A escolha do tema para a monografia me dirigiu logo para a questão da mulher e sua complexidade diante de vida, o ser mulher, mãe, profissional e esposa, feliz com sua condição feminina. Porque na minha infância e juventude assistia ao sofrimento e submissão, das mulheres com as quais convivia.
Jung e o processo de individuação me iluminaram para a dissolução dessa inquietação.
A minha intenção com este tema é ajudar a mulher a se conscientizar na sua condição feminina, de que ela pode vir a ser sua própria fonte de auto-estima, valorização e realização na trajetória de sua vida.
No capítulo 1, da vida à clínica, reflito sobre as alterações importantes que o papel da mulher tem sofrido ao longo dos tempos, sua insatisfação diante das limitações, auto estima rebaixada, desvalorização, mudança de valores. Crises, fases, ciclos e questionamentos que podem levar a soluções.
Inicio falando da mulher que opta pelo trabalho, deixando em segundo plano ser parceira e ser mãe. Da superexposição da sexualidade, sem amor e sem afeto. Do alto consumo de bebidas alcoólicas, fumantes, uso indiscriminado de drogas e anfetaminas. Estes fatos levantam diversos questionamentos: o que é isto? Por que e o que está levando a esta situação?
Cito o advento da pílula anticoncepcional trazendo a liberação sexual e o início do movimento feminista com Beth Friedan.
O início das mudanças e ousadias, entre elas, Leila Diniz mostrando a barriga grávida. Regina Duarte, no seriado Malu Mulher, fazendo o papel de uma separada que lutava para sustentar a filha e os conflitos desta relação. Desempenho da mulher tendo orgasmo, pela primeira vez na TV e o uso do anticoncepcional.
O ingresso no mercado de trabalho, nas universidades. E paralelamente, as pesquisas mostrando que a mulher sem instrução, tem maior possibilidade de casar que a intelectualizada.
As maiores conquistas alcançadas pelo movimento feminino. Como tem sido o caminho no decorrer de nossa existência, composto de luz e sombra, transgressões, culpas, construções e destruições, inquietações, enfim de tudo o que o ser que se relaciona está exposto. Com tudo isso se luta, passa-se por conflitos, sofre-se muito, chora-se bastante, sente-se angustia, deprime-se. Depois de todas essas emoções vividas e desta longa estrada percorrida, conclui-se paradoxalmente, que a vida é mais simples. O que falta é direção, valores e escolhas definidas e para isto, precisa-se de uma ligação mais profunda consigo mesmo. Maturidade, bom senso e serenidade para solucionar as dificuldades que fazem parte dela.
Voltando no tempo, lembro do tempo de infância onde percebia o sistema machista instalado, homens e mulheres separados por lados, apenas eles ditando as normas e valores.
A mulher era e só podia se cri-cri, (crianças e criadas).
O movimento feminista denunciou o confinamento das mulheres na esfera doméstica e os mecanismos pelos quais sua identidade era vinculada estritamente à maternidade. Ficou para a mulher a tarefa de demonstrar que a feminilidade é compatível com a vida pública e profissões liberais.
Simone de Beauvoir, uma das maiores defensoras do feminismo nos afirmou que: “Foi pelo trabalho que a mulher transpôs, em grande parte, a distância que a separava do macho, e só o trabalho pode garantir-lhe uma liberdade concreta”.
O olhar clínico, tanto em minha vida quanto no consultório, foi revelando o que a mulher busca, como se perde e como pode vir a se transformar em suas diversas relações.
Por ex: mulheres que entram no casamento em troca de uma vida com muito conforto, em termos de bem material. Outras que quando se dispõe a ter filhos, em algumas classes sociais, a primeira providência é a contratação da enfermeira ou babá. Como se cuidar do próprio filho não fosse de sua competência ou desejo.
Religiosamente, comento que a mulher era vista à semelhança de Eva, mais melindrosa ao pecado e com este perfil levou junto Adão, a perda do paraíso. Deixando claro com este episódio, sua fraqueza e a necessidade de ser controlada.
Freud, com pensamento patriarcal, baseou suas teorias sobre a sexualidade feminina num modelo masculino e atribuiu que a mulher se sente como se fosse um homem mutilado. Essas crenças psicológicas e religiosas exercem influência inconsciente moldando atitudes em relação ao corpo, sexualidade e, inclusive na relação com o Divino.
Whitmont e Jung levam em conta que o desenvolvimento e o processo de individuação da mulher, ficaram lesados sob o domínio do patriarcado por séculos. Desta forma, ficou dificultado para ela lidar com seu masculino interno.
Como então, ser sua própria fonte de auto-estima?
Depois de ter estado numa posição de obediência, necessita ultrapassar a falta de confiança, entrando em contato com a sua essência, através da reflexão. Com as deusas que povoam o seu mundo interno, estabelecendo relações entre a mulher atual e a arquetípica e como se constela, nos dias de hoje.
Possibilitar a esse feminino, não ficar aprisionado na teia de Afrodite que se apresenta dominante atualmente, propiciando a unilateralidade, i.é, o surgimento da sombra.
O tema tomou mais consistência quando tive o sonho relatado no trabalho. Foi revelador de forma clara, com subsídios internos que me mobilizavam na questão do feminino e na possibilidade do vir a ser e do ser vir.
No capítulo 2, mulher um ser em relação, relato o meu sonho e como ele me estimulou à pesquisa sobre o início da vida, em especial, a vida interior. No sonho aparecem os elementos do tema – mulher, mãe e o feminino.
Relato sobre o verme, representando a forma arcaica de vida e o ovo simbolizando a nova vida e capacidade de dar a luz. É preciso muita luz para clarear aquilo que ainda é desconhecido e não pode ser encontrada, luz para fecundar, gestar, parir o nosso próprio ovo que encerra em si mesmo o microcosmo.
Dessas imagens simbólicas a força que a mulher traz em si, desejo de expressão, liberdade, capacidade de acolhimento que são da natureza feminina, expressão plena de seu mundo intrínseco. Para chegar a essa força, o caminho é introvertido, olhar para dentro, senti-la para que se mostre.
Na relação mãe-filho, o papel relevante da mãe no desenvolvimento da criança. Ser mãe não é dom natural é talento.
Cito que na primeira metade da vida a mulher, está no trabalho psicológico da diferenciação, trabalho de ego – separação da figura dos pais, movimento ao mundo e estabelecimento da própria identidade.
Desenvolvimento da alma. Como nos fala Jung: o desenvolvimento individual tem suas raízes na alma coletiva, devendo diferenciar-se e desenvolver-se individualmente. É na alma que se encontram o genuíno e o profundo.
A individuação só pode ser vivida através de símbolos, que nos impelem contato com a centelha divina. Jung nos fala: “Só aquilo que somos realmente tem o poder de curar-nos”.
Animus lado contra-sexual da psique feminina que inicia seu trabalho, na segunda metade da vida, para se manifestar e se expressar no consciente, gerando harmonia na psique feminina.
Com o animus integrado a mulher passa a viver sua própria autoridade e a exercer a plenitude feminina, obtendo com isso satisfação e gratificação.
A união da mulher convencional com a nada convencional gera a criança divina, união dos opostos em sua personalidade, símbolo do si mesmo.
Dedico o capítulo 3 às deusas, arquétipos mais ativos na sociedade.
No capítulo 4 Religar-se para poder se relacionar.
Podemos reconhecer intuitivamente nas mulheres à nossa volta, manifestações de comportamento com as características das deusas. Por ex, o desejo de ser mãe em evidência, independente da sua condição. Pode ser casada, separada, solteira, mais velha, viver só. Enfim Deméter domina, com maior facilidade e liberdade. Enfoco os diversos tipos de relacionamento: união do homem mais velho com mulher bem mais jovem, uniões ao contrário. As mães solteiras que precisam trabalhar fora e como fica a criança e sua educação. Educar é cuidar. Há muitas pessoas habilitadas para cuidar, babá, avó, avô, tia, vizinha, mas quando se fala de filho, cuidar é pouco. Quem ama, cuida.
Foco a importância da convivência. Nos dias de hoje a vida limita o convívio entre pais e filhos, mas parece muitas vezes, que o individualismo e o egoísmo dos adultos interferem bastante, pois acabam utilizando o tempo consigo mesmo.
Madre Teresa de Calcutá nos fala que: “Acredito que o mundo de hoje está de ponta cabeça e sofre muito porque existe tão pouco amor no lar e na vida familiar. Não temos tempo para nossas crianças, não temos tempo para darmos uns aos outros, nem para apreciarmos uns aos outros”.
Para minimizar essas questões se faz necessário muito amor. Eros para resolver as dificuldades, para nos compreendermos melhor. Ele nos leva à união com o divino, fonte de amor.
O matrimônio sagrado é uma necessidade psicológica, movimento da psique em direção à totalidade, mistério da transformação humana. Para que isso aconteça é necessário voltar-se para dentro, ligar-se à fonte de amor. Esse é o caminho para a mulher, aqui enfatizada, se sentir plena. A plenitude vem da sua paz interior, em conjunto com a integridade de suas crenças, sentimentos, princípios, enfim de seus valores em harmonia, de uma postura de amor e aceitação de si mesma.
Os desejos de poder e egóicos transformam-se a partir deste sacrifício, peça chave para o crescimento, numa capacidade maior de amar. São reduzidos e encobertos por valores transcendentes. Sem este, não se acessa o amor verdadeiro e profundo.
Períodos longos de sofrimento conduzem o indivíduo a uma experiência humilhante, o que o auxilia a tornar-se humilde, característica primordial da alma. Não passar por esta crucificação, significa não se desfazer das infantilidades, fantasias e ilusões.
Recolhendo as projeções, acolhe-se o animus. Eros e Logos se harmonizam levando ao caminho do self. A mulher se reencontra com suas energias arquetípicamente masculinas. Os conteúdos e símbolos projetados são conduzidos à consciência, que se torna ampliada e integrada, tendo como centro o self.
A integração do animus revela o aspecto numinoso, direcionando a personalidade ao desenvolvimento da autenticidade, facilitando o processo de alteridade.
A reconciliação dos opostos, num nível transpessoal leva à incompreensível transformação do físico em espiritual. Há renovação interior provocada pelo contato com o divino. Estabelece-se maior capacidade de discriminação e capacidade de escolha.
Com o reconhecimento do animus como uma força interior, a mulher atinge autonomia, o que lhe dá certa independência do homem. Sua salvação e realização de seus desejos dependem dela e não do príncipe. Suas escolhas são seguras, sem submissão, sem sentimento de inferioridade. Vive sua feminilidade sem se importar com o que o homem faz.
Capítulo 5 Considerações finais.
O meu olhar sobre o sonho que falo no texto, depois de toda a análise é no mínimo religioso, pois a palavra “rele gere” tem o significado de reflexão, olhar de novo com a ternura da mente e a doçura do coração.
O ovo, elemento contido no sonho, é um dos mais importantes símbolos alquímicos. Representa o si – mesmo como prima matéria, “contém dentro de si tudo o que precisa”
O homem, assim como a mulher encerram dentro de si, tudo o que se busca e se necessita para ser feliz, viver em paz e harmonia. Mas, para chegar a essa condição, precisa-se investir em sacrifícios.
Somente depois de ter se separado dos pais, adquirido uma identidade própria e caminhado na segunda metade da vida, em direção ao self, i.é, vivendo seu processo com maior consciência e bom senso ao fazer suas escolhas, refletindo, religando, fazendo conexão com o numinoso, podemos nos deparar com o que nos falta. A entrega se faz ao espírito que nos acolhe, cuida e protege. A alma liberta nos encaminha para a renovação.
O amor, a sabedoria, a maturidade, a escolha, a serenidade são propriedades que permeiam a nova feminilidade.
A mulher, a mãe e o feminino estão contidos no mesmo pacote, dentro do ovo. Não há divisão, não é possível subdividir. Nascemos para sermos inteiros, unos, reunindo e juntando as parcelas que nos pertencem. Vamos unindo e ao mesmo tempo fazendo a ligação entre as partes, que geram a criança divina, símbolo da nova vida.
À medida que a mulher se conscientiza que pode estar em oposição ao masculino arquetípico, por sua própria natureza, ela experiência uma capacidade maior e mais abrangente de se relacionar, o que aumenta sua aptidão de amar. Essa consciência a valida como um ser feminino.
Na segunda metade da vida, temos maior possibilidade de encontrar nossa conversão, regeneração e transformação. A salvação. O encontro com o self, fase mais elevada do desenvolvimento feminino ou masculino.
Estou falando da essência, do que nos dá sentido a vida. Amparadas pelo divino, conectadas com o self, possuímos o maior tesouro, para contribuirmos com o próximo e com a sociedade. Nossa capacidade de amar e perdoar nos transcende e nessa conexão, ligadas ao eixo central, prosseguimos em paz e harmonia a viver a nossa história.