Alquimia e Psicoterapia - Renata Wenth

Ano de Publicação: 2001

Ano de Publicação: 2001

“Do longo sono secreto

na entranha escura da terra,

o carbono acorda diamante.”

Helena Kolody[1]

 

A Arte imita a Natureza, diz um lema alquímico. O trabalho dos alquimistas em seu laboratório era acelerar[2], ou fazer dentro de condições controladas (laboratoriais), aquilo que a natureza demoraria anos para fazer. A analogia com a psicoterapia aqui já se delineia: a “individuação” favorecida pela análise –  a relação protegida que se estabelece entre analista e paciente como “vaso alquímico” para revisão de costumeiras formas de ser e criação de novas perspectivas.  A psicoterapia promovendo um amadurecimento da personalidade que sem esta ajuda específica talvez a pessoa não o atingisse ou muito custaria, seja em tempo e qualidade de vida.

A Arte do Fogo, os alquimistas trabalhavam em seus fornos, com vasos semelhantes à úteros, lidando com o fogo, com o calor adequado a cada operação. Não há obra alquímica sem o fogo, sem energia nada se transforma. Sem um relacionamento adequado entre analista e paciente, entre ambos e seus inconscientes nada se “cozinha”, nada se cria.

Unus Mundus um senso de totalidade[3].A alquimia trabalha com relações entre macro e microcosmo, separações precisas entre externo e interno não fazem parte do olhar alquímico, sujeito e objeto estão em absoluta relação e mais, a alquimia tem lugar para uma linguagem imagética, simbólica, uma linguagem que está a serviço de conexões. Exatamente por estes quesitos tornou-se objeto de interesse de Jung, uma mina de simbolismo:  os símbolos alquímicos sendo semelhantes aos símbolos de nossos sonhos, fantasias, dos mitos, das artes. Expressando portanto as profundidades da alma humana, onde somos todos semelhantes.

Justamente pela visão de mundo alquímica não estabelecer separações entre sujeito e objeto torna-se evidente que ao falar das transmutações da matéria ele também falava do processo de transformação que nele ocorria, isso era fato. Por não ter conhecimento exato da matéria esta tornava-se um espelho para o que ocorria em sua alma. O alquimista descreve, de forma imagética, o processo de transformação[4] que ocorria nele e nos indivíduos.

Arte da Transformação, falar de alquimia é falar da possibilidade de transformações, passagens de um estado para outro: a transmutação de metais vis em nobres. Oras, a psicoterapia pressupõe mudanças, no mínimo, é isso que buscamos quando decidimos procurar um analista: alguém que nos ajude frente as vicissitudes da vida, de nosso ser, de nossas relações.

Os textos e imagens alquímicas estão a descrever com toda a precisão os estágios, as operações pelas quais consegue-se obter o “ouro”, o “elixir”, a “pedra” à partir da “matéria-prima”. Analogamente o processo de análise passa por momentos onde nos sentimos “dissolvidos”, sem conseguirmos fazer aquilo que antes fazíamos e sem saber ainda o que nos tornaremos, momentos difíceis de muita emoção – mas, o processo de fundição de uma nova personalidade somente poderá ocorrer se amolecermos, dissolvermos rígidas, áridas e velhas formas de ser. Geralmente busca-se a psicoterapia em momentos de perdas, confusões, aridez – caos. De acordo com o alquimista, a confusão inicial é até necessária pois somente haverá transformação de algo se houver a desconstrução daquilo que estava cristalizado, por isso a putrefatio, solutio, mortificatio como operações e estágio necessário: a nigredo, noites escuras da alma. Mas, como a luz nasce da escuridão[5], a psicoterapia contém momentos de “luz” sobre nossos problemas, quem realmente somos, o porquê do que fazemos, o estágio da albedo: o amanhecer, estado das operações e momentos onde já não somos mais as nossas questões, não estamos mais à elas misturados e sim as compreendemos, na alquimia a prima-matéria em purificatio, sublimatio, separatio. Assim como precisamos atualizar, colocar na vida e em movimento aquilo que junto a nossos analistas descobrimos, os alquimistas falam da rubedo: o sangue, a vida; deixar circular, contagiar nosso “novo” ser, a multiplicatio, coniunctio como operações deste momento. “O grão fixo deve germinar, e a virtude do iniciado, ser contagiosa[6].”

O “ouro” já se encontrava como germe para os alquimistas, assim como para Jung nosso vir-a-ser também, o processo de análise gradativamente liberta aquilo que verdadeiramente somos das amarras de uma personalidade estreita, “não trabalhada”, “não-cultivada”.

A alquimia trabalha com a ideia de redenção da matéria: libertar o espírito cativo na matéria prima através de operações. A meta é a ressurreição deste: […] o que a alquimia buscava afinal de contas. Ela procurava produzir um “copus subtile”, o corpo transfigurado da ressurreição, isto é, um corpo que fosse simultaneamente espírito.”[7]

       Espiritualizar o corpo e corporificar o espírito, outro lema alquímico: espiritualizar/volatizar aquilo que é denso, material, literal e dar corpo aos nossos sonhos,fantasias e imagens,  àquilo que é volátil em nós . Um eterno jogo entre os opostos, simbolizados aqui pelo par de opostos espírito e matéria, mas também pelo Rei e a Rainha, pássaro e a serpente, entre outros tantos. Por isso a alquimia ser chamada de arte “espagírica”: “a palavra ‘espagírica’ é formada pela união de dois radicais gregos: spao=separar, e ageiro=reunir; significa pois, “que separa e reúne”.[8]

       Todo este solve et coagula, estas separações e re-uniões alquímicas somente acontecem

deo-concedente, para os alquimistas, com a permissão da divindade. A alquimia trabalha com a matéria mas toda sua obra sofre a intervenção de algo além desta.

Como costuma-se dizer a palavra “laboratório” significa: labor, trabalho e oratório, oração. Uma analogia ao “setting” analítico, muito trabalho e também a ação do inconsciente. Por isso as qualidades exigidas de um alquimista, assim como de um analista, são a paciência, humildade, perseverança, muita leitura e um abrir de seu coração

Os mistérios da vida e da análise. Podemos auxiliar o diamante a acordar das entranhas da terra, mas não somos os criadores do carbono e nem sabemos ao certo o momento em que ele, torna-se diamante.

Renata Cunha Wenth

Psicóloga – CRP 08/02952

Curitiba, agosto 2001

 

[1] KOLODY, Helena.  Viagem no Espelho.

[2]As peripécias dramáticas do tempo, cujo ritmo o artista é capaz de acelerar para perfazer em alguns meses ou anos, aquilo que a Natureza deixada a si mesma, teria produzido em vários séculos.”

GREINER, F. Alquimia.

[3]Os alquimistas dos séculos 14 e 15 viviam num mundo completamente animado, no qual a matéria não estava morta ou era caótica mas estava viva, animada. Esse tipo de consciência enxerga relações entre todos os níveis de existência, animada e inanimada, espiritual e profana. […] É aproximarmos de um mundo que dá prioridade a um senso de totalidade.” (Tradução livre).

SCHWARTZ-SALANT, Nathan. Jung on Alchemy.

[4] “A opus alquímica descreve o processo de individuação, mas de forma projetada pois os alquimistas estavam inconscientes deste processo psíquico.”

JUNG, C.G. A Vida Simbólica. (1704)

[5]A situação, antes obscura, é aclarada lentamente, como uma noite tenebrosa da qual nasce a Lua.”

JUNG,C.G. Mysterium Coniunctionis. (301)

[6] GREINER,Frank. A Alquimia.

[7] JUNG,C.G. Psicologia e Alquimia.(511)

[8] JUNG,C.G. Mysterium Coniunctionis. prefácio.

 

 

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