feminina, cuja escuridão se torna luminosa como que por inspiração.”[1]
Essa centelha divina enterrada na matéria aparece nos escritos de Paracelso e seu rico imaginário: “…a luz de cima escurecia ainda mais a escuridão, mas a lúmen naturae é a luz da própria escuridão; ela clareia sua própria obscuridade, e o escuro compreende esta luz; por isso, ela transforma o negro em claro, queima ‘todo o supérfluo’ …”[2]
Trazer à forma algo do indizível é um ato de intimidade, envolvimento e entrega. Pode parecer simples mas, aos olhos do ego, torna-se um desafio, no qual ele precisa aprender a perde-se para depois se achar em renovação. A arte está no saber tocar o invisível, um compromisso do ser total que recebe a inspiração e a transforma em concretude estética.
O lugar do belo é a imagem! É a alma!
Sustentar a máxima do feminino – o conhecimento do outro sem palavras –, proporcionar intimidade e proximidade e estar em comum união são o próprio húmus gerador da criatividade no nível do feminino.
Existe um padrão arquetípico gerador da introspecção necessária para que a criatividade se dê ao nível da matéria, na tridimensionalidade. Ele se recria em todo momento.
Vivenciei essa realidade mítica no momento da pesquisa em que fui discutir o tema com Dr. Walter Boechat, analista junguiano. Ele, indignado, reclama que não entendia por que não haviam traduzido o texto de Murray Stein sobre Hefesto, Hephaistos: a pattern of introversion, do livro Facing the Gods. Para espanto meu, era justamente o livro, Encarando os Deuses, que retirei da estante, minutos antes de sair do meu consultório, para ler durante a viagem.
A sincronicidade é sempre impactante e numinosa para o ego.
O padrão mítico que eu procurava estava ali, falando conosco!
Era Hefesto! E eu também o havia excluído.
A criatividade sempre foi uma “droga mágica”, o phármakon que os gregos utilizavam contra a morte e o esquecimento e, como tal, também “sofre” do mal ao qual cura. É inseparável das dores emocionais, do sentimento de exclusão que leva ao vale do esquecimento.
Hefesto, o gênio criativo, rejeitado, excluído, atirado do Olímpo por sua fealdade, ou por tentar conciliar uma briga entre os seus pais, Zeus e Hera, ilumina com o conhecimento sobre o desdobramento das forças que participam do processo criador. Ele protege a tessitura desse processo.
O padrão arquetípico pulsa o movimento da psique individual!
Estar em Hefesto é absorver as tensões do meio, não suportá-las em sua guerra improdutiva e ser excluído. Cair no vazio e assumir a imperfeição. Encolher-se para ir buscar dentro de si o erro e destruí-lo, metamorfoseando-o, sentindo a dor do limite, e trabalhar, artesanalmente, até encontrar a forma redentora, guardada por Réia (aquela que representa o Self como centro da personalidade unificada); só então, de posse do novo, de algo belo que reflita o mundo dos deuses, poder voltar ao convívio social.
Do grego Héphaistos, significa acender, pôr fogo em; é o coxo, mutilado como o relâmpago, precipitado como ele, do céu para a terra ou para a água, Hefesto é o fogo nascido nas águas celestes.[3]
Ele é a personificação do fogo telúrico; seu andar coxo é semelhante às labaredas ou ao ziguezaguear do raio – símbolo de Zeus e de sua luz que, através da queda, marca a cumplicidade do espírito oculto na matéria (a disponibilidade interior para o divino).
Hefesto, caído no mar, foi recolhido por Tétis e Eurínome e, durante nove anos, fez uma verdadeira iniciação nos mistérios femininos de transformação da matéria. Ele imergiu na participation mystique com a natureza, na intimidade que interliga todas as coisas e guarda o segredo da criação. Em sua gruta submarina, forjou os metais preciosos, ouro e prata, e também o ferro, o bronze.
Ele é a ferida que proporciona melhor ligação com a terra; a ferida que permite que a alma se revele em interioridade criativa.
Hefesto mutilou-se nos pés, depois da queda. Zeus também foi mutilado, na luta contra os Titãs, por um monstro criado por Géia, chamado Tifão, que cortou seus tendões dos pés e dos braços. Hermes e Pan encontraram e devolveram os tendões a Zeus para que pudesse por um fim definitivo a essas forças primordiais. Zeus vence o caos e a irracionalidade violenta, esmagando Tifão, sucumbindo-o nas profundezas do monte Etna, justamente onde Hefesto fez sua forja. Zeus, como Hesfesto, também se purifica numa gruta, um lugar de iniciação, até estar pronto para assumir a nova vida. É um recriar a si mesmo, e aí reside sua soberania.
A caverna é um grande receptáculo, simboliza a vida latente, o gérmen da vida, o encontro com o eu interior que habita nas profundezas do inconsciente.
A mutilação tem uma função de preparação para uma nova ordem, uma reorganização do cosmos vigente. O mutilado torna-se ímpar e responsável por encontrar o caminho criativo de renovação.
Jung analisa o movimento psíquico da introversão positivamente: “A Nekya não é uma queda titânica, sem sentido e puramente destrutiva, mas uma Katabasis eis antron cheia de sentido, uma descida à caverna da iniciação e do conhecimento secreto.”[4]
A força mágico-religiosa encontra-se no poder do domínio do fogo e de sua transformação em luz. Une matéria e espírito; magia e religião reconciliam-se. A visão multifacetada flui para a unificação; desta, retorna ao múltiplo, formando um canal de possibilidades entre o uno e o todo. Esse poder dá a Hefesto a arte e a astúcia da metamorfose, o saber atar e desatar os nós, próprio dos deuses soberanos que agem sem agir, operando as transformações sem guerrear, como o faz a verdadeira obra de arte, que gera novo estágio de consciência, unindo os povos, evitando a guerra.
A experiência mágico-religiosa é reivindicada pelo Hefesto em nós. Ele tem o conhecimento da sacralidade da matéria. Através das técnicas (téchne), o homem intervém na natureza, ritualiza suas ações e transforma sua relação com o tempo, eternizando-o. A matéria sentida como viva e sagrada deixa-se revelar em beleza pelas mãos do artífice habilidoso. Surge uma embriologia subterrânea e uma obstetrícia própria que ajuda a parir as formas produzidas pela alma.
O início da história mítica é importante para desvendar a cumplicidade de vários deuses.
“Urano e Géia aconselharam Zeus a engolir Métis (conselho sábio), sua primeira esposa, pois alertaram que, se ela tivesse uma filha e depois um filho, ele destronaria o pai.”[5] Zeus, repetindo o padrão de devoramento das gerações anteriores, engole-a; passado o tempo da gestação, ele sofre intensas dores de cabeça e chama Hefesto para lhe abrir a cabeça com uma machadada. Assim, nasce Atená, pronta para lutar, com a lança e a armadura toda de ouro, criações do Deus das Forjas, o construtor de palácios, que criou também o cetro de Zeus e seus raios.
Contam que Hefesto exigiu que Atená se tornasse sua noiva; porém, no momento das núpcias, a deusa desapareceu, e o sêmen dele caiu na terra – Géia – que deu à luz Erictônio, a criança divina da Acrópole Ateniense, e entregou-o a Atená.[6]
Na versão de Hesíodo, Hera (a protetora, a guardiã, aquela que consolida a criação) gera sozinha o filho, Hefesto, desafiando seu marido que, em sua onipotência, gerou Atená de sua própria cabeça.
Esse fato merece uma atenção especial para a androginia como traço característico deste quatérnio: Zeus e Hera; Atená e Hefesto. Característica de unicidade, ser um em si mesmo, tendo os opostos como potência geradora dentro de si, mostra-nos a cumplicidade das forças do masculino e do feminino no momento da criação.
A androginia remete ao ovo cósmico, ao homem primordial em sua plena unidade, em que os opostos se confundem ou fundem-se para gerar. Este estado, uno em si, seria como estar entrelaçado em sua própria potência, a potência necessária para gerar uma nova forma, um novo padrão.
Zeus e Hera sabiam de sua potência e do clima de tensão gerado por suas disputas. O metron, a medida, surge como uma conseqüência para conter tais forças avassaladoras.
Zeus sabia de sua necessidade de castração; sua ligação com a mãe, Réia, o fez responsável por um novo momento da criação, a saída do tempo curvo, cronos, que engolia o novo. Esse tempo curvo, que traz a criação de volta para si, é substituído pela verticalização, a Era de Zeus, o Deus Luz, que lança a criação para o universo, tornando-a livre.
Zeus precisava sentir a dor do corte quando pediu a intervenção de Hefesto, que é a personificação da castração, do limite. Sua sabedoria é justamente esta: pôr fim ao ciclo de devoramento do novo.
Na simultaneidade mítica, Hefesto está nascendo, ao mesmo tempo em que está fazendo o parto de Atená.
“Atená é a necessidade trazida do outro mundo para este mundo; da cegueira para os olhos luminosos; do fiar para o tecer; da compulsão impenetrável e errante para as medidas práticas, protetoras e previdentes do intelecto ligadas à necessidade.”[7]
Ela delimita as profundezas das Erínias (filhas de Réia, mãe de Zeus e cúmplice da luz, centelha divina que habita na escuridão), impedindo a hybris, o descomedimento dos homens que se esquecem do húmus, do barro do qual vieram e sentem-se superiores, como se fossem deuses. As Erínias encarnam forças primitivas, perturbadoras da razão, que não se submetiam aos olimpianos antes de Atená.
Os atributos de Atená, guerreira e sábia, evoluíram da serpente (sabedoria intuitiva) para a coruja (aquela que conhece os segredos da noite, as potências ctônicas).
Segundo Junito BRANDÃO[8], ela simboliza a criação psíquica, a síntese por reflexão, a inteligência socializada e é a inspiradora das artes e da paz. A protetora dos artesãos.
Atená, marcada com a luz do pai e a sabedoria da mãe, e Hefesto, marcado por ser o diferente, aquele que carrega o fardo da rejeição, ambos nascidos de uma grande tensão, trazem um novo padrão de consciência para a Cosmogonia Grega, fonte de nossos arquétipos ocidentais. Representam a transição entre natureza e cultura pela via da atividade simbólica. Complementam-se no movimento solve et coagula da iluminação intuitiva e da concretização.
Segundo Walter BOECHAT, na criação hefestiana, os opostos, natureza e cultura, são elaborados num sintema, e não numa síntese que postula uma tese e sua infindável cadeia de opostos. Este terceiro é a função transcendente, atividade simbólica do arquétipo central, através do padrão de introspecção trazido por Hefesto.[9]
Em seu padrão de introspecção, Hefesto transforma a agressividade dentro de si mesmo. Em sofrimento, sentindo suas próprias emoções, seu gênio criativo é capaz, com a habilidade do artesão, de moldar a matéria e torná-la bela; é capaz de encontrar a luz que reflete a imortalidade, provando ser também um olimpiano. Ele aprendeu a silenciar, para ouvir a voz das musas e seus ritmos cósmicos, e ensina ao homem a arte de se reconectar com as forças primordiais, recriando a si mesmo num contínuo ir e vir.
Criatividade e destrutividade são inseparáveis!
Hefesto forjou sua ira por ser rejeitado ou traído; forjou o amor, a vingança, as paixões e encontrou nelas a inspiração para o trabalho criativo, colocando na matéria aquilo que estava sentindo. Foi no espaço tridimensional que ele moldou o seu caráter, canalizando a agressividade para transformar em beleza o que quer que tocasse; com isso, mostrou um caminho que conduz à paz, sem derramamento de sangue, contribuindo para a essência de uma cultura de respeito ao ser.
A forja era o local das transformações, seu refúgio, local de recolhimento.
Seus companheiros de trabalho eram os Cabiros, os Sátiros e os Dáctilos, personificações do Numinoso Anônimo, ou seja, a numinosidade sem forma, a própria multiplicidade.[10]
Os Dáctilos estão ligados aos deuses fálico-ctônicos: Pan, Poseidon, Hades e Zeus Ctônico. Dizem que havia vinte Dáctilos da mão direita e trinta e dois da mão esquerda; os da direita eram ferreiros, e os outros, mágicos. Eles estão subordinados à Grande Mãe, que os ensinou sobre as potencialidades da matéria, sua plasticidade, flexibilidade, fluidez e segredos da criação matriarcal. A originalidade é o grande diferenciador. Além de pequenos anões-artífices, eram também obstetras.
O parentesco de todas as coisas, próprio do mundo matriarcal, convida o corpo inteiro a participar da criação; é através dos Dáctilos, os dedos, senhores do tato, geradores do calor, pelo atrito, que se faz do artífice o catalisador do processo criador na matéria.
Réia, a avó de Hefesto, no momento de dar à luz Zeus, escondeu os cinco dedos na terra; a montanha produziu tantos espíritos quanto os dedos da mão e assim foram criados os Dáctilos, os Daktyloi, gênios ou demônios benfazejos que tocam, pegam, agarram. Eram também chamados de Curetes (jovens).
Eles personificam a potência criativa do artesão.
Os Cabiros, Khthónioi, subterrâneos, eram os propulsores da fertilidade e das riquezas; integravam o séqüito de Réia e assistiram ao nascimento de Zeus em Pérgamo. Eram quatro, Cadmilo, Axiero, Axioquersa e Axioquerso, os quais foram identificados com Hermes, Deméter, Perséfone e Hades, todos conhecedores dos mistérios da vida-morte e do renascimento.
Não podemos esquecer que foi Eurínome que acolheu e cuidou de Hefesto; ela representa a dança e as pulsações da alma, cria o tambor, que reproduz os sons rítmicos do coração. Ela ensinou-o a sentir a própria interioridade da alma. Sístole e diástole, expansão e recolhimento, um padrão binário do vir a ser, um movimento primordial no micro e no macro Cosmos, indissociável, que eterniza a finitude da vida. Foi também Tétis que o recebeu em seu mar fecundo; ela é a mãe, o feminino arquetípico, revelando-se em todo o seu valor.
Géia e Urano, Réia e Cronos, Zeus e Hera formam as três primeiras gerações míticas e completam sua totalidade, lançando a ponte para a humanização de seus potenciais, através da quarta geração divina, Hefesto e Atená, os quais celebram o equilíbrio das forças e presenteiam com o padrão diferenciador, aquele que interliga as duas realidades, a luz e a sombra.
O processo criador possui um padrão instintivo-espiritual; ele revela as fases de transformação do caos em Cosmos. O homem espiritual-criativo é aquele capaz de compreender e apreender o seu padrão instintivo simbolicamente. Ele é capaz de encontrar a via que transforma a concretude do fogo ctônico em luz celestial, tornando-se um conhecedor do metron; uma vez de posse dos seus limites, pode se aproximar dos deuses, tornando-se criativo, eternizando-se através de suas obras.
O homem torna-se um ser reflexivo a partir de Atená e Hefesto, eles revelam as “semelhanças” contidas nas imagens, desliteralizando as identificações, ensinando a via de saída da possessão por forças arquetípicas dotadas de uma carga energética além da capacidade humana de elaboração.
O poder metafórico, simbólico, é capaz de renovar a energia psíquica, tornando-se o próprio pharmacon ou agente de cura.
Dentro da Psicologia Analítica, atenção especial é dada à imagem, produto da psique, da alma. “A alma é, ao mesmo tempo, mãe de toda ciência e vaso matricial da criação artística.”[11]
A criação a nível psíquico interessa analiticamente como geradora de símbolos.
A humanidade perdeu-se de sua origem, de sua base instintiva, de sua natureza inconsciente. Surge, então, a tarefa do processo de individuação para restabelecer o todo psíquico, fazendo o religare entre a consciência e o inconsciente, que tem na função simbólica o campo da transcendência, do metafórico, o imaginal.
É através do símbolo que a energia psíquica transmuta-se em uma tradução libertadora, plena de sentido, criando consciência, ampliando o campo dos conteúdos, dotando-os de conhecimento e integrando-os ao todo.
Esse processo de individuação gera o eixo ego/Self, centralizador e organizador da psique como um todo. O indivíduo já nasce com a possibilidade de se tornar ele mesmo, desenvolver-se em sua totalidade. Essa simbólica é historicamente expressa no Axioma de Maria, recuperado, por JUNG[12], da Alquimia para a Psicologia: “O um se converte em dois, o dois em três, e é do terceiro elemento que provém o uno como quarto componente. “(to hen tetarton)
A quaternidade é um arquétipo que se encontra, por assim dizer, em toda parte e em todos os tempos. É pressuposto lógico de todo e qualquer julgamento de totalidade (…) em Schopenhauer já encontramos a demonstração de que o princípio da razão suficiente contém uma raiz quádrupla. E isto, precisamente porque o aspecto quaternário constitui o mínimo exigido para a perfeição integral de um julgamento. O ideal de perfeição é o redondo, o círculo, mas sua divisão natural e mínima é a quaternidade.[13]
O padrão arquetípico que acompanha a consciência egóica em busca de sua imortalidade, do encontro com o arquétipo do Self, seu organizador central, é o mito do herói.
“…o relacionamento primal, isto é, a dependência total do ego e do indivíduo em relação ao inconsciente e ao grupo, é experimentado em projeção sobre a mãe, que, a despeito de sua individualidade, marca o bebê e a criança pequena com o Uroboro Materno e a Grande Mãe.”[14]
O mundo arquetípico, como potência, tem um poder muito além do que a capacidade humana pode suportar. Surge a imagem do Herói, aquele que luta para construir a consciência a partir do inconsciente.
A potência precisa virar imagem, e essa imagem arquetípica necessita da experiência de humanização, através do indivíduo, o qual, contendo as tensões geradas no confronto, permite a personificação do inconsciente, abrindo as portas para a fantasia humana.
” A fantasia não erra porque sua ligação com a base instintiva, humana e animal, é por demais profunda e íntima. A base instintiva, humana e animal, é o inconsciente coletivo, o elemento atemporal da psique. É, pois, a fantasia ativa, e sua natureza lúdica, que possibilitam a unidade dos opostos, consciente e inconsciente, e, com isso ligam o temporal e o atemporal, o devir no ser.”[15]
A fantasia revela-se na realidade imaginal, em seu aspecto bidimensional, e na realidade concreta, em seu aspecto tridimensional.
O trabalho analítico tem por meta traduzir as emoções indiferenciadas, contidas nessas imagens da fantasia, dando-lhes a justa medida, humanizando-as e significando-as, unindo o instintivo ao espiritual, gerando consciência.
O papel principal de interlocutor desse processo pertence ao ego, centro da personalidade consciente, responsável pela estrutura de identidade. Ele utiliza-se da diferenciação de suas funções tipológicas: pensamento, sensação, sentimento e intuição para apreender os conteúdos do mundo externo e do mundo interno. Esses quatro aspectos orientam a totalidade psíquica. O primeiro indica se existe alguma coisa; o segundo especifica em que ela consiste; o terceiro, se tal coisa convém ou não, se ela é desejada ou não; o quarto informa de onde provém e qual seu destino.
As atitudes de introversão e extroversão apontam o movimento das energias entre o sujeito e o objeto, passando por filtros de especificidade, e completam a configuração do conteúdo a ser apreendido.
Uma dessas funções torna-se mais consciente e será o principal filtro para o indivíduo se organizar no mundo. É no resgate para a consciência, da quarta função, não desenvolvida e deixada na inconsciência, que o indivíduo poderá chegar à vivência de um todo integrado. As outras, em escala decrescente, serão utilizadas em parceria; quanto mais distantes da consciência, mais contaminadas estarão por conteúdos do inconsciente.
Nas metamorfoses de sua libido (energia psíquica), o ser humano cria e recria a si mesmo, tendo como espelho o mundo dos deuses. Através do diálogo com as personificações do inconsciente, nasce uma nova ligação com as origens da vida, permitindo ao indivíduo contemporâneo recontar sua própria história e a história da humanidade, em suas interconexões míticas, bem como restabelecer o lugar único e pessoal do SER.
A atemporalidade das questões propostas nesse ensaio pode ser vista na história da psique de um menino de apenas sete anos de idade. Nela, vê-se o nascimento do herói e o resgate de sua ligação com a fonte arquetípica, o Self.
O processo durou três anos, aproximadamente, e aqui será mostrado em síntese; portanto, é bom lembrar JUNG sobre o desenrolar do drama na vivência analítica e o respeito ao processo criador: “…enquanto estivermos presos ao próprio criativo, não vemos, nem entendemos, e nem devemos entender, pois nada é mais nocivo e perigoso para a vivência imediata do que o conhecimento. Para o conhecimento, porém, devemos deslocar-nos para fora do processo criativo e olhá-lo deste lado, pois só então ele se tornará imagem que exprime um sentido”. [16]
Essa criança orienta-se no mundo através da função intuição, uma via direta com o inconsciente e, como tal, tem na função sensação sua desorganização maior. A dispersão marca sua vida cotidiana e interfere no desenvolvimento e na diferenciação das noções de espaço e tempo, essenciais para o fortalecimento egóico. O ponto de tensão maior, o conflito das forças entre a consciência e o inconsciente, repete-se na discrepância entre a acentuada liberdade em casa e o excesso de limites e regras de um padrão escolar exigente em termos da função pensamento, não valorizando o tempo e o espaço próprio para a criatividade tanto no nível das relações como no individual.
Bombardeada por intensos estímulos internos e externos, sem conseguir uma solução eficiente, surge o sintoma: um quadro rotulado de TDA-H – transtorno do déficit de atenção e hiperatividade.
Muita vida jorra pelo corpo inteiro dessa criança. Ela quer brincar as imagens, brincar a psique inconsciente de uma forma espontânea e ilimitada. A necessidade de contenção é evidente e precisa nascer de dentro para fora pela construção de sua própria mandala psíquica. Só então, ela poderá iniciar seu processo de socialização e conseqüente adequação às regras e aos padrões sociais.
O setting analítico e a ritualização, somados ao jogo lúdico na Caixa de Areia (Sandplay), com seu espaço livre e protegido, capaz de criar um campo receptivo às incessantes tentativas de expressão dos conteúdos do inconsciente, oferecem as condições necessárias para que a psique mostre sua meta, seu caminho criativo de renovação.
As artes expressivas (téchne) utilizadas na Psicologia Junguiana oferecem o campo arquetípico da Grande Mãe para deixar crescer e nascer a psique individual.
Para exemplificar o processo criador, foram selecionados alguns cenários na areia, aqueles de maior valor simbólico, que revelam a construção do eixo ego-Self, responsável pelo desenvolvimento sadio da integridade psíquica.
Inicialmente, foi feito um processo de avaliação psicológica e, nele, destacam-se dois cenários de uma ilha. No primeiro, é nítido o pedido de socorro sendo atendido pelas ambulâncias e pelo helicóptero de resgate. Como parte da energia móvel, o excesso de espontaneidade já está contido nos muros de um forte. Caminhões, pessoas, barcos e quatro patos (fig. 1).
A totalidade psíquica está mobilizada contra o perigo de dissolução inerente ao estágio urobórico de desenvolvimento da personalidade (observa-se, no desenrolar do processo de transformação, as regressões e progressões da libido, bem como seus estágios correspondentes).
FIGURA 1
Fonte: arquivo da autora.
No cenário seguinte, está enterrado um tesouro (pedras preciosas), e ele faz o mapa do tesouro. Aparecem a águia e o pavão observando a desorganização; ele coloca a “balança dos deuses” (sic), equilibrando as forças (fig. 2).
Zeus (águia), Hera (pavão), Atena (balança) e Hefesto, com sua téchne, o trabalho artesanal do sandplay, formam o quatérnio organizador do processo no nível arquetípico.
Essa configuração revela a constelação do arquétipo da totalidade orientando o processo. O tesouro a ser encontrado é o Self, em seu primeiro estágio, e há o nascimento do ego a partir desse arquétipo central. Existe um prognóstico positivo.
FIGURA 2
Fonte: arquivo da autora.
A luta do herói contra as forças avassaladoras inicia-se com a caixa intitulada Vamos Guerrear. No canto superior esquerdo, lugar do Pai Espiritual Arquetípico, aparece uma escada, um xamã e dois homens. A descida do alto, do ar, espaço da intuição sendo amparada pelo xamã e pelo masculino, inicia o processo de discriminação dos conteúdos psíquicos.
Uma transferência analítica positiva auxilia o processo; é o xamã buscando a alma para seu retorno ao corpo. Ele sabe a direção correta, o passo a ser dado; é preciso descer e lutar. “…a porta é no canto, aqui no alto (…) Não acabou ainda, não tem vencedor… Título: Vamos guerrear!”* (fig. 3)
FIGURA 3
Fonte: arquivo da autora.
JUNG, em Símbolos da Transformação, faz uma reflexão que ajuda a compreender o que se passa nessa psique:
…inicialmente ele (Deus) aparece, portanto, sob uma forma inimiga, como entidade violenta contra a qual o Herói precisa lutar. Isto corresponde à violência da dinâmica inconsciente. Nesta, o deus se revela, e nesta forma ele deve ser vencido (…) o surto de violência dos instintos é vivência divina quando o homem não sucumbe à força deles, não os segue cegamente, mas defende com sucesso sua condição humana contra o caráter animal da força divina.[17]
No momento seguinte, o perigo de devoramento aparece nitidamente na imagem do jacaré fora da caixa, além dos limites. É exatamente este o seu problema principal, o excesso de estímulos sem contenção, compreensão e assimilação, característico do tipo intuitivo. O perigo acentua-se ainda mais devido ao momento de desenvolvimento do seu ego, ainda imerso no estágio urobórico. Quando em seu movimento regressivo, o ego parece submergir; depois, em movimentos impulsivos e cheios de energia, busca a diferenciação.
Dentro da caixa, no canto inferior esquerdo, lugar das origens e da Mãe Arquetípica, aparecem dois revólveres e um gorila, os quais traduzem a agressividade bruta e explosiva do instinto selvagem e não canalizado. Os tesouros do feminino mostram-se na sua fala romântica, na arca com pérolas, na mesa, na natureza. Essas riquezas, abundância de vida e de sensibilidade, precisam ser cuidadas, protegidas contra a fúria dos instintos. “…quanto mais intensa a tensão espiritual de um símbolo, tanto mais profundamente as suas raízes se enraízam na matéria (sem o agir, nem o reprimir, mas transformar a força pulsional em criatividade).”[18]
“…quanta coisa romântica (…) [as mulheres e o homem romântico que cuida delas] (…) Para baixo é o mar, a mesa riquíssima de um milhão de dólares, o tesouro, jóias da rainha, tão rica! (…) Fora, o jacaré que devora tudo…”* (fig. 4)
FIGURA 4
Fonte: arquivo da autora.
Em seguida, a indiscriminação no mar do inconsciente materno tem seu símbolo maior na baleia. Ela encontra-se no canto superior esquerdo, lugar do Pai Espiritual. Realmente, na vida dessa criança, tem um excesso de dedicação e zelo materno, bem como uma dupla função, pois o pai está ausente, em crise, buscando preencher o vazio de sua existência na bebida. Cabe à mãe buscar as condições para que a criança se organize. A sombra do alcoolismo inunda e desorganiza; ela aparece na imagem dos piratas fora dos limites da caixa, ou seja, de sua mandala psíquica. Vê-se, também, um regador verde, que o ajudará a conter e transformar as águas inimigas em fonte de vida. Só o desenvolvimento espiritual pode preencher o vazio da existência humana, e esta criança vai denunciar claramente a falta de alimento espiritual em sua fala espontânea mais adiante.
Três outros símbolos destacam-se em importância: a pirâmide, o sarcófago e a esfinge. Eles apontam para os mistérios de vida-morte-renascimento.
O enigma do ser apresentou-se muito cedo na história da humanidade na imagem da Esfinge: decifra-me ou te devoro. A questão do destino pessoal fez-se em perguntas a serem respondidas durante a passagem do humano aqui na Terra: “Quem eu sou?”; “De onde vim?”; “Para onde vou?”; “O que vou fazer com a minha vida diante da morte?”;” Qual é o sentido de minha existência?”.
A possibilidade de renovação da vida em busca de um sentido e a superação de seus pais anunciam-se na vida interior dessa criança. Ela poderá dar um significado à sua existência, encontrando seu lugar diferenciado.
Outro aspecto relevante da esfinge é a sua posição de estabilidade, assentada firmemente na terra, imóvel. É a imobilidade necessária para essa criança poder se fixar, enraizar-se.
Aparece também a tartaruga, que a ensina a ir mais devagar, a sair da hiperatividade.
Sabe-se, a partir de JUNG e de seus estudos sobre os tipos psicológicos, que: “o intuitivo nunca está lá onde se encontram os valores reais, aceitos em geral, mas sempre lá onde se encontram as possibilidades. Tem faro aguçado para o embrionário e para o que promete futuro. Enquanto houver possibilidade, o intuitivo está fixo nela com força fatídica.”[19]
“…a tartaruga tem trilhões de anos, é a mais sábia [ele, o paciente, é o mago]. (…) O urso tem 2012 anos, o elefante, 2011; também são sábios. (…) Muito mais velhos que a tartaruga são a esfinge, a pirâmide e o sarcófago. (…) Os dinossauros têm a mesma idade da tartaruga, mas só comem peixe… na concha, a sopa mágica…”* (fig. 5)
FIGURA 5
Fonte: arquivo da autora.
Adiante, o excesso de estímulos revela a situação de crise. O mundo das sensações e sua indiscriminação aparecem claramente aqui. Pode-se observar a mudança de posição da esfinge, canto inferior direito, lugar da mãe terrena, da concretude, das sensações, muito bem expresso pela fruteira e as frutas com seus diversos sabores. É nesse nível que deve se dar a estabilidade.
O trabalho com o símbolo no plano tridimensional e a plasticidade gerada pelo tato, o artesanal engendrando a matéria, gerando alma, interioridade, estão ajudando a filtrar, a delimitar esse inconsciente tão fortemente mobilizado.
O próximo conteúdo a ser integrado está no limite da caixa. Surgem o mago e o escravo.
“A esfinge tem trilhões e novecentos, é a mais velha. (…) Este é um mago [diz que ele próprio é o mago], tem milhões, trilhões de anos, mesma idade da tartaruga. Os monges de marfim protegem a primeira dança inventada no mundo. (…) O escravo, se quiser, mata fácil o mago; com a espada, mata rápido.”* (fig. 6)
FIGURA 6
Fonte: arquivo da autora.
JUNG ampara, com seu conhecimento e experiência: “A obra in statu nascendi é um complexo autônomo. É independente do arbítrio da consciência; cada instinto possui mais ou menos as características de um complexo autônomo”[20].
Erich Neumann afirma que o desenvolvimento da consciência ocorre dentro de uma tensão dos opostos, criada pelo ego e pelo inconsciente. Na história desse menino, confirma-se, através da observação da Imaginação Ativa projetada no Jogo de Areia, a grande mobilização das forças necessárias para parir a psique consciente.
Segundo NEUMANN,
…visto que o indivíduo do sexo masculino experiencia situação primal – identidade com a mãe –, o outro feminino – como identidade com um não –, somente numa fase posterior é que a descoberta do Self como indivíduo do sexo masculino é atingível (esta descoberta do Self não deve ser confundida com a descoberta do Self da individualidade da segunda metade da vida). Inicialmente, parece ser a descoberta do Ego, mas é o primeiro estágio da descoberta do Self, estando, como está, em oposição ao relacionamento primal. Quando isso não é conseguido, o indivíduo do sexo masculino permanece preso e castrado no incesto materno e urobórico, isto é, ele é inautêntico e alienado de si mesmo.[21]
No próximo cenário, aparecem as forças do movimento urobórico patriarcal, discriminador da consciência contra a bruxa de braços abertos, em pleno exercício de seu poder mágico encantatório. Os poderes do céu e da terra estão potencializados.
“…Jesus e os outros fazem uma tempestade [gira a caixa várias vezes].”* (fig. 7)
FIGURA 7
Fonte: arquivo da autora.
Uma pausa; alívio da tensão; surge a visão do Paraíso.
No livro Aion: Estudos Sobre o Simbolismo do Si-mesmo, JUNG recupera a doutrina dos naassenos:
…estes ensinavam que os quatro rios do Paraíso correspondiam aos sentidos da vista, da audição, do olfato e da boca. A boca, da qual sai a oração e através da qual entra o alimento no homem, corresponde ao quarto rio: o Eufrates. A conhecida importância atribuída ao “quarto componente” explica, de certo modo, a relação com o homem “todo”, pois este quarto elemento vem completar e transformar uma tríade, tornando-a uma totalidade.[22]
“… [os lobos] estão em extinção. (…) Bonito, né? É o paraíso. (…) Rosas bem raras, lilás; valem muito…”* (fig. 8)
FIGURA 8
Fonte: arquivo da autora.
Aparece o cenário do confronto entre o mago e o escravo. O xamã mostra a meta a ser conquistada, indicando, com seu braço, a linha horizontal do embate de forças. Essa psique necessita organizar o caos. Os africanos e seus tambores chamam para as batidas do coração; ele precisa encarnar, vencer sua intuição arrebatadora para poder enraizar, realizar suas tarefas do cotidiano, tais como aprender a ler, que é sua dificuldade maior.
NEUMANN afirma que “a oposição traz o simbolismo do Feminino e do Masculino, do Inconsciente e do Consciente; a separação simbólica entre Masculino e Feminino (…) o Uroboro é o local da ‘consciência masculina’ e do ‘inconsciente maternal’.”[23]
“O negro é o maior e o mais poderoso. O mago também é poderoso. A chave do poder veio do céu.”* (fig. 9)
FIGURA 9
Fonte: arquivo da autora.
A possibilidade de superação do complexo paterno negativo, que lhe rouba a estabilidade, aparece nas imagens dos piratas sendo mortos. O sangue no aquário lembra o vinho inebriante que inunda a consciência do alcoolista; porém, em pequenas doses, contém a pérola, o feminino transformador que suporta a transformação da concretude em espiritualidade. O “vermelho” é o próprio instinto, e é na capacidade de sair da característica compulsiva do irrefreável que residem sabedoria e cura. Essa é a condição primeira para a construção de um ego saudável, de posse dos seus limites, de posse de si mesmo.
Os deuses amaldiçoam quem tenta pegar os tesouros. Água para tudo o que é lado. Eles morrem; só o cachorro metálico está vivo [pega as pérolas e põe no aquário com “sangue”]. Quem desobedece aos deuses merece sangue, muito sangue. Tubarões. O sangue é de todos aqueles que morreram, os piratas [pega um tubo de cola colorida vermelha e diz que é uma injeção para curar os piratas e aplica no pênis de cada um].* (fig. 10)
FIGURA 10
Fonte: arquivo da autora.
Foi um momento importantíssimo este em que o aspecto compulsivo encontrou expressão de cura. A agressividade que rouba seu tesouro maior, invadindo seu mundo interior, está se transformando.
A intensidade do momento anterior cedeu lugar para várias sessões em que ele se dedicou à modelagem de um boneco de barro, finalizando-o quando escreveu o meu nome e o dele no peito do boneco. Só então, colocou-o no centro da caixa e montou um cenário comemorando a criação. Muita música e alegria! Parecia o momento mítico em que Zeus convida as Musas para ressonar a Criação do Mundo. Essa criança está construindo o seu próprio mundo, com suas próprias mãos, e esse acontecimento merece comemoração.
O poço e os instrumentos de modelagem, os esteques, mostram o trabalho como essência da criação. Contam sobre o metron, a medida. Confirma-se a força de Hefesto e Atená auxiliando essa psique, criando símbolos, delimitando o irracional. (Fig. 11 e 12)
FIGURA 11
Fonte: arquivo da autora.
FIGURA 12
Fonte: arquivo da autora.
Pode-se observar a verticalização e todo o seu simbolismo no momento lúdico em que o fogo é aceso e, com ele, a renovação é anunciada.
“Muito pouca gente faz isso hoje em dia, rezar para Jesus. O leão é sagrado para mim, pois sou do signo de Leão [põe dois elefantes para vigiar]. Coloca pedras e vai dizendo: ‘Jesus, Jesus, Jesus!’ [Coloca comida para Jesus, embaixo da vela para ele ver; o leão está ao lado de Jesus crucificado e da vela]”* (fig. 13).
FIGURA 13
Fonte: arquivo da autora.
Outro momento importante é marcado pela integração do jacaré no canto inferior direito e da cobra no canto inferior esquerdo. Do lugar das origens, surge a cobra e sua sabedoria instintiva; seu veneno pode curar, quando ministrado na dose certa, e combater o perigo da dispersão. A cobra é astuta e atenta.
Aparece o índio em seu barco, ele é conhecedor das forças instintivas. Logo acima, no centro, o velho marinheiro, observando com sabedoria, atento, parece contar que a tarefa está sendo cumprida.
O alívio das tensões é evidente. (fig. 14)
FIGURA 14
Fonte: arquivo da autora.
Aparece o leão e, como ele mesmo disse, é muito importante, pois é o signo dele. Tem-se aqui o instinto recuperado para o centro. Na astrologia, o leão é um símbolo do ego e de sua força.
Vê-se a águia, símbolo do poder do espírito e único animal capaz de olhar diretamente para o Sol.
A pirâmide aponta para o quinto elemento, a transcendência.
É o quinto elemento, o uno, aquele que desce pelo imóvel ponto que gira e traz o tempo e o espaço, podendo se expressar no espaço bidimensional e no tridimensional, na forma e no seu simbolismo.
“Centro, lugar sagrado.” * (fig.15)
FIGURA 15
Fonte: arquivo da autora.
Com precisão, aparece o ponto central, a capacidade de focar surge e garante o nascimento do ego. É um momento de muita precisão!
“A montanha da bola.” * (fig. 16)
FIGURA 16
Fonte: arquivo da autora.
Esta última cena revela, em simplicidade e originalidade, a experiência do Self, confirmando o conceito do eixo ego/Self desenvolvido por NEUMANN[24]. A fonte mercurial, provedora de vida e o receptáculo para contê-la, aparecem em uma imagem límpida, clara e plena de beleza.
“Fonte, petróleo, fiquei rico!” * (fig. 17)
FIGURA 17
Fonte: arquivo da autora.
Os alquimistas afirmavam que a acqua permanens estava dotada de uma força capaz de transformar o corpo em espírito e conferir-lhe a propriedade da indestrutibilidade; ela é o mercúrio. Tem a propriedade de “dissolver tudo o que é sólido e coagular tudo o que é líquido.”[25]
“Nosso mercúrio é a nossa água claríssima.” (Rosarium Philosophorum)[26]
O processo analítico permite aderir à lei da perfeita liberdade, ou seja, seguir o movimento do inconsciente. Ele aponta para a meta, que é o Self, o arquétipo central e organizador da personalidade.
A obra alquímica, em sua totalidade, revela subidas e descidas, num movimento de vai e vem. Ela sobe ao céu e desce à terra, solve et coagula os conteúdos que buscam a consciência para serem significados.
“NIHIL ALIUD EST QUAM SPIRITUS MUNDI CORPOREUS IN VITRAE TERRA FACTUS. Mercurius nada mais é do que o espírito do mundo que se fez corpo na terra.”[30]
Trazer o transcendente para perto de si, criando cenários, escrevendo, esculpindo, representando, cantando, desenhando, colorindo em tinta, forma e emoção, faz reviver a alma ancestral, eterniza o ser humano, tornando-o belo, nobre e bom, na mais pura espiritualidade grega, berço da civilidade.
Os padrões de transformação do instinto em espiritualidade estão lá, descritos nos mitos, encenados em tragédia e em comédia, por séculos, redescobertos em sabedoria.
A libertação das mãos como canal de expressão para moldar a matéria traz o feminino arquetípico de volta, o limite necessário para fixar as imagens na concretude e atualizar o drama mítico, humanizando a experiência, livrando-a da velocidade cortical geradora de perigosas cisões. A inclusão dos dedos faz dançar o sangue, acordar as células, despertar o corpo para percorrer o mundo, sentindo a vida, desfrutando cada instante no tempo e no espaço, recuperando os mistérios da matéria.
O padrão intuitivo introvertido, julgado como desadaptado ao olhar da consciência patriarcal, está cristalizado numa interpretação que impede a evolução para uma consciência de alteridade, que inclui o outro em sua individualidade; porém, é justamente este ser intuitivo que, ao introverter, gera o corpo ávido por cuidados, implorando pelo equilíbrio, pedindo presença e respeito.
É necessário sensibilidade, tempo e espaço interno para que a criação se realize e transforme os seres humanos em seres dignos de compartilhar o Cosmos.
Para finalizar, busca-se em JUNG o esclarecimento:
O Si-mesmo ou Cristo está presente em cada um de nós à priori, mas inicialmente em geral no estado de inconsciência. Mas é decisivamente uma experiência da vida posterior, se este fato se tornar consciente. (…) O Si-mesmo ou Cristo não pode tornar-se real e consciente sem o retraimento das projeções externas. É necessário um ato de introjeção, isto é, o conhecimento de que o Si-mesmo vive em nós e não numa figura externa, separada e diferente de nós. O Si-mesmo sempre foi nosso centro mais íntimo e nossa periferia, nossa scintilla e nosso punctum solis, e assim continuará sendo. Ele é, inclusive, no sentido biológico, o arquétipo da ordem e – dinamicamente considerado – a fonte da vida.[31]
TERTIUM NON DATUR [32]
Esta parte surge da idéia de distanciamento da criação para, então, colocar o conhecimento, conforme palavras do próprio JUNG “…enquanto estivermos presos ao próprio criativo, não vemos, nem entendemos, e nem devemos entender, pois nada é mais nocivo e perigoso para a vivência imediata do que o conhecimento. Para o conhecimento, porém, devemos deslocar-nos para fora do processo criativo e olhá-lo deste lado, pois só então ele se tornará imagem que exprime um sentido”. [33]
O termo alquímico Tertium non Datur refere-se à função de gerar símbolos da própria psique com seu significado voltado para a evolução clínica. É o phármacon, o agente de cura, que indica o caminho da meta alquímica de transformação e da liberação da energia presa no complexo constelado.
A obra de transformação psicológica é permeada de progressões e regressões da libido, em movimento de gerar e parir a forma redentora, o símbolo/sintema, formado pela conjunção dos dois movimentos, do solve et coagula, o ir e vir, que irá fazer surgir o terceiro não identificado.
A alquimia é pensada dentro da perspectiva de reflexão no silêncio; o aspecto que não se fala no processo, mas que resulta no mistério da imagem enviada pelo inconsciente. Sente-se, intui-se, mas a razão não consegue desvendar, só auxiliar.
No primeiro momento de observação das imagens produzidas pelo inconsciente da criança, o pedido foi de con-templ-ação, ou seja, movimento de respeito ao sagrado na ação de entrar no templo, na construção imagética que se revela ao analista e ao analisando. É o sagrado do Ser no encontro analítico. Forma-se um campo analítico, onde ocorrem os fenômenos da transferência e contra-transferência; conteúdos do inconsciente do paciente passam para o terapeuta e vice-versa. Conteúdos conscientes também entram e, nestes, as palavras e atos nascidos da reflexão simbólica são aqueles realmente dotados de movimento transformador.
A função transcendente resulta da união dos conteúdos conscientes e inconscientes, do solve et coagula condutor do processo. A dinâmica de regressões e progressões da libido faz a ponte de resgate para a consciência do símbolo estruturante, conforme a necessidade da totalidade psíquica em seu estágio de desenvolvimento. Para cada estágio, existe uma gama de símbolos que se apresentarão à psique para serem integrados.
O símbolo é o transformador energético da libido. Ele jamais tem origem exclusivamente consciente ou inconsciente, sendo produzido pela colaboração igualitária de ambos os sistemas. Por conseguinte, o símbolo tem um lado racional, que atende à razão, e outro que é inacessível à razão; é composto não apenas de dados racionais, mas também de dados irracionais da pura percepção interior e exterior. Portanto, O componente sensível e figurativo do símbolo, oriundo da sensação e da intuição, das funções irracionais, não pode ser apreendido pela razão. É justamente o fator emocional inconsciente, ativado pela invocação, que mostra ser o símbolo um transformador energético, cujo fascínio retira a libido das suas vias habituais e a conduz para a intenção organizadora do arquétipo central.
O símbolo é vivo, e sua movimentação na vida simbólica não permite ao ego que apreenda um conteúdo, racionalmente, a fim de analisá-lo, isto é, decompô-lo e digeri-lo. Seu aspecto numinoso gera uma comoção, um mover em conjunção, que sugere uma permeabilidade entre a psique consciente e a psique inconsciente. Imagem e símbolo são produtos criativos do inconsciente, manifestações do aspecto espiritual e instintivo existente na alma humana.
O interior se exterioriza por meio do símbolo, e o exterior se interioriza.
Pertence ao Self a função atribuidora de sentido dos símbolos e arquétipos, e ela carrega a tonalidade afetiva, o lado emocional; esta emocionalidade, ativada pelos símbolos, é o agente que move em direção ao sentido e à ordem.
A comoção causada pelo arquétipo traz sentido e redenção, ao mesmo tempo. Ela move o indivíduo, religando-o à humanidade, conscientiza-o de sua fonte comum no inconsciente coletivo, tornando-o único e coletivo, simultaneamente.
O analista é um facilitador do processo de formação de símbolos. Ele ajuda o paciente a unir consciente e inconsciente; promove a renovação, até que o próprio analisando tenha integrado o processo e continue, por si mesmo, o re-ligare entre as partes conscientes e inconscientes de sua totalidade psíquica.
É no inconsciente que se desenvolve uma atitude reguladora da economia psíquica. A energia é distribuída entre as partes e o todo, através do arquétipo central – o Self.
A realidade, para ser vista em sua totalidade, precisa das funções egóicas: sensação, intuição, sentimento e pensamento; é com estes passos que se deve observar as imagens para, depois, compô-las em uma seqüência significativa.
Compor é sair do medo da escuridão do desconhecido e brincar as pequenas partes, procurando harmonizá-las, destensioná-las, tirá-las de sua inimizade desorganizadora. Dissolver tudo o que é sólido e coagular tudo o que está solvido; esta é uma metáfora para a iluminação intuitiva e a atitude redentora. É um diálogo necessário à formação do símbolo/sintema, reconciliador do espírito e da matéria.
A atitude de fé psicológica, ancorada na construção analítica que existe no Temenos (o espaço sagrado, o templo da transformação), oferece a ação de acolher para deixar formar o novo. É a possibilidade de união; de conjunção.
Esses pressupostos e a ação de contemplar devem ser utilizados frente à imagem, para que seja compreendida. Novas facetas do mesmo símbolo aparecem em outros momentos da vida e revelam novo potencial; o contemplar convida a voltar e voltar. Então, pode-se ampliar as imagens, colocando o conhecimento à luz da razão, para se obter a reflexão completa. A cada vez, comove-se e surpreende-se por algo novo.
SCHILLER[34], filósofo do Belo, diz que a beleza é a esfera da contemplação e da reflexão irrestritas; ela conduz ao mundo das idéias e ao mundo dos sentidos, interconectando-os. Ela reconduz o homem sensual à matéria e ao mundo dos sentidos.
A história do caso clínico apresentado passa, primeiramente, por esse conceito de beleza. A alma humana deve ser reverenciada e, só então, analisada.
A criança foi encaminhada, a pedido da escola, por dificuldade de aprendizado; estava com sete anos, no primeiro ano do Ensino Fundamental. Não conseguia ler. A mãe o trouxe, dizendo que ele só queria brincar. Ele chegou e vinculou-se, imediatamente, com a caixa e as miniaturas. No início, seu olhar não passava pelo meu e, então, comecei a chamá-lo pelo seu nome, olhando-o, e deixei-o dar vazão ao seu brincar.
A própria caixa é um continente que delimita o inconsciente. Sua concretude estrutura o não, ao nível matriarcal, como etapa necessária; só então, com o amadurecimento neurofisiológico, pode-se passar à abstração e compreensão do não-falado.
Segundo Jean Piaget[35], o elo de ligação de todas as características específicas da lógica das crianças é o egocentrismo do pensamento infantil.
O pensamento dirigido, consciente e objetivo é inteligente. Adapta-se à realidade e luta entre a verdade e o erro para influenciá-la. Pode ser comunicado por meio da linguagem.
O pensamento egocêntrico é subconsciente, persegue os problemas que coloca a si mesmo e não estão presentes na consciência, mas sim na realidade da imaginação ou nos sonhos. Tende a gratificar os desejos, e não a estabelecer verdades, e permanece estritamente individual e incomunicável como tal, por meio da linguagem. Opera, basicamente, em imagens e, para ser comunicado, precisa recorrer a métodos indiretos, evocando, por meio de símbolos e de mitos, os sentimentos que o guiam.
O pensamento dirigido é social, vai sendo cada vez mais influenciado pelas leis da experiência e da lógica; o pensamento egocêntrico é individualista e obedece a um conjunto de leis próprias e especiais. O brincar e o brinquedo formam a essência do pensamento egocêntrico.
No caso clínico, por muito tempo, a fala reduzia-se à espontaneidade do momento lúdico; somente no final do processo, apareceram o diálogo e a troca de olhares.
Na primeira caixa de areia (fig 1), apresenta-se o cenário com os quatro patos e todo o valor expressivo do quatérnio, que será o fio condutor para a elaboração do arquétipo central.
A imagem do pato tem um significado especial para os egípcios. No ano 3500 a.C., foram criados os hieróglifos, escrita sagrada, representada por figuras, e não por sons, como nossa escrita fonética. Os escribas utilizavam 600 sinais. Nessa escrita, o pato simboliza o filho do deus Sol, Rá.
O deus Sol é a representação da pura energia espiritual; o disco solar remete ao todo, ao circular e ao seu desdobramento em quatro, a quadratura do círculo, que leva ao imaginário da matéria e à pluralidade da natureza. O quatro é a invocação da construção de uma mandala psíquica, do todo psíquico, tendo como centro o arquétipo central. Esse centro é o tesouro escondido na ilha.
Essa primeira caixa traz toda a tensão e o pedido de socorro. O helicóptero de salvamento como símbolo aparece na psique moderna, fruto do desenvolvimento da tecnologia. O desenvolvimento da consciência humana, privilegiando sua racionalidade, deixa um vasto conhecimento como legado. A diferenciação da função pensamento permite que as várias áreas do conhecimento estejam disponíveis para serem trabalhadas na sua interdisciplinaridade. A imagem do helicóptero vindo em socorro, traduz também a entrada da Psicologia e sua contribuição. O resgate analítico será realizado.
O helicóptero carrega a potência das forças de elevação; ele contém o impulso de propulsão, é a possibilidade de sublimação necessária para sair da pressão do acúmulo de movimentos isentos de direção e sentido, que desorganizam essa criança.
A ilha representa o complexo constelado, roubando energia egóica que deveria estar circulando entre as diversas estruturas da endopsique e da ectopsique, mantendo o equilíbrio das forças e promovendo crescimento. Há uma estagnação, um estar ilhado no sentimento oceânico, na participação mística com o mar materno. Essa ilha é também o local onde estão concentradas as forças que causam a dispersão no comportamento dessa criança.
O símbolo estruturante necessário ao desenvolvimento dessa psique precisa ser resgatado. É o Self que está representado pelas pedras preciosas enterradas no centro da ilha. O complexo paterno negativo mobiliza as forças arquetípicas que trazem a possibilidade de resgatar o pai espiritual, o qual ensinará os limites necessários ao crescimento sadio. Normas, disciplina, ordem, submissão ao poder espiritual superior, posse, dominação e valor são algumas das qualidades desse padrão arquetípico.
O pai desse menino estava em crise espiritual, engolido pelo materialismo, e buscou no álcool a anestesia para suas frustrações. Entregou a criação dos filhos para a mãe e estava totalmente passivo quanto aos limites necessários, que ele deveria dar. Os filhos podem tudo, já que o pai está ausente, mas a sociedade pune e marginaliza quem não aceitar regras, valores e normas. Essa criança não se encaixava nos padrões oferecidos pela escola, cujo ensino é tradicional, e cujos fundamentos filosóficos são cristãos. A mãe, na tentativa de conciliar, procura os meios que possam ajudá-lo a se adaptar.
Uma dose dessa irreverência poderá ser usada para criar; futuramente, uma certa transgressão será necessária ao crescimento e à realização de uma vida criativa. Nesse momento, porém, ele precisa inserir o padrão pai.
No primeiro cenário construído, aparece outro quatérnio, que se repete nos muros do forte. Eles enquadram os movimentos sem controle, do brincar compulsivo; mobilizam as forças de contenção da dispersão, para entrar na possibilidade de concentração.
No segundo cenário (fig. 2), a ilha já se apresenta mais destensionada; aparece o quatérnio de arquétipos que vêm estruturar a base profunda do ser.
Deve-se enfatizar o valor da construção analítica, que tem no inconsciente coletivo e em seus arquétipos a fonte de sua criatividade. O sagrado revela-se para ajudar a psique em sofrimento.
Aparecem os aspectos teriomórficos de Zeus e Hera; o masculino criativo, que preside a imaginação e possui a potência de gerar o novo, e o feminino, que consolida essa criação. A águia e o pavão. Símbolo da concentração, da capacidade de focar, a águia pode olhar o sol e não ficar cega. O pavão pode abrir o leque de possibilidades, vários pontos de vista; vários ângulos podem ser vistos sem que acorra a dispersão. Ele tem contenção, limite. Essa é uma das funções de Hera, pôr limite no potencial criativo de Zeus e trazê-lo para a consciência.
A águia, nesse quatérnio, é um elemento alado diferenciador, capaz de afastar o caos e focar um ponto de luz; capturar o espírito na matéria e trazê-lo para uma forma unificada. Zeus e Hera estão unidos, mostrando os dois aspectos do todo. Pai e mãe arquetípicos. Contenção necessária para que a criação aconteça, o nascimento da alma e seu caminho de individuação têm a proteção dos deuses. O prognóstico é positivo.
A medida e a capacidade de humanização das forças vêm com Atena, na imagem da balança dos deuses*; ela equilibra o elemento fogo contido no imaginário da areia. O fogo espiritual, Zeus, e o fogo ctônico, Hefesto, precisam se equilibrar. A cumplicidade de Zeus e seus raios tenebrosos junto com Hefesto e suas lavas vulcânicas, em termos emocionais, remetem à emoção da raiva, a raiva necessária para movimentar o processo criativo. A destrutividade acompanha a criatividade; ela pede direção, canalização e metamorfoseia-se, submetendo-se à forja, lugar das transformações.
Atena é a protetora dos artesãos; ela sabe guerrear e pôr limite nas forças compulsivas que levam à dispersão.
Hefesto aparece como o quarto elemento; sua forja é a própria caixa de areia, e suas ferramentas são as miniaturas. Ele é o padrão arquetípico que permite a integração do simbólico/sintema, projetado no espaço tridimensional, e faz com que o movimento psíquico saia da inércia patologizante e inicie sua circoambulação em direção ao centro, ao Self. Ele permite a catarse das emoções; através de uma descarga motora, todo o corpo e seu simbolismo relacionado ao inconsciente (na cultura ocidental) participa do processo.
Hefesto traz a inclusão do erro, do feio, para ser transformado, trabalhado. As mãos podem fazer e desfazer, experimentar as formas até que uma prevaleça; esta, certamente, estará dotada de energia, pedindo por significação.
GUILFORD[36], em seu livro sobre a natureza da inteligência humana, classifica dois tipos de produção de idéias: a convergente e a divergente. Na primeira, o erro deve ser eliminado para que se chegue à máxima precisão possível. Ela é a base para o pensamento científico. Na segunda, o erro é necessário para mover o processo. Ela é a base do pensamento criativo. Não existe criatividade sem erro.
Algumas atitudes encontradas na produção divergente, como capacidade de transformação, originalidade, flexibilidade, disponibilidade para resolver problemas, talento, engenhosidade e fluidez expressiva (verbal, ideativa ou associativa) compõem o perfil para a expressão do potencial criador.
Quando o corpo todo participa do processo, ele experimentará, na concretude da matéria, as possibilidades de errar. Relembra-se que o pensamento dessa criança está na fase egocêntrica, e o desenvolvimento cognitivo encontra-se no estágio operatório concreto, dado comprovado na avaliação psicopedagógica em que foram aplicados os testes piagetianos.
O terceiro cenário (fig. 3) é presidido pelo Xamã, no canto superior esquerdo, lugar do pai espiritual. Outros dois homens aparecem para ajudar a segurar a escada. O número três é masculino, promove movimento de luta, de penetração; é o ativo que reivindica a posse do corpo e a definição do território psíquico. O Xamã traz a alma para a encarnação no corpo. Esse Xamã presentifica a figura do analista e sua função de catalizador do processo de individuação, promovedor de cura, a cura entendida como o re-ligare da totalidade dos conteúdos conscientes e inconscientes, ampliando a consciência. A imagem do Xamã é o elemento organizador, centro da coagulatio, ou a operação alquímica que traz para o concreto, enraíza, solidifica. Nesse momento, ele exige a descida das forças; é necessário encarnar e lutar.
Para essa psique, a necessidade é da presença do pai. No caso desse menino, a função estruturante do pai estava ausente e surge na transferência analítica. A analista ajuda a delimitar os espaços, exerce a autoridade que conduz o processo de construção dos limites da mandala psíquica para que o paciente possa tomar posse de si mesmo.
O arquétipo do pai aparece na geometria da caixa: suas diagonais, lados, vértices, ângulos, medianas e o traçado do ponto central. O arquétipo também aparece como número; portanto, ao observar os cenários, é necessário dar atenção especial à constelação numérica. Sabe-se que a geometria é a linguagem de Deus.
Os arquétipos existem em cada ser humano como poderes e imagens operantes; surgem, espontaneamente, quando a camada do inconsciente coletivo é ativada. São as imagens primordiais, os elementos estruturais do inconsciente coletivo.
Os elementos estruturais arquetípicos da psique são órgãos psíquicos, de cujo funcionamento depende o bem estar do indivíduo e cujo dano acarreta desastrosas conseqüências. A estrutura da psique é determinada por esses dominantes transpessoais. Eles formam uma trama invisível que necessita de compreensão e integração.
A seguir, apresenta-se um esquema de visualização da geometria do espaço livre e protegido que recebe as projeções do inconsciente, com o objetivo de facilitar a compreensão da análise simbólica dos cenários produzidos pela criança.
I) Imaginação, arquétipo do pai, pai impessoal, luz, vazio, ar, saudade.
II) Realidade interior, passado, introversão, mãe, feminino, emoção, eu.
III) Inconsciente, origem, arquétipo da mãe, conflitos, regressão, o que foi superado, o criativo.
IV) Mundo do espírito, intelecto, razão, desenvolvimento espiritual, fogo, céu, pai.
V) Mundo corporal, das sensações, matéria, mãe, terra, natureza, instinto.
VI) Consciência, fogo, claridade, final configurado, norte, objetivo, projeções.
VII) Realidade exterior, futuro, extroversão, pai, masculino, ação exterior, tu.
VIII) Vida instintiva, mãe pessoal, terra, decadência, demônios.
As imagens primordiais do arquétipo do pai aparecem no terceiro cenário, e a fala espontânea da criança, dizendo “Vamos guerrear” (fig. 3), evoca o trabalho do herói; ele precisará lutar e diferenciar as forças instintivas que tentam dominá-lo e mantê-lo na inconsciência.
Segundo NEUMANN[37], existem estágios de desenvolvimento da personalidade no nível arquetípico. O primeiro é o Urobórico, estágio em que a consciência está enredada pela natureza e pelo mundo; seu princípio criador autocontido. Existe uma ligação profunda entre inconsciente e natureza. A vontade é igual à ação. O ego, contido, flutua no instinto. Prazer e dor não se distinguem. O mundo é experimentado como todo-envolvente e, nele, o homem experimenta a si mesmo, como um eu, apenas de maneira esporádica e momentânea. Como arquétipo do todo, opera como estágio psíquico pré-ego.
O verbo é conceber em vez de pensar. É o campo de domínio da Grande Mãe, do impulso do amor e da potência dos instintos. É um estado de participation mystique, um domínio do inconsciente coletivo.
O Homem ainda não está em oposição à natureza; o ego ainda não está assentado em si mesmo, em oposição ao inconsciente, mas o ser ele próprio é a experiência da exceção, molesta e dolorosa, que deve ser dominada.
Todas as coisas profundas, como o abismo, o vale, o solo, assim como o mar e o fundo do mar, as fontes, os lagos e os poços, a terra, o mundo interior, a caverna, a casa e a cidade, são partes desse arquétipo.
Pode-se observar esse estágio do desenvolvimento nas caixas 4, 5 e 6 (fig. 4, 5 e 6), onde tudo parece ser importante.
No quarto cenário (fig. 4), atenção especial é dada ao jacaré: “…fora, o jacaré que devora tudo…”*.
CHEVALIER e GHEERBRANT[38] analisam-no como o Senhor das águas primevas, cuja voracidade é a mesma da noite, devorando diariamente o sol; porém, outra de suas facetas está no domínio da morte e do renascimento. Também é símbolo da abundância e da dominância lunar.
Já se pode constatar o quanto essa criança estava mergulhada na partição mística e esse perigo pede o nascimento do herói. O jacaré mostra o aspecto frio, voraz e selvagem do instinto cego, fora dos limites individuais, desconectado da fonte geradora.
JUNG[39] coloca os instintos como determinantes do comportamento humano; eles são forças motivadoras do processo psíquico. Assim como os arquétipos, os instintos também são órgãos psíquicos; estes promovem a ação, enquanto aqueles trazem o significado.
O instinto se apresenta como fator extrapsíquico, quando fora da esfera psíquica, e passa a ser um fenômeno psíquico quando ocorre a assimilação do estímulo a uma estrutura psíquica complexa, que JUNG[40] chama de psiquificação.
Ao se observar a seqüência dos cenários, constata-se esse processo. O fenômeno aparece na inclusão, para dentro dos limites da caixa de areia, que é o próprio espaço psíquico do indivíduo.
No quinto cenário (fig. 5), aparecem a tartaruga e sua sabedoria. Ela já é a transformação do jacaré, sua psiquificação. O jacaré é considerado um cosmóforo- carregador ou portador do mundo. Foi divinizado nas culturas meso-americanas; no Baixo Egito, ergueu-se o grande templo Kom Ombo, no período Ptolomaico, em reverência ao crocodilo como divindade. Ele evoca a idéia de poder por sua massa e força. A tartaruga também é um cosmóforo. Ela é uma representação do universo e suas quatro patas capacitam-na a nadar e voltar ao solo firme, ir ao mar do inconsciente e produzir o movimento necessário à estabilização, para trazer a alma de volta ao solo, estável. Ela é estabilizadora.
A tartaruga inicia o movimento de circoambulação, em busca de um centro. Ela aparece primeiro do lado direito, no cenário 5 (fig. 5), e à esquerda, no cenário 6 (fig. 6); Faz o movimento horário de progressão da libido, e a centralização para que a ordem se faça e possa haver a estabilidade necessária para focar e concentrar. A dispersão irá se aglutinar, gerando a capacidade de concentrar.
Outro movimento importante é o da esfinge; no cenário 5 (fig. 5), está no lugar do pai espiritual, do vazio, da luz e, no cenário 6 (fig. 6), passa ao pólo da mãe terrena. Isso indica que o lugar da estabilidade é na matéria, na posse da concretude da vida, da concretude do ser. Essa criança precisa limitar os próprios espaços; em primeiro lugar, fisicamente, recuperando a orientação através dos cinco sentidos. A função sensação precisa se diferenciar.
A esfinge é o próprio enigma do ser e seu destino a cumprir. Ela quer um reconhecimento da própria história do indivíduo como ser humano e como indivíduo que possui um dom, um caminho único a seguir. A esfinge contempla um único ponto, onde o sol nasce. Ela é guardiã e representa uma força protetora dos bons e impiedosa contra os maus. Ela é a serenidade de uma certeza. A certeza do ser.
Aparece também a baleia, uma branca e uma cinza, provavelmente um casal. No quinto cenário (fig. 5), a baleia cinza está ao lado da esfinge, e a branca está no centro olhando para o pólo espiritual. No sexto cenário (fig. 6), a branca volta-se para o centro, e a cinza permanece na linha superior, indo em direção ao pólo do final configurado. Ela nada para o oriente, lugar do sol nascente, lugar do nascimento do herói. O mito do dragão-baleia mostra a regressão, mas seu movimento é de progressão, de luta e de diferenciação. Esse movimento indica um ajuste de posições, indica qual é o caminho de saída.
Como relatado, existe uma super atuação da mãe desse menino. Nesse momento, o inconsciente denuncia isto e mostra o caminho para a recuperação da estabilidade.
Sabe-se que a baleia é um símbolo do universo materno; enquanto o ego estiver mergulhado no Uroboros, existirá uma indiferenciação entre o masculino e o feminino, tanto material como espiritualmente, e a Grande Mãe pode permanecer no lugar do Grande Pai, substituindo o lugar do arquétipo central, o Self; a criança ficaria presa no Self corporal, ligada à mãe numa dependência concreta.
O cerne dessa questão da dependência está nas imagens dos piratas, que representam o complexo negativo ativado e fora do domínio psíquico. Ele rouba, saqueia o tesouro, o Self individual. O pai ausente não exerce sua autoridade, não coloca os limites necessários para que a criança saia do domínio da Grande Mãe, do domínio do inconsciente e nasça para a consciência e o domínio de sua própria existência, podendo, então, socializar-se e ir ao encontro do outro ser humano.
No cenário 5 (fig. 5), ele fala do urso e do elefante. O urso carrega o espírito combativo, guerreiro, a possibilidade da agressividade necessária para lutar pelo próprio espaço. Na alquimia, ele representa a operação da nigredo; seria a raiva em estado indiferenciado e sem domínio consciente. Já o elefante transporta para a estabilidade vinda do Self. Ele simboliza o poder do rei; sua soberania. A agressividade trazida para o centro pode ser distribuída, criativamente, entre as diversas partes da personalidade, gerando uma produção significativa de idéias, matérias, construções, arte, entre outras.
Observe-se a fala espontânea nesse cenário; ela termina com o destaque da concha, onde há uma sopa mágica. A concha está ligada ao imaginário da deusa Afrodite, a deusa do amor. Ela contém a pérola do feminino, a pérola do afeto que une, repara, alivia a dor e gera vínculos. Novamente, pode-se identificar a transferência positiva, o feminino que acolhe, contém, aquece com tato e vida e é o verdadeiro transformador alquímico.
No cenário 6 (fig. 6), aparecem o mago e o escravo, nos limites da caixa. O excesso de estímulos vindo, tanto do mundo externo, quanto do mundo interno, está representado com toda a tensão e força de desorganização. É a nigredo alquímica. A ausência de limites em uma personalidade sensível torna-se algo arrebatador. O Ser perde-se. Há uma impossibilidade de contato humano; tudo se torna objeto.
O escravo poderia ser a própria matéria aprisionada e sem expressão, uma massa confusa e caótica. A violência do instinto, que salta aos olhos, traz muita vida, mas pode ser muito destrutiva. Isso aparece na fala espontânea: “…o escravo mata fácil o mago; com a espada, mata fácil.”
Os monges de marfim protegem a primeira dança inventada no mundo. Esta dança poderia ser a imaginação humana, riquíssima em imagens, movimento, possibilidades de gerar histórias, mundos, personagens.
Canalizar essa história sem fim e seu poder de arrebatar a alma, levá-la para o inconsciente coletivo, trazê-la para a dimensão humana e dar-lhe forma é a função terapêutica desse processo de sanplay e da arte em si, que pode se desenvolver como um dom nessa psique.
A dança feita pela tartaruga (que sabe se fechar), pela esfinge (que guarda o enigma do ser, a busca do significado da existência, do dom pessoal) e pela concha (que faz a sopa mágica, a alquimia do amor, interligando as pequenas partes desconectadas e perdidas) forma um aglutinador de forças. Essa dança está chamando os piratas, e sua irreverência, e também o mago e o escravo para dentro dos limites da caixa-corpo. Nesse espaço, ocorrerá a psiquisação dos conteúdos, tirando-lhes a característica compulsiva.
O mago é a própria personificação da intuição poderosa e arrebatadora, mas cheia de sabedoria, quando focada. O escravo é o poder da matéria prima indiferenciada, o corpo e suas sensações. A inconsciência dos cinco sentidos ameaça a integridade total; falta a noção do perigo. O excesso de estímulos vindos da imaginação potencializada prejudica esse menino na realização das tarefas do dia a dia, na noção de tempo e espaço, necessárias ao fortalecimento egóico. Ele precisa ver e sentir a realidade que se apresenta; defini-la em tarefas construtivas, que o ajudem a sair da indefinição da atemporalidade.
No cenário 7 (fig. 7), o primeiro confronto de forças. A matéria reprimida mostra-se na figura da bruxa e de seus poderes mágicos. Sozinha, em sua onipotência, ela desafia as forças espirituais. A figura do Cristo crucificado expressa a tensão do quatérnio, sua inimizade dos opostos e a necessidade de união em sacrifício, para que o quinto elemento, o espiritual, se faça carne. Para os alquimistas Cristo representava o próprio princípio de individuação.
O Homem moderno está em crise espiritual. Seus valores perderam-se ao longo da história do desenvolvimento da consciência. O excesso de racionalismo substituiu os deuses, e o materialismo tomou posse do sagrado. A dessacralização chama ao confronto. Não se sabe onde está Deus; não está mais na pluraridade do paganismo, nem na unicidade do monoteísmo. Ele precisa ser encontrado dentro do próprio indivíduo.
Novamente, defronta-se com as questões do um e do todo; da manifestação do uno na matéria.
No cenário 8 (fig. 8), surge o Paraíso, lugar de alívio das tensões. Ele é representado na natureza, pelos animais, símbolos do instintivo. Parece haver uma aproximação para negociação. A natureza e o instintivo, vistos como Paraíso, são também a inconsciência e indiferenciação a ser trabalhada nesse nível; fonte de impulsos de vida, uma vida promissora, desde que possa fluir para um objetivo, uma meta, com um sentido.
Os alquimistas viam este estado de inocência readquirida como a fase da albedo, e também como a fonte, a aqua permanens ou o próprio Cristo. O Paraíso é o fundo da alma, fonte de sabedoria.[41]
As forças arquetípicas e sua correspondência no mundo dos instintos formam um par de opostos de enorme potência.
Continua-se com NEUMANN[42], para se entender o próximo estágio da evolução da consciência: a separação dos pais primordiais ou o princípio dos opostos. Ele é posterior ao estágio urobórico. Tem-se a divisão entre os opostos a partir da unidade. A criação do céu e da terra; do em cima e do embaixo; do dia e da noite; da luz e das trevas.
A consciência é igual à libertação. Libertação da participation mystique, do dragão urobórico primordial, do domínio do inconsciente urobórico. Surgem a afirmação lógica da identidade (eu sou eu) e a possibilidade de uma consciência auto-orientadora.
Só pela diferenciação do ego, pela separação dos pais primordiais e pelo desmembramento do dragão primordial, o homem é libertado como filho e exposto à luz, e só isso o leva ao nascimento como personalidade dotada de um ego estável.
A aquisição do movimento muscular voluntário, isto é, o fato de o ego experimentar, no pleno sentido da palavra, “na própria pele”, que a sua vontade consciente pode se apoderar do corpo, talvez seja a experiência que está na raiz de toda magia.
O ego, tendo sua sede na cabeça, no córtex cerebral, e experimentando as regiões inferiores do corpo como algo que lhe é estranho, é uma realidade alheia, começa, pouco a pouco, a reconhecer que parcelas essenciais do mundo corpóreo inferior estão sujeitas à vontade e volição. Descobre que o poder soberano do pensamento é um fato real e concreto: a mão diante do meu rosto e o pé lá embaixo fazem o que eu quero.
A oposição entre ego e corpo é uma condição original. No princípio, o ego e a consciência encontram-se, de maneira contínua, à mercê dos instintos, impulsos, sensações e reações advindos do mundo do corpo.
O mundo foi criado pela separação dos pais primordiais e foi criado na dualidade, isto é, em opostos.
A formação do ego só pode ser realizada como diferenciação do não-ego, e só pode haver consciência onde há um soltar-se, separar-se e libertar-se do inconsciente; o indivíduo só realiza a individuação quando se separa do inconsciente coletivo.
No cenário 9 (fig. 9), esse confronto fica claro. Aparecem as forças que provocam o arrebatamento. Sua psiquização, a entrada nos limites onde pode haver psique, está ocorrendo.
À esquerda, temos o escravo, a força ctônica da espiritualidade que contém a centelha de luz. Na matéria escura, onde está escondido o espírito criador, ela irá parir a nova forma no espaço tridimensional. Precisa ser trabalhada constantemente, para trazer à luz o significado contido em sua interioridade. Este sim, será capaz de mudar o comportamento, a atitude.
Seu oposto, a luz do campo intuitivo espiritual, aparece na imagem do mago segurando o cristal multifacetado. Ao lado dele, está o dragão; aos seus pés, a mesma imagem da esfera de cristal multifacetada. Os dois guardam o tesouro da individualidade.
O Self apresenta-se como um caminho de individuação. Pode-se imaginá-lo como um diamante bruto a ser lapidado pela mãos do artífice habilidoso. O diamante trabalhado e polido é a própria vida vivida e realizada, através da busca de sentido em cada momento, no qual se apresenta uma situação nova diante do indivíduo. Para tal, é necessário um ego forte, que suporte as tensões. A resposta criativa envolve o diálogo entre os dois pólos: instintivo e espiritual. A síntese é o tertium non datur, o símbolo/sintema libertador, capaz de fazer a vida fluir novamente.
O excesso de espiritualidade precisará ser transformado e ganhar expressão. Aparece o Xamã, aquele que sabe conduzir tais forças sem perder seu potencial criativo. Novamente, a transferência analítica vem em favor da organização psíquica.*
Nosso espírito criador, penetra nas profundezas ou nas alturas do universo, na luz e nas trevas, como Deus ou demônio; devido a isso está sujeito às leis da enantiodromia. O excesso é o pecado que irá passar pela divina punição. Simbolicamente ela aparece como o desmembramento de Dioniso e a crucifixão de Jesus.
Nesse sentido, crê-se que o artista é um servo de Deus, pois reconhece sua missão e a executa; desmembrando-se enquanto desmembra a matéria, integrando-se enquanto vê surgir uma imagem, a forma viva nascida da forte tensão de forças contidas no processo criativo.
É o fogo divino que forja a imagem e a faz concreta nas mãos do artista. O ponto de saída energética na palma da mão está diretamente ligado ao chacra do coração, à linguagem do eterno feminino, à linguagem do amor.
Em BACHELARD[43], encontra-se:
…o trabalho de nossas mãos restitui a nosso corpo as nossas energias, as nossas expressões, as próprias palavras de nossa linguagem, forças originais. Através do trabalho da matéria, nosso caráter adere de novo a nosso temperamento. (…) o trabalho sobre os objetos, contra a matéria, é uma espécie de psicanálise natural. Oferece chance de cura rápida porque a matéria não nos permite enganarmo-nos sobre nossas próprias forças. (…) o trabalho com a matéria põe o trabalhador no centro de um universo, e não mais no centro de uma sociedade. A um passo do homem cósmico.
É na dialética entre as mãos e a matéria que se vê surgir a mensagem enviada pelo centro organizador da psique – o Self – com uma finalidade que aponta para o novo, o qual, em forma de imagem, transcende a tensão dos opostos. Com a imaginação e a vontade, administra-se a potência das forças contidas no homem, na matéria e na natureza.
O fio condutor para o encontro com o divino é, portanto, a imagem a serviço do homem e sua realização. Tanto na arte, como na psicoterapia, a imaginação criativa traz uma compreensão mais profunda do mundo.
É na alma (psique) que o corpo, ligado ao biológico, ao instintivo, e o espírito encontram-se e, no amálgama do amor, dialogam, produzindo vida. Todo o imaginário, do artista e do psicólogo, está formando a trama invisível que conduz o processo.
Após o confronto com as forças arquetípicas, vem o cenário 10 (fig. 10), aquele da integração do complexo paterno negativo. Quatro potes de vidro; três vazios, dentro da caixa, e um cheio de líquido avermelhado, fora da caixa. Uma pedra branca, mármore de Carrara, parece chamar para um branqueamento, uma reflexão. A albedo alquímica. Aquela água suja, carregada de compulsividade, é o agente que embriaga e arrebata; é o vinho que, ingerido sem controle, rouba o ego, desestrutura a consciência. Existe uma dessacralização da matéria, um excesso de materialismo que coloca o dinheiro sem alma como o Deus absoluto. A perda dos rituais faz sofrer a psique moderna. O mistério da fé retira-se na ausência de sentido, na solidão desamparada da psique sem Deus.
Quando esse menino pega pequenas quantidades de cola vermelha e aplica no pênis dos piratas, ele está buscando a cura da compulsão. O vinho bebido com sabedoria, em pequenas quantidades, simboliza o próprio sangue de Cristo, o mistério do espírito que se faz carne. O alimento espiritual, a cada dia, cura os indivíduos da ansiedade, da solidão e do pânico.
Pode-se refletir sobre o verbo, o nascimento da palavra, a partir da cura da inundação da palavra sufocada, afogada pela embriaguez e seu silêncio destruidor (o menino coloca as pérolas dentro do aquário cheio de “vinho”). A ausência da palavra conectada com o coração, a palavra sensível e justa, a palavra libertadora, precisa ser encontrada. A ausência do pai precisa ser elaborada. Sua anima pede socorro. A sensibilidade quer expressão.
Sob a perspectiva da história da consciência humana, atualmente, o feminino reprimido, fruto do desenvolvimento do masculino, acarreta sérios problemas de relacionamento. O amor e as relações estão gravemente enfermos. A alma clama o amor para poder se curar.
Os três potes podem ser vistos como os três pilares do templo do amor, a beleza, a bondade e a nobreza; o tripé da cultura grega e sua base mítico-erótica. Essa base foi perdida; é preciso recuperá-la. Remitologizar a vida, buscar a fonte da civilização; é nela que se vai encontrar os padrões de resgate da alma moderna. É necessário saber qual é o mito que precisa ser recontado, qual deles irá libertar e trazer vida e renovação.
Na imagem trazida por essa psique, o que salta aos olhos é o excesso. Ela denuncia um sistema corrompido. O abuso do poder advindo de um excesso do racionalismo do padrão patriarcal aglutina dois outros arquétipos: o feminino reprimido e a criança abandonada. Sabe-se que, quando há o abandono, o amor requisitado pela criança é um amor sem limites, é incondicional; nada supre o vazio do abandono. Ele está carregado de raiva, e esta raiva deverá ser compreendida e canalizada. A compreensão deve vir tanto do plano da história coletiva, quanto individual. Nessa imagem, os potes vazios são enormes, demonstram uma necessidade urgente de medida, de definição e de contenção.
O arquétipo do artista capta o espírito da época e o denuncia em sua obra. O espaço analítico também é um espaço de reflexão sobre as influências do coletivo na psique individual. Os dois padrões, o do artista e o do analista, oferecem um campo de reconciliação dessas forças. Eles aparecem na trama invisível da transferência e contra-transferência analíticas e ajudam a diferenciar as forças arquetípicas.
Optou-se por apresentar, neste espaço da Tertium non Datur, o cenário da grande separatio, operação alquímica que permite a diferenciação. No centro da caixa, aparece a escultura de uma mulher grávida*, imagem de uma deusa da fertilidade da pré-história; verdadeiro vaso da transformação (fig. 18).
FIGURA 18
Fonte: arquivo da autora.
Nesse cenário, vêem-se as divisões; o arquétipo da grande mãe como senhora dos animais ocupa todo o lado inferior da caixa. No canto superior direito, vê-se o caráter elementar positivo, um grande aquário cheio de peixes e animais marinhos. Eles representam as possibilidades geradoras de vida. No canto superior esquerdo, está o jacaré, contido e isolado. Representa o caráter elementar negativo da Grande Mãe, seu aspecto devorador. Vida-morte-vida caracteriza a essência do feminino; seu movimento é cíclico e está muito bem representado nessa imagem.
Logo acima da grávida, vemos um burro de carga. É a imagem do bode expiatório, aquele que carrega toda a culpa e é o sacrificado. Todo paciente identificado, aquele que é o escolhido e revela o conflito, carrega todas as tensões e não consegue elaborá-las, pois sua função é denunciá-las. Ele é um agente de mudança, caso seja ouvido e tratado.
O próximo contexto, cenários 11 e 12 (fig. 11 e 12), traz o Homem no centro. O homem como microcosmo é um modelo em miniatura do cosmo e também é o centro e o princípio de unidade. Na Bíblia, tem-se a palavra de Deus dizendo para se fazer o homem à imagem e semelhança divina. Na imagem da esfera, tem-se a integração do conjunto Deus-universo-homem. Cada homem ocupa o centro de sua esfera. É preciso recordar aquela esfera de cristal que estava nas mãos do mago e nos pés do dragão, ela era o tesouro roubado. Nessa caixa, o tesouro está recuperado para o centro da psique e foi fruto de muito trabalho de idas e vindas nas profundezas da alma; uma verdadeira luta heróica.
O poço simboliza a sabedoria do processo analítico; este que sabe entrar e sair do inconsciente em pequenas doses, sendo possível resgatar o sentido simbólico e elaborá-lo. Ele traz o sagrado e suas três ordens cósmicas interligadas: o céu, a terra e o in-feros. É uma síntese cósmica. Também é fonte de vida. Como símbolo do conhecimento, ele é o próprio homem que atingiu o conhecimento.
Os esteques encontram-se logo acima. São as ferramentas hefestianas do trabalho. É necessário trabalhar nos três níveis: corpo, alma e espírito para recuperar o homem cósmico, aquele que possui um lugar justo no centro do cosmo. Feito de barro, com as próprias mãos, o corpo todo participa do processo e é integrado.
Observa-se também o canhão, símbolo da agressividade contida e direcionada, como estratégia de guerra. Aquela agressividade geradora da dispersão encontrou canalização no processo criativo. O artesão sabe transformar a ira em algo produtivo, ela passa a ser a propulsora da criatividade.
É um momento de grande comemoração; aparece uma orquestra com um regente e a música, muita música. O foco na imagem central traz a alma para ela. O homem é batizado com dois nomes, o dele e o da terapeuta. Feminino e masculino. O andrógino primordial e sua possibilidade de integração dos pólos opostos, através do caminho de individuação, até chegar a uma conjunção superior, o hermafrodita, final da obra e integração do Self no nível da consciência.
É bom lembrar que a terapia infantil tem caráter preventivo; portanto, pode organizar as emoções em um nível de possibilidades a serem vividas no decorrer da existência do indivíduo. Uma vez resgatado, reconectado, o eixo ego-Self trará a possibilidade de diferenciação dos conteúdos inconscientes para o nível consciente e a conseqüente ampliação da personalidade. As várias etapas do desenvolvimento e sua constelação arquetípica serão vividas em seu tempo Kairós, o tempo justo, e terão a chance de integração.
Observando o cenário 13 (fig. 13), vê-se novamente a verticalização. Na própria posição da caixa, ele coloca o culto no lado superior e a pedra e a esfinge na base. Uma ampulheta foi colocada ao lado da esfinge, como se estivesse contrabalançando e lembrando da necessidade de se trazer para o tempo cronológico o alimento espiritual. O tempo, esse grande escultor, é o arquétipo que vai dar suporte à eternidade, tão fortemente mobilizada. A obra faz-se ao longo do tempo.
Há um altar e oferendas, velas, luz, comida e proteção. O leão é colocado ao lado de Jesus, e também dois elefantes, conforme o menino diz em sua fala espontânea.
Em vários momentos, em sua obra, JUNG[44] aponta a força do heróico verdadeiro, que está em Cristo. Ele exerceu o direito de ser único. Seguiu seu dom até a plena realização de sua missão. Entre o limite da existência e a imensidão da eternidade, cada indivíduo tem uma contribuição própria no seu caminho de individuação.
A verticalização da luz é a orientação que se deve dar a toda a criação; ela pertence ao universo e deve seguir seu caminho de liberdade e reconecção com o sagrado.
Aparece a identificação da criança com o leão, e ela verbaliza isto. O processo de integração do instinto parece estar completo e vai ser visível na caixa seguinte. A força está integrada, e a psique individual está pronta para nascer. A imagem do leão aglutina o sol, o ego e o instinto em seu imaginário.
No cenário 14 (fig. 14), tem-se o marinheiro no centro da caixa; ele é o velho sábio, uma manifestação do arquétipo do Self. Um grande observador, sabe tudo sobre o visível e o invisível, sobre o que é melhor e necessário para essa psique. Está tranqüilo, olhando para o mar e vendo o índio ir ao encontro do jacaré e da cobra. O índio está enraizado no instinto, ele tem a sintonia que garante a sobrevivência. É um conhecedor do mundo instintivo.
Reaparece o elemento alado, o pássaro que sugere a possibilidade de sublimação dos instintos. O jacaré, um oportunista insaciável, vale-se da distração de sua presa para abocanhá-la. Ele simboliza o perigo da indiferenciação, de ser engolido pelo próprio impulso incontrolável que provoca a dispersão. Ele encontra-se no canto inferior direito, lugar dos demônios, dos instintos e da mãe pessoal.
No canto inferior esquerdo, aparece a cobra como contraponto; ela é o agente transformador, o phármacon que sabe a dose necessária de instintividade e espiritualidade para o equilíbrio do todo psíquico.
O marinheiro pode ser visto como o instinto de reflexão. Nele, o impulso para a ação é capturado pelos processos psíquicos e levado para a atividade endopsíquica antes de ir para o mundo exterior. Assim, é possível a entrada do pensamento e a transformação dos processos naturais em cultura. A reflexão é um instinto cultural.
Portanto, tem-se os instintos como forças motivadoras do processo psíquico e determinantes do comportamento humano. Tanto quanto os arquétipos, são considerados órgãos psíquicos.
No cenário 15 (fig. 15), aparece o leão no centro; ele é soberano, dono de seu próprio território. Tem luz própria, é seguro nos movimentos, fareja o perigo, sabe agarrar sua presa. Ele traz ordem à selva. Os pássaros ocupam o lugar correto, o lugar do espiritual; isso garante a sublimação adequada dos estímulos, e não sua dispersão.
Vê-se a pirâmide; ela é o quatro e o um. O quatérnio reaparece para contar que esteve acompanhando todo o processo, para garantir o encontro com o quinto elemento, aquele da transcendência, o arquétipo central.
O leão trazido para o centro anuncia o próximo estágio de desenvolvimento da consciência, o nascimento do herói. Ele é o pólo instintivo, o enraizamento tão esperado para que essa criança possa sair da dispersão e conseguir se concentrar.
Com o mito do herói, entra-se numa nova fase do desenvolvimento. Não há mais a prepotência de universalidade cósmica do mito; a preponderância é o centro do mundo, como lugar onde está o homem, e tornou-se definitivamente visível.
O herói é o precursor arquetípico da humanidade em geral. Seu destino é o modelo que deve ser seguido. Com o nascimento do herói, tem início a batalha primordial, a luta com os primeiros pais.
O ego, no meio dos pais do mundo, provocou a inimizade de ambos os lados do Uroboros, atraindo sobre si a fúria do superior e do inferior. Agora, ele está diante da iminência daquilo que chamamos “a luta com o dragão”, isto é, a guerra com os opostos. Só o desfecho dessa luta revelará se a emancipação é, de fato, bem sucedida e se o ego libertou-se, definitivamente, do poderoso aperto do Uroboros.
Faz parte do cânone mitológico do herói redentor ser órfão de pai e mãe; ter, com freqüência, um pai ou uma mãe divinos. O pai e a mãe arquetípicos acompanharam todo o processo que se observa na seqüência dos cenários produzidos pela psique da criança.
O momento de maior beleza surge no cenário 16 (fig. 16), “a montanha da bola”. Ela é a síntese do processo. A capacidade de focar e sair da dispersão. Ela é o nascimento do ego e do Self, simultaneamente. O único ponto que leva ao imaginário da concentração. O herói venceu as forças arrebatadoras e capturou seu tesouro. Ele está de posse de si mesmo.
A vida pode jorrar e ser contida, criativamente, como mostra a última imagem. A água da vida, a fonte mercurial, é recolhida pelo vaso do amor. O amor engendrando a alma. Surgem Hermes e Afrodite e sua possibilidade de união, o hermafrodita.
Hermes é o padrão arquetípico que ajuda a encontrar o próprio caminho; ele abre as portas da possibilidade do próprio potencial e da dificuldade e orienta no conflito; ele guia no caminho da metamorfose, ajuda a criar e recriar a vida. Afrodite é a deusa alquímica por excelência. Ela é a beleza capaz de engendrar a alma, celebrar o Ser.
Vênus possui a qualidade do fogo e do amor, sendo que este fogo é a vida-do-fogo-amor da Vênus divina, ou o amor de Deus.[45]
A alquimia é a arte do tempo. Cada minuto é importante nas metamorfoses da alma. O instante e a eternidade encontram-se na obra da criação. Gestar o novo guarda um mistério que escapa aos olhos e às palavras. Ele é fruto do silêncio e do tempo.
O trabalho neste nível de profundidade, em que se abrem as portas do inconsciente coletivo, está ancorado na ritualização, no tempo, na paciência e no respeito pelo divino.
São os arquétipos da Grande Mãe e do Grande Pai que acolhem a alma do artista e centram-no em nível cósmico; o resultado é a produção da beleza no Ser.
Recupera-se a jornada do herói, que se reconecta com o herói arquetípico*. Na Odisséia, Ulisses é o masculino que se lança no mar do inconsciente e luta incansavelmente, em busca do significado revelado pelo desconhecido, que fascina, mas pode destruir. Ele retorna para sua Penélope, o feminino regenerador, sábio em sua espera. Após vinte anos, retorna para sua Ítaca, seu solo sagrado.
Na história da psique da criança apresentada, observam-se as imagens reveladas pelo inconsciente como um conjunto de arquétipos que proporcionarão a possibilidade da experiência do caminho de individuação. Através da humanização dos arquétipos, ao longo da vida, esse menino fará sua jornada do herói.
A espiritualidade arrebatadora conduzida para o centro psíquico e corporal entra no domínio da vontade e pode se tornar consciente. Uma vez delimitada a mandala psíquica, o metron apresenta-se. O nascimento do ego, com suas quatro funções da consciência, ajudará na apreensão da realidade. Portanto, a intuição passa a ser uma função do ego, que necessita da diferenciação de sua função oposta, a sensação. É a sensação, a matéria prima do artista; ela o reconecta com o cosmos. O artista necessita da concretude da matéria para se diferenciar.
O processo psicoterápico durou, aproximadamente, três anos; entre 1999 e 2001. Ele cumpriu os requisitos curriculares durante esse tempo.
Após o término do processo de psicoterapia, ele foi encaminhado para sessões de psicopedagogia com a finalidade de ajudá-lo a se ajustar ao processo educacional. Algum tempo depois, sua mãe convidou a autora a ver uma exposição coletiva de arte, no Memorial de Curitiba, onde conheceu sua primeira produção.
A psicologia analítica recupera o campo do simbólico com a finalidade de religar a psique individual a seus padrões coletivos, restituindo o significado perdido. A idéia de profundidade sugere que a imaginação primária consiste em ver o particular, de alguma maneira, incorporando e expressando um significado mais universal. Na medida em que se adentram as imagens, encontra-se uma forma básica, primordial, arquetípica.
A paixão pela forma diz da luta da imaginação contra o caos primordial, a prima matéria, fonte de toda a criatividade que, no absurdo desalinho, encontra sentido, compõe, dá harmonia, proporção, perspectiva, paz, Nirvana, a libertação de todas as dualidades. Para os ocidentais, equivaleria à libertação da imaginação.
A imaginação contém as formas, as histórias a serem contadas para aliviar a angústia de viver. MAY[46] diz da busca para além do nível psicodinâmico dos sonhos até encontrar as formas básicas. Estas guiam para a compreensão do indivíduo sobre si próprio, como único e como participante do coletivo. Guiam para a compreensão da particularidade, para o dom nato, um chamado para o Daimon, para o que se deve fazer e o que é preciso ter.
Quem conhece os segredos da imaginação não se perde, nem perde a razão, diz um dito popular. É nesta busca que a analista constrói a sua equação pessoal, a qual permeia o processo terapêutico e auxilia esse menino a filtrar o excesso de espiritualidade. A tarefa não é nada fácil, como se pode observar nas imagens trazidas por ele. É a psique individual querendo nascer de um confronto com o inconsciente coletivo, em que o arquétipo constelado é o arquétipo do Self.
Toda auto-realização implica autoconhecimento; conhecer a si mesmo a partir da relação com o outro; nesta arte da relação, o indivíduo adquire consciência, atingindo novos níveis de compreensão de si e do mundo. O processo analítico busca trazer à consciência diversos níveis do ser e, como a arte, tem a capacidade de religar, reconectar com a essência divina.
O caminho de individuação é um desdobramento da energia do uno na quaternidade da matéria. Sua meta é a consciência da totalidade. Um conteúdo inconsciente entra na consciência, sofre a tensão dos opostos, sua crucifixão, diferencia-se, buscando o significado que vem do arquétipo central e compreende-o, tornando-o experiência. Tal experiência, vivida conscientemente, faz do indivíduo um co-participante da experiência de todo ser humano. Essa é a essência do caminho que se faz ao caminhar.
Recontando a própria história, redescobre-se a história de todo ser humano, e isto faz o indivíduo único e plural ao mesmo tempo.
A energia do uno solve et coagula, faz surgir o tertium non datur, este passa à experiência, formando o quarto, que é o retorno à unidade, agora diferenciada.
Para a psicologia analítica, o resgate da alquimia permite encontrar, na relação com a matéria, imagens nascidas do interior do homem e que trazem um paralelo do processo de análise com um processo químico de transmutação da matéria. Inicia-se pela nigredo, um estado caótico da condição primeira do estado da matéria ou, no nível psicológico, um estado de dissociação das energias, no qual o indivíduo depara-se com a própria sombra e a conseqüente dor psíquica do reconhecimento do lado desconecto, que precisa de integração. Num segundo momento, tem-se a albedo, estágio de purificação e embranquecimento da matéria, ou a catarse, clarificação e conexões psíquicas necessárias à ampliação da consciência, bem como o confronto com a contra-sexualidade (anima-animus). O terceiro estágio, ou de amarelecimento (citrinitas), é considerado como uma passagem ao estágio seguinte, o qual, para a psique, seria o momento de educação e auto-educação, o compromisso ético de transportar o conhecimento adquirido para a vida.
A personalidade madura é conseqüência do trabalho realizado, é o opus alquímico, com o nascimento do homem interior ou o reino de Deus dentro de cada um. A iluminação. O surgimento do ouro puro para os alquimistas ou o estágio da rubedo, em que ocorre a integração masculino/feminino, espírito/matéria, micro/macrocosmos.
Se “é ao nível de valores internalizados que se dá a criação”[47], o entrelaçamento da arte com a psicologia também se dá no nível do autoconhecimento, do aprofundamento e da conscientização de si.
Apropriando-se do indivíduo criativo, OSTROWER afirma:
…a este se torna possível dar forma aos fenômenos, porque ele parte de uma coerência interior que absorve os múltiplos aspectos da realidade externa e interna, os contém e os “compreende”, coerentemente, e os ordena em novas realidades significativas para o indivíduo. Como ser coerente, ele estará mais aberto ao novo porque mais seguro dentro de si. Sua flexibilidade de questionamento, ou melhor, a ausência de rigidez defensiva ante o mundo, permite-lhe configurar, espontaneamente, tudo o que toca.[48]
O poder criador é um potencial estruturante que gera consciência diante da vida quer apareça na relação terapêutica, quer na relação homem-matéria, da qual surge a obra de arte. Ambos, artista e terapeuta, só realizam a obra em cumplicidade com Deus, em sua presença, com sua permissão, em uma atmosfera de amor. Os passos a serem seguidos precisam ser vividos com um profundo respeito aos mistérios da realização de uma obra e só alcançam a compreensão aquelas pessoas que assumem uma atitude de entrega e confiança.
Nesta etapa, observa-se um tratado alquímico, um verdadeiro tratado psicológico, referência valiosa para a psique moderna. Chama-se “Terceiro Tratado” e é composto de quatro imagens*.
Salomão Trismosim, um alquimista da Idade Média, resumiu todo o processo alquímico em somente quatro imagens, com uma sensibilidade especial muito interessante a todos da psicologia analítica ou mesmo para a psiquiatria em geral.
PRIMEIRA IMAGEM
Uma paisagem estranha e escura, com árvores pretas e escuras na frente. Um sol monstruoso, escuro, pode ser visto, parte abaixo da terra e parte aparecendo acima da terra, no centro da paisagem. O nascimento desse sol preto e pobre, com pouca luz, esconde o corpo do verdadeiro sol luminoso que está por trás dele.
Atrás, vêem-se irradiações douradas do verdadeiro sol. As nuvens, vistas acima, são vermelhas, e os perfis das construções ao fundo também. Irradiações douradas podem ser percebidas por trás deste sol escuro e de toda a paisagem escura.
Então, pergunta-se: o que será que isso está simbolizando?
Acho que todos estarão de acordo: esta é a imagem da prima matéria, do caos, ou do nigredo.
Certamente, o preto predomina; portanto, é como se o que pudesse crescer fosse completamente eclipsado.
Quando se pensa numa situação emocional que corresponda a isso, pensa-se na depressão. Quando as pessoas estão deprimidas, é como se as luzes estivessem apagadas, como se estivessem na escuridão, sem qualquer esperança de sair dessa situação; mesmo que o sol esteja ainda lá, não está lá para elas, ou é assim que se sentem.
Pessoas em depressão dizem: “Você me diz que eu vou sair da depressão, mas como você pode saber disso?” Elas acham que nunca mais vão sair da depressão – isto é característico. Sempre saem, mas isto não parece confortá-las em nada. Tem-se que aprender a conviver com a nigredo, quando há esse tipo de depressão, e é possível falar sobre o que fazer com ela.
Em termos de alquimia, é o início do processo que começa no escuro, no preto.
SEGUNDA IMAGEM
Esta imagem mostra uma sala com dez crianças, de idades variadas, brincando. Seis crianças estão nuas, duas vestidas de azul e uma de amarelo.
Cavalos de brinquedo sem pernas, cata-ventos de papel, uma almofada puxada como carrinho são os principais divertimentos. Uma mãe está sentada no fundo da sala, segurando um bebê no colo, enquanto outro se apóia em sua perna. Ela está vestida de vermelho e ouro, com um casaco preto, e observa toda a família.
Um pássaro negro é visto ciscando no chão. Um gato é visto no canto.
Uma bacia para banho é vista no chão, pronta para ser usada. Duas garrafas, contendo um líquido amarelado, podem ser vistas numa prateleira acima da porta.
Quando se pensa em sugerir algo para aliviar a depressão, o que seria sugerido é o brincar.
Crianças brincam porque é o natural nelas; elas não querem conseguir nada com isto, mas simplesmente brincar. A brincadeira criativa das crianças seria a antítese do que a depressão pode significar.
Geralmente, as pessoas deprimidas estão decepcionadas com as suas conquistas na vida e querem retornar à sua produtividade original. O melhor conselho para elas seria: não façam isto, tentem simplesmente brincar.
O analista deve encorajar qualquer tipo de brincadeira, seja fantasiar ou somente brincar.
Ouve-se bastante, hoje em dia, os terapeutas infantis dizerem o quanto é importante para crianças de uma certa idade a brincadeira. Se elas não podem brincar, não se desenvolvem.
O número dez de crianças pode ter a ver com o número dez de Pitágoras (tetraktys), que é o número da totalidade de uma experiência. Talvez queira mostrar que, assim como as crianças estão totalmente na experiência de brincar, deva-se tentar também entrar totalmente na experiência da reação, em vez de somente se ocupar de conjeturar a sua possibilidade – e o número dez reforça essa idéia.
A mãe está lá com a família; presumivelmente, há um aspecto materno assim representado. Sabe-se, psicologicamente, o quanto acreditar na vida depende de uma boa relação com a mãe na infância precoce.
Essas crianças, portanto, parecem poder ter tal crença básica na vida. Os dois vidros com líquido amarelo, acima da porta, sugerem o processo alquímico; o pássaro, o que significaria?
Diz-se que o espírito do brincar deveria animar esse processo; se mesmo assim não funcionar, o que mais se pode tentar?
TERCEIRA IMAGEM
Esta imagem é de um rio e uma paisagem. Um caldeirão com fogo, sob uns vasos de cerâmica preta.
Na frente, há nove mulheres, lavando e esfregando, colocando para quarar e pendurando roupas.
Esse é um conhecido símbolo alquímico: “mulheres lavando roupas”. Pode-se achar que essa é uma situação puramente doméstica. Fala-se muito de transmutação dos metais, do pássaro espiritual, da espiritualização, da iluminação e de todas essas coisas maravilhosas, para reduzirem-se a mulheres lavando roupas? Como se fosse uma atividade repetitiva que ocorre todas as semanas, ano após ano?
No entanto, uma coisa simples assim pode ser muito boa para as pessoas. Continuar, simplesmente, fazendo o que já se fazia antes – os hábitos diários – tem uma qualidade salvadora.
Esse pode ser um bom conselho para alguém em estado depressivo: continue a fazer as suas coisas habituais e mantenha-se limpo. Se você ainda não consegue mudar nada, então não mude; simplesmente continue a fazer o que você pode fazer; não pressione a si mesmo.
Ao ser sugerida a Dra. Von Franz essa explicação para a imagem, ela ressentiu-se: “Oh Não! Esta é uma imagem muito mística; não é uma imagem de segunda-feira”.
E ela tinha razão – essa imagem representa a solificatio – uma combinação da solutio, e da solificatio, em nível mais alto. Solutio significando dissolver a depressão na lavagem – purificação. Há purificação novamente, mas quando as roupas são colocadas para secar, a umidade evapora e tem-se a sublimatio. A imagem, então, combina a solutio e a sublimatio.
Isso permite ao nigredo ser purificado e, passando pela sublimatio, chegar ao estado de euforia?
Talvez não; presumivelmente, não, porque é simplesmente deixar a natureza agir – deixar a umidade ascender. Não há, portanto, uma inflação que leve à mania, já que o processo é natural.
É um trabalho de mulheres, um trabalho com o qual elas se ocupam pelo próprio trabalho em si, não para outro propósito qualquer.
QUARTA IMAGEM
A última imagem dessa série.
O sol acaba de nascer, vermelho dourado. Sério, pensativo e com olhar severo. Os olhos parecem interrogar a nossa alma, no mais íntimo.
A paisagem tem a santidade do final da noite e tem reflexos negro-acinzentados. Uma cidade é vista sob o “queixo” do sol, numa encosta do morro.
Não há o menor sinal de vida; tudo está envolto na noite e no sono.
É muito cedo pela manhã, e o sol ainda não pode dar nenhuma luz para a Terra ou acordar o povo.
Então, a pergunta é: o que isso significa?
Significa que quando se começa com a idéia de depressão, ela está parcialmente vencida. Se a depressão tivesse desaparecido totalmente, existiria uma inflação. Este é o grande perigo de uma depressão que é retirada rápido demais.
Uma pessoa em depressão psicótica, que se liberta dela rápido demais, torna-se gloriosamente eufórica; na realidade, nada mudou e, mais cedo ou mais tarde, ela cair novamente em depressão.
Deve-se, pois, manter a pessoa na depressão o tempo suficiente para permitir que o processo curativo possa acontecer. Assim, ter-se-á uma cura para a depressão. Isso é o que os alquimistas entendiam. Isso explicaria a expressão da face do sol: levar a sério a depressão, e não tentar eliminá-la rápido demais.
A Criatividade em Psicologia Analítica, tema proposto para essa monografia, coloca a todos diante da capacidade de gerar imagens da psique. Suas personificações mostram o caminho de individuação. O indivíduo já nasce com a possibilidade de se tornar ele mesmo, desenvolver-se em sua totalidade e, uma vez que encontre o continente adequado, um espaço livre e protegido, realiza seu encontro com o arquétipo central, organizador e significador.
Observa-se que os padrões míticos movimentam a psique individual, auxiliando-a em sua tarefa de gerar consciência.
No caso clínico apresentado, vê-se uma seqüência significativa de imagens que confirmam a possibilidade de realização do inconsciente. O Self apresenta-se em seu estágio inicial, prenunciando uma vida criativa, conectada com a fonte geradora.
Entendo a personificação da faceta criativa na psique individual como aquela dotada de habilidade para expressar emoções, bem como para realizar suas fantasias; como aquela que transforma a inspiração em trabalho realizado, através de sua qualidade indestrutível que é a persistência. A capacidade de gerar idéias, diante de problemas ou situações de conflito, habilita o individuo a alargar fronteiras e gera a consciência ampliada.
1 JUNG, C. G. Obras completas. Volume XIII – Estudos alquímicos. Petrópolis: Vozes, 2003.
2 BRANDÃO, J. Mitologia grega. Petrópolis: Vozes, 1987. vol. 2.
3 JUNG, C. G. Obras completas. Volume XV – O espírito na arte e na ciência. Petrópolis: Vozes, 1985.
4 KERÉNYI, K. Os deuses gregos. São Paulo: Cultrix, 1998.
5 HILLMAN, J. Encarando os deuses. São Paulo: Cultrix, Pensamento,1997.
6 BRANDÃO, J. Dicionário mítico etimológico. Petrópolis: Vozes, 1992. vol. 1.
7 BOECHAT, W. (Org.) Mitos e arquétipos do homem contemporâneo. Petrópolis: Vozes, 1995.
8 NEUMANN, E. O medo do feminino. São Paulo: Paulus, 2000.
9 JUNG, C. G. Obras completas. Volume XII – Psicologia e alquimia. Petrópolis: Vozes, 1991.
10 JUNG, C. G. Obras completas. Volume XI – Psicologia da religião ocidental e oriental. Petrópolis: Vozes, 1983.
11 MARONI, A. Jung, o poeta da alma. São Paulo: Summus Editorial, 1998.
12 JUNG, C. G. Obras completas. Volume V – Símbolos da transformação. Petrópolis: Vozes, 1986.
13 GRÜN, A. Mística e Eros. Curitiba: Lyra, 2002.
14 JUNG, C. G. Obras completas. Volume VI – Tipos psicológicos. Petrópolis: Vozes, 1991.
15 JUNG, C. G. Obras completas. Volume IX, Parte 2 – Aion: estudos sobre o simbolismo do si-mesmo. Petrópolis: Vozes, 1982.
16 NEUMANN, E. A criança. São Paulo: Cultrix, 1995.
17 JUNG, C. G. Obras completas. Volume IX, Parte 1 – Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Petrópolis: Vozes, 1976.
18 EDINGER, E. F. A criação da consciência. São Paulo: Cultrix, 1999.
19 JUNG, C. G. Obras completas. Volume VIII – A dinâmica do inconsciente. Petrópolis: Vozes, 1984.
20 SCHILLER, F. von. A educação estética do homem. São Paulo: Iluminuras, 1990.
21 VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1987.
22 GUILFORD, J. P. La naturaleza de la inteligencia humana. Buenos Aires, Argentina: Paidós, 1977.
23 CHEVALIER, J.; GHEERBRANT, A. Dicionário de símbolos. Rio de Janeiro: José Olympio, 1988.
24 BACHELARD, G. A terra e os devaneios da vontade. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
25 JUNG, C. G. Obras completas. Volume XVI – A prática da psicoterapia. Petrópolis: Vozes, 1988.
26 MAY, R. A coragem de criar. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.
27 OSTROWER, F. Criatividade e processos de criação. Petrópolis: Vozes, 1987.
OBRAS CONSULTADAS
ACHTERBERG, J. A imaginação na cura. São Paulo: Summus Editorial, 1985.
AMMANN, R. A terapia no jogo de areia. São Paulo: Paulus, 2002.
BACHELARD, G. A terra e os devaneios do repouso. São Paulo: Martins Fontes, 1990.
CAMPBELL, J. O herói de mil faces. São Paulo: Cultrix, Pensamento, 2000.
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EDINGER, E. F. Anatomia da psique. São Paulo: Cultrix, 1995.
FERRY, L. Homo aestheticus. São Paulo: Ensaio,1994.
FORDHAM, M. A criança como indivíduo. São Paulo: Cultrix, 1994.
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MITCHEL, R. R.; FRIEDMAN, H. S. Sandplay. Past, present and future. New York, USA: Routledge, 1994.
NEUMANN, E. História da origem da consciência. São Paulo: Cultrix, 1995.
OSTROWER, F. A sensibilidade do intelecto. Rio de Janeiro: Campus, 1998.
PERROT, E. O caminho da transformação. São Paulo: Paulus, 1998.
SCHOPENHAUER, A. Metafísica do belo. São Paulo: UNESP, 2001.
SINGER, J. Blake, Jung e o inconsciente coletivo. São Paulo: Madras, 2004.
WEINRIB, E. L. Imagens do Self. São Paulo: Summus Editorial, 1983.
WHITMONT, E. A busca do símbolo. São Paulo: Cultrix, 1995.
[1] JUNG, C. G. Obras completas. Volume XIII – Estudos alquímicos. Petrópolis: Vozes, 2003. § 148.
[2] Ibid., § 197.
[3] BRANDÃO, J. Mitologia grega. Petrópolis: Vozes, 1987. vol. 2. p. 44.
[4] JUNG, Volume XV – O espírito na arte e na ciência. Petrópolis: Vozes, 1985. § 213.
[5] BRANDÃO, J. Mitologia... p. 24.
[6] KERÉNYI, K. Os deuses gregos. São Paulo: Cultrix, 1998. p. 101.
[7] HILLMAN, J. Encarando os deuses. São Paulo: Cultrix, Pensamento, 1997. p. 41.
[8] BRANDÃO, J. Dicionário mítico etimológico. Petrópolis: Vozes, 1992. vol. 1. p. 136-40.
[9] BOECHAT, W. (Org.) Mitos e arquétipos do homem contemporâneo. Petrópolis: Vozes, 1995. p. 63.
[10] NEUMANN, E. O medo do feminino. São Paulo: Paulus, 2000. p. 19.
[11] JUNG, Volume XV… § 133.
[12] Ibid., Volume XII – Psicologia e alquimia. Petrópolis: Vozes, 1991. § 209.
[13] Ibid., Volume XI – Psicologia da religião ocidental e oriental. Petrópolis: Vozes, 1983. § 246.
[14] NEUMANN, O medo… p. 8.
[15] MARONI, A. Jung, o poeta da alma. São Paulo: Summus, 1998. p. 129.
[16] JUNG, Volume XV… § 121.
* Fala espontânea da criança.
[17] JUNG, Volume V – Símbolos da transformação. Petrópolis: Vozes, 1986. § 524.
[18] GRÜN, A. Mística e Eros. Curitiba: Lyra, 2002. p. 53.
* Fala espontânea da criança.
[19] JUNG, Volume VI – Tipos psicológicos. Petrópolis: Vozes, 1991. § 681.
* Fala espontânea da criança.
* Fala espontânea da criança.
[20] JUNG, Volume XV… § 122.
[21] NEUMANN, O medo… p. 8.
* Fala espontânea da criança.
[22] JUNG, Volume IX, Parte 2 – Aion: estudos sobre o simbolismo do si-mesmo. Petrópolis: Vozes, 1982. § 288.
* Fala espontânea da criança.
[23] NEUMANN, O medo… p. 10.
* Fala espontânea da criança.
* Fala espontânea da criança.
* Fala espontânea da criança.
* Fala espontânea da criança.
[24] NEUMANN, E. A criança. São Paulo: Cultrix, 1995. p. 25-47.
* Fala espontânea da criança.
[25] JUNG, Volume IX, Parte 1 – Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Petrópolis: Vozes, 1976. § 246.
[26] Ibid., Volume XIII… § 259.
[27] EDINGER, E. F. A criação da consciência. São Paulo: Cultrix, 1999. p. 9.
[28] JUNG, Volume XIII… § 259.
[29] Ibid., § 265.
[30] Ibid., § 260.
[31] JUNG, Volume XI… § 1638.
[32] JUNG, Volume VIII – A dinâmica do inconsciente. Petrópolis: Vozes, 1984. § 189.
[33] Ibid., Volume XV… § 121.
[34] SCHILLER, F. von. A educação estética do homem. São Paulo: Iluminuras, 1990.
[35] Essas referências de Jean Piaget fazem parte do capítulo A Teoria de Piaget Sobre a Linguagem e o Pensamento das Crianças apud VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1987. p. 9-21.
* Fala espontânea da criança.
[36] GUILFORD, J. P. La naturaleza de la inteligencia humana. Buenos Aires, Argentina: Paidós, 1977.
[37] NEUMANN, A criança…
* Fala espontânea da criança.
[38] CHEVALIER, J.; GHEERBRANT, A. Dicionário de símbolos. Rio de Janeiro: José Olympio, 1988.
[39] JUNG, Volume XII…
[40] Id.
[41] JUNG, Volume IX, Parte 2. § 373.
[42] NEUMANN, A criança…
* Na pessoa da analista, a autora traz também a artista; tem a experiência de trabalhar com o caos no espaço tridimensional. Realizou esculturas em terracota, resina, bronze e pedra. Dentro da psicologia analítica, escolheu a técnica do sandplay porque sentiu a necessidade de oferecer um espaço para a expressão do corpo através das mãos.
[43] BACHELARD, G. A terra e os devaneios da vontade. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
* Esta escultura foi feita pela autora, desde a criação no barro, o molde e todo o processo de fundição em cera perdida. Ela nasceu na palma da sua mão, espontaneamente, enquanto ela brincava com o barro. Depois dela, muitas outras vieram e representaram, na época, o resgate do feminino reprimido. A partir da escultura, ela iniciou uma pesquisa sobre a história do feminino.
[44] JUNG, Volume IX, Parte 2.
[45] JUNG, Volume XVI – A prática da psicoterapia. Petrópolis: Vozes, 1988. § 507.
* Dentro da sua história como analista, a iniciação da autora na Psicologia Analítica completa vinte anos. Ela mergulhou no conhecimento e na experiência das profundezas da alma humana e recuperou a integridade, passando pelo escuro da inconsciência e encontrando a riqueza de possibilidades. Entre os movimentos destrutivos e criativos, encontrou a si mesma na capacidade de se recriar a cada dia.
[46] MAY, R. A coragem de criar. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.
[47] OSTROWER, F. Criatividade e processos de criação. Petrópolis, Vozes, 1987.
[48] Ibid., p. tal.
* Este tratado foi oferecido em uma aula dada pelo Dr. Joseph Henderson, que é psiquiatra, trabalha em consultório particular e é membro do Instituto C. G. Jung, de São Francisco, EUA. São imagens do Splendor Solis – manuscrito alquímico do Séc. XVI. A fonte dos desenhos é o Centro para a Pesquisa do Arcaico e do Simbolismo Arquetípico, de São Francisco, USA. A tradução para o português é da autoria de Paula Boechat.