Vivendo de Corpo e Alma - O Segredo da Flor de Ouro - Elizabeth Almeida do Amaral

Ano de Publicação: 2017

 

 

Monografia  apresentada ao Curso de Formação para analista

Junguiano pelo IJPR como avaliação final para obtenção de

título de membro analista do IJPR/AJB.

 

Orientador: Renata Cunha Wenth

Banca: Áurea Helena Pinheiro Roitman

Eliane Laís Schneider

 

                    Dedico este trabalho à memória

        de C. G. Jung e à Cultura Chinesa

                 que com suas sabedorias atuaram

                       como “divisor de águas”

                na minha trajetória pela vida.

 

 

Assim como o bebê procura a mamãe quando precisa

ser socorrido, quando sente-se inseguro, com fome e

frio, assim me aconcheguei em minha mãe querida

que foi me alimentando e quando eu caída, me

levantava, sempre encorajando-me, estimulando e

dirigindo minha caminhada.

Porta-se hoje como vitoriosa, alegre pela conquista da

         filha mais velha!

         Receba querida Renata

                     todo reconhecimento que possa eu te externar!

         Com muito carinho e

         eterna gratidão!

 

 

RESUMO

 

O presente trabalho tem por objetivo ilustrar como o processo de individuação, que se define como ação de tornar-se não dividido ou seja integrado, pode ser vivenciado com a participação consciente do corpo. Foi utilizada para esta ilustração, uma prática corporal chinesa, Qigong, com uma série de movimentos inspirados em imagens simbólicas que se referem à natureza, aos ciclos cósmicos e também às atividades humanas. Através de princípios da alquimia chinesa fundamentada na filosofia taoísta descobre-se uma convergência com os conceitos básicos da Psicologia Analítica: um encontro entre as visões de mundo desses dois saberes, um oriental, milenar e outro nascido das pesquisas com a alma humana de um médico ocidental na primeira metade do século XX. Ambas as visões, trazem a noção de unidade entre corpo e alma, entre as características do corpo integradas às da psique. Assim sendo, cada uma das referidas esferas, física e psíquica, recebem a mesma atenção na busca da ampliação e integração da consciência. O físico, através dos exercícios do Qigong, realiza o psíquico e este fornece subsídios ao primeiro através da amplificação das imagens simbólicas e seus significados.

 

PALAVRAS-CHAVE: Alquimia; Corporificação; Imagem; Processo de Individuação; Símbolo.

 

 

ABSTRACT     

 

The present work aims to illustrate how the process of individuation, which is defined as the action of becoming undivided or integrated, can be experienced with the conscious participation of the body. It was used for this illustration, a Chinese body practice, Qigong, with a series of movements inspired by symbolic images that refer to nature, to cosmic cycles and also to human activities. Through principles of Chinese alchemy grounded in Taoist philosophy, one discovers a convergence with the basic concepts of Analytical Psychology: an encounter between the world views of these two knowledge, one oriental, millenarian and the other born of the researches with the human soul of a western doctor in the first half of the twentieth century. Both visions bring the notion of unity between body and soul, between the characteristics of the body integrated with those of the psyche. Thus, each of these spheres, physical and psychic, receive the same attention in the search for the expansion and integration of consciousness. The physical, through the exercises of the Qigong, performs the psychic and the latter provides subsidies to the former by amplifying the symbolic images and their meanings.

 

KEYWORDS: Alchemy; Embody; Image; Process of Individuation; Symbol.

 

 

LISTA DE FIGURAS

 

 Capa: Quadro 24 (JUNG, 2008, OC IX/1).

 

Figura 1. Pan Gu

http://ensinoreligioso-serafimjonas.blogspot.com.br/2013/09/a-criacao-na-visao-chinesa.html

 

Figura 2. A Origem das 10.000 coisas

 

Figura 3. O Vazio Primordial

 

Figura 4. O princípio da Criação – o germe da possibilidade de consciência.

http://www.fengshuinatural.com/en/chi-yinyang.html

 

Figura 5. O Tao – Tai Chi.

http://www.mailxmail.com/curso-feng-shui-basico/fundamentos-feng-shui

 

Figura 6. Campo energético

BRANDÃO, Luiza Maria Teixeira. Dissertação de Mestrado em MTC, 2012 http://repositorio-aberto.up.pt/handle/10216/65267

 

Figura 7.  TAO

https://pt.wikipedia.org/wiki/Taoismo

 

Figura 8. Imagens de exercícios físicos pintadas em seda.Posições de Daoyin

http://www.hnmuseum.com/hnmuseum/eng/collection/collectionContent.jsp?infoid=013224276c214028848331f4e86b0aef

 

Figura 9.  Os três tesouros

The Three Dantians – Finding and Increasing Your Energy

 

Figura 10. O surgimento do TAO

http://somostodosum.ig.com.br/conteudo/c.asp?id=03215

 

Figura 11. Serenar o coração

http://www.zazzle.com.br/arvore_de_amor_vermelha_com_ramos_do_coracao_cartao_postal-239116447245917386

 

Figura 12. Unir céu e terra

http://www.culturamix.com/meio-ambiente/natureza/fotos-de-nuvens/

 

Figura 13. Harmonizar Madeira e Metal  https://viagensparaportoseguro.wordpress.com/about/

 

Figura 14. Abrir o Céu e Dançar com Arco-Íris  http://meioambiente.culturamix.com/recursos-naturais/paisagens-com-arco-iris

 

Figura 15. Separar as nuvens

http://www.culturamix.com/meio-ambiente/natureza/fotos-de-nuvens/

 

Figura 16.Nadar entre o Céu e a Terra

http://deivdy10.tumblr.com/

 

Figura 17.Remar no meio do lago

http://geracaonewmand.blogspot.com.br/2010/07/dois-remos.html

 

Figura 18. Colher e contemplar a Flor de Lótus

https://dicasgreen.files.wordpress.com/2010/03/flor-lotus2.jpg

 

Figura 19.Unicórnio vira a cabeça e contempla a lua

http://writer.dekd.com/story/writer/showComments.php?pageno=1&id=752883&gr=

 

Figura 20. Moça trabalhando na lançadeira  https://br.pinterest.com/lissamc/spinning-wheels-medieval-and-renaissance/

 

Figura 21. Mãos de Nuvens

http://www.culturamix.com/meio-ambiente/natureza/fotos-de-nuvens/

 

Figura 22.Girar a moenda

https://desenvolturasedesacatos.blogspot.com.br/2015/05/portugal-moinhos-de-vento-que-resistem.html

 

Figura 23. Abraçar o mar e contemplar o céu

http://trancadaempoemaseprosa.blogspot.com.br/

 

Figura 24. Empurrar as ondas do mar

https://www.tripadvisor.com.br/LocationPhotoDirectLink-g667504-d2391180-i53011028-Sao_Jose_Beach-Itacare_State_of_Bahia.html

 

Figura 25.Pombo abre as asas

http://emmanuelhermitage.blogspot.com.br/2011/06/living-icons-of-jesus-through-holy.html

 

Figura 26.Ganso selvagem bate as asas

https://wallpaperscraft.com/wallpaper/swan_wings_bird_swing_waves_beach53539

 

Figura 27. Galo dourado num pé só

http://www.canstockphoto.com.br/dourado-galo-ornamento-11517310.html

 

Figura 28. Girar a roda da vida

https://afrescuradarelva.wordpress.com/tag/budismo/

 

Figura 29. Grande e pequeno circuito sagrado

 

Figura 30. Caminho de girassóis

http://grupo-aguaviva.blogspot.com.br/2013/09/sementes-de-girassol-menina-dos.html

 

 

SUMÁRIO

ABSTRACT

 

LISTA DE FIGURAS

 

INTRODUÇÃO

 

CAPÍTULO I

A mãe o corpo e os deveres para com a carne – O corpo e suas variadas visões

I.1.O Corpo na Medicina Tradicional Chinesa e na Filosofia Taoísta

I.1.a. Corpo de energia e campo magnético

I.2. O Corpo na visão e medicina ocidental

I.3.  O Corpo na religião dominante do ocidente

 

CAPÍTULO II

O corpo na Psicologia Analítica

II.1.  Jung e o Taoísmo

II.2.  Tao e Símbolo

II.3. Corpo em Movimento: O constante movimento da vida

3.1. Abertura – Serenar o Coração

3.2. Harmonizar Céu e Terra

3.3. Harmonizar madeira e metal

3.4. Abrir o céu e dançar com o Arco- Iris

3.5. Separar as nuvens do céu

3.6. Nadar no meio do lago

3.7. Remar no meio do lago

3.8. Colher e contemplar a Flor de Lótus

3.9. Unicórnio vira a cabeça e contempla a lua

3.10. Moça trabalhando na lançadeira

3.11. Mãos de nuvens

3.12. Girar a moenda

3.13. Abraçar o mar e contemplar o céu

3.14. Empurrar as ondas do mar

3.15. Pombo abre as asas

3.16. Ganso Selvagem bate as asas

3.17. Galo dourado num pé só

3.18. Girar a Roda da Vida

3.19. Grande e Pequeno Circuito Sagrado

3.20. Movimentos Finais

3.21. Fechar retornando ao Coração Vazio

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E ELETRÔNICAS

 

 

INTRODUÇÃO

 

 “Nunca farás por meio de outros o Um que procuras,

a menos que primeiro seja feita uma coisa única de ti mesmo”

Liz Greene (1976, p.47)

 

 

A razão do interesse pelo tema e desejo de compartilhar minhas descobertas brota do meu processo de humanização, de tornar-me indivíduo. In-divíduo realmente no sentido de não dividido, sem divisão, por inteiro, integro, integrado.

No processo de integrar opostos ao longo da vida deparo-me com o eixo CORPO e ALMA. Olho para o meu corpo e descubro que ele está aqui, aliás, sempre esteve aqui e eu vivi sempre na tentativa de me descartar dele em nome da transcendência religiosa. A partir de então encontro em mim mesma um campo farto e fértil, porém abandonado.

Sempre fui muito mística, colégio de freiras, família “católica praticante”, tias freiras, primo padre, vigário da Catedral de Curitiba, não apenas padre, cônego e finalmente, “Monsenhor”. Já adulta, casada, formada, psicóloga, descobri aos poucos que era preciso primeiro encarnar, humanizar-me, “apessoar-me”. Se a minha missão era a de ser santa, heroína, salvadora, mulher maravilha ou qualquer dessas grandezas eu não poderia ter certeza, mas uma coisa era garantida: eu era humana, terráquea e com isso eu teria que lidar, não dava mais para negar, inconscientemente fugir. Perceber a espiritualidade no corpo encarnado e vivê-la neste corpo, através e junto com ele, passou a ser a meta.

Viver no encarnado, viver no material e no simples, não é valorizado em nossa cultura, nunca é ensinado. Talvez por isso procura-se tantos desvios e, assim sendo, percorre-se o caminho mais longo. Exatamente como ilustra o provérbio chinês que reflete de uma forma poética a maneira ocidental de ver e de se comunicar consigo próprio e com os elementos que circundam o ser no dia a dia:

 

 

“No espaço infinito, o homem busca a religação

que aponte o seu destino,

Nas profundezas investiga suas origens remotas

E de tanto procurar

Deixa de ver em si mesmo

O fio que tudo une”.

 

 

Esta forma de viver pode ser considerada como extrovertida, na qual o referencial está fora, não no interior do sujeito. Para que se encontre um equilíbrio é preciso que se estabeleça também um referencial interno, uma conexão entre o material e o espiritual, que a matéria possa tornar-se viva a partir da encarnação do espírito.

Há vinte anos conheci algumas práticas chinesas taoístas e através delas pude iniciar a integração de meus lados intuitivo, verbal e também do racional com a parte mais terra em mim que é o meu corpo. Processo pelo qual minha psique ansiava há tempo. Tenho aprendido muito desde que me encontrei com o pensamento oriental através de algumas de suas práticas corporais desde a metade dos anos 90. A maneira de olhar para a vida, a partir de dentro e para dentro, trouxe o que faltava ao meu espírito ocidental por demais extrovertido. A postura extrovertida, ao enfatizar cada vez mais a vontade consciente também tende a perder a visão da globalidade e perder com isso a percepção de unidade e interdependência em que se vive. Conduz o ser humano a identificar-se com o mito do herói retratado em atitudes competitivas e vorazes.

Desde 1999 além dos atendimentos que faço em consultório como psicóloga de orientação analítica tenho sido instrutora de artes corporais taoístas. Realizei por 4 anos um trabalho voluntário em praça pública[1] com o objetivo de conscientizar a comunidade da possibilidade da busca interior através da prática corporal taoísta. Usei a mesma técnica, aplicando-a em pacientes internadas na ala feminina do Hospital Psiquiátrico Bom Retiro durante 3 anos. Também dei aulas desta prática no programa do convênio médico da Unimed, chamado “Vida Saudável”, para pessoas da terceira idade.

Além da Psicologia Analítica, das práticas corporais taoístas também entrei em contato com a Pedagogia do Corpo Esquecido. Criada pela

professora Maria Lucia Lee.[2] A Pedagogia do Corpo Esquecido procura orientar o pensamento de forma a trazer à lembrança as várias dimensões do ser humano tecendo relações entre elas e, é claro, incluindo o corpo através de movimentos. Amplia-se assim a visão do praticante que, dessa forma, pode iluminar as infinitas possibilidades esquecidas que existem em seu ser. De acordo com KELEMAN, terapeuta corporal, criador da Psicologia Formativa (2001, p.42):

 

Abandonamos o corpo em nome de racionalidade e linguagem, símbolos e signos […] Nós existimos numa Terra Devastada, onde as imagens vampirizam a vitalidade do soma, onde o pensamento está enamorado pelo próprio reflexo […] Vivemos na Terra Devastada, onde os nossos corpos existem apenas para os propósitos da mente.

 

O contato com o pensamento oriental foi fundamental para a obra de Jung e o encontro com a alquimia, decisiva para seu pensar, veio do tratado de alquimia chinesa “O Segredo da Flor de Ouro” enviado para ele por Richard Wilhelm, com a solicitação de que ele fizesse o seu prefácio. Neste tratado alquímico, “O Segredo da Flor de Ouro” a relação entre o corpo-espírito- alma e a prática meditativa recebem lugar de destaque.

Assim como aconteceu com Jung, o encontro com a alquimia chinesa foi decisivo para mim. O paralelo que pude fazer entre a filosofia taoísta e a dinâmica da psique permitiu abrir um clarão que vem iluminando minha jornada pela grande aventura que é a vida. Levantei-me então da cômoda poltrona estufada, com pés enraizados no solo firme, ao invés de suspensos pelo banquinho, deixei cair os livros e mantas que esquentavam os joelhos e arrisquei experienciar com o corpo e no corpo as idéias e imagens que bailavam em minha mente, estimulada pela leitura do livro “O Segredo da Flor de Ouro”, um livro de vida chinês, tratado já citado acima e que foi traduzido por Richard Wilhelm com introdução e comentários de Jung. Foi lançado em 1929 e faz parte do volume XIII de suas Obras Completas.

O objetivo geral deste trabalho é, portanto, mostrar o lugar do corpo no processo de individuação, o valor da corporificação, da encarnação, do cuidado para com a matéria, a aceitação dos limites e enquadramentos impostos por ela e através deste cuidado, paradoxalmente, a matéria/corpo se torna almada.    Esta unificação corpo e alma será apresentada através de uma prática corporal taoísta – proporcionando uma conexão entre o taoísmo e a psicologia analítica em especial no que tange à meta de seus processos, posto que ambos almejam a construção da unidade.

O trabalho é realizado no corpo e atinge a alma num processo alquímico profundo de integração em busca da totalidade do ser.

Como primeiro capítulo, o corpo é apresentado na medicina chinesa e filosofia taoísta, bem como na medicina do ocidente. Demonstrando o quanto no ocidente o corpo acabou por ser visto de forma separada da alma, por ser inferiorizado em relação ao espírito/intelecto e por este ser submetido – o que impossibilita uma verdadeira “encarnação”.

No capítulo seguinte, demonstra-se que o corpo e a alma são conceituados na Psicologia Analítica como uma unidade indissolúvel, constituindo assim a Psicologia Analítica uma porta para uma possível vivência integrada.

Como terceiro capítulo, a unificação corpo e psique é exposta através da prática corporal taoísta, chamada Qigong dos Símbolos um momento no qual se revelam, através dos símbolos, as conexões entre a prática taoísta e o processo de individuação proposto pela Psicologia Analítica.

As Considerações Finais, trazem o resultado do entrelaçamento segundo a autora entre a Psicologia Analítica e a Filosofia Taoísta: não há ressurreição, não há renascimento, não há vida no espírito se a carne não for vivida. Não mais abrir os braços para ser crucificado na carne e sim abrir os braços para abraçá-la.

 

 

CAPÍTULO I

A MÃE, O CORPO E OS DEVERES PARA COM A CARNE

O Corpo em suas variadas visões

 

Por que artes corporais? Por que o corpo?

Temos um corpo, somos um corpo. Um corpo de carne, de sangue, de ossos, um corpo de emoções, um corpo de idéias, de pensamentos e sentimentos. Um corpo denso e um corpo sutil, segundo LELOUP (1998, p.9): “É o inconsciente visível, como afirmava Wilhelm Reich e também o templo onde outros corpos sutis se abrigam”.

Um corpo concreto e um corpo simbólico. Um corpo interno, um corpo externo. O corpo é a expressão mais concreta e objetiva do ser humano, nossa mensagem mais primordial. KELEMAN (2001, p.26), diz que, com o corpo pode-se aprender a viver e a dar forma às respostas da vida: “É a experiência de corporificação que nos dá a experiência de estarmos vivos”.

Assim sendo, ele está presente no processo de individuação, que é um processo na vida encarnada. As vivências da vida na carne são todas profundamente ligadas ao corpo e têm nele as suas raízes.  É somente pelo corpo e através do corpo que o ser humano pode se expressar, fazer-se compreendido e compreender-se também. Para olhar, os olhos; para ouvir os ouvidos; para falar, a boca; para andar os pés e pernas. Portanto, para fazer a experiência profunda da vida encarnada é preciso o corpo como um todo.

A experiência do todo é sempre paradoxal, ela contém os paradoxos e estes encontram mais aceitação na cultura chinesa fundamentada na filosofia de Lao Tzu, plena de paradoxos. Os paradoxos na cultura ocidental já não possuem tanto lugar, são considerados como pontos de conflitos, discórdias e competição.

O distanciamento da visão unitária tornou o indivíduo ocidental cada vez mais identificado com a ilusão de separatividade tanto na relação consigo mesmo como no relacionamento com o outro ficando a partir daí obrigado a construir muros ao invés de pontes para possíveis relacionamentos internos e externos.

No Livro Vermelho, fruto do trabalho interior de Jung, há um momento no qual ele expressa o impacto que sofreu ao ser confrontado com os paradoxos existentes entre sua visão fundamentada e limitada pela consciência e a grandiosidade de um mundo que habita seu interior: “O espírito das profundezas levou minha compreensão e todos os meus conhecimentos e os colocou a serviço do inexplicável e do absurdo. ” (JUNG, 2010, p.229).

Estes paradoxos são encontrados na matriz da vida, psíquica e física, enquanto inconsciente, terra e oceano – enfim, matriz como mãe. De acordo com JUNG (2000, OC IX/1, § 501): “[…] O inconsciente é a mãe da consciência. […]. ” Desta forma, o resgate da totalidade e da matriz promove o envolvimento com o paradoxo. Conclui JUNG então que (1991, OC XII, § 18): “[…]o paradoxo pertence ao bem espiritual mais elevado. O significado unívoco é um sinal de fraqueza. […] só o paradoxal é capaz de abranger aproximadamente a plenitude da vida.

Através da prática taoísta, Qigong dos Símbolos, que será apresentada neste trabalho é possível viver a integração dos paradoxos: união de corpo e alma, dentro e fora, consciente e inconsciente. Devido ao fato desta prática trabalhar através de símbolos é que esta integração se torna possível, pois estes são potentes justamente por conterem o paradoxal, os múltiplos significados, a harmonia dos opostos – a totalidade. Para o oriental, o símbolo por excelência para esta totalidade é a Flor de Lótus, que precisa ser cultivada.

A prática taoísta bem como o processo de individuação proposto pela Psicologia Analítica em suas buscas pela totalidade abrangem deveres para com a “carne”. Como disse JUNG: “(…) a nossa psicoterapia reconheceu seu objetivo, isto é, que o fator fisiológico e o fator espiritual têm que ser considerados em nível de igualdade” (1987, OC XVI/1, §191).

Alma encarnada, alma de mãos dadas com o corpo. Um corpo que informa sobre o limite, que fornece campo de expressão, que é fonte de identidade, que oferece a dimensão e a forma da vida. Corpo entendido em seus sentidos literais e também sutil/simbólico.

                                                                                            

 

I.1. O Corpo na Medicina Tradicional Chinesa e na Filosofia Taoísta

  

O taoísmo, engloba todas as áreas do pensamento chinês, incluindo a medicina tradicional chinesa e faz parte de sua visão de mundo e filosofia.

A medicina chinesa tem por base a busca da integração e interação original entre o ser humano e a natureza e visa o seu equilíbrio geral. O organismo é visto como um sistema energético e as doenças vistas como desequilíbrios energéticos, ou “quebra” na harmonia das funções orgânicas.

A medicina chinesa é fruto de uma filosofia naturalista, onde o indivíduo está imerso na natureza e desta participa. E as atividades mentais, emocionais, fisiológicas ou sociais são expressões múltiplas de um mesmo princípio vital – que rege o ser e a natureza. Para o dr. Yeshi Donden[3], médico do Dalai Lama: “Saúde é a relação adequada entre o microcosmo, que é o homem, e o macrocosmo, que é o Universo. Doença é a ruptura dessa relação. ”

A origem da medicina tradicional chinesa é difícil de ser identificada, porém o mais antigo registro organizado que se tem notícia é o livro “O Clássico do Imperador Amarelo”, que data de cerca de 2300 anos e nele se encontra registrada a experiência clínica fruto do conhecimento empírico que se perde no tempo com registros datados do período neolítico. Nele estão descritos os fundamentos da medicina tradicional chinesa. As primeiras informações acerca da acupuntura foram trazidas à Europa em meados do século XVII pelos missionários jesuítas.

Para que se compreenda o lugar de importância do corpo no universo oriental é interessante conhecer a visão de mundo chinesa pelo relato de um de seus mitos da criação.

A China, pela via taoísta, deu as suas respostas sobre as origens do mundo e dos humanos a partir de divindades mitológicas como Pan Ku, Nü Wa e Fu Xi.  A gênese humana segundo a lenda de Pan Gu, aparece pela primeira vez por escrito no século III d.c.:

 

Há muitos anos, quando não havia céu ou terra, o universo era semelhante a um grande ovo, cujo interior era habitado por um embrião gigantesco que dormia a sono solto. Ele se chamava Pan Gu (ou em algumas versões P’an-Ku). Depois de 18 mil anos em gestação, Pan Gu começou a acordar. Quando finalmente abriu os olhos e analisou onde estava, viu que era tudo tão negro que não podia ver absolutamente nada. Sentindo-se aborrecido, brandiu seu braço possante e deu um golpe forte contra a escuridão que o rodeava. Um barulho de algo que se quebrava foi ouvido e então o ovo se estalou com um grande estrondo, dessa maneira fragmentando a negritude estática que estava daquele jeito há centenas de milhares de anos. Por causa desse acontecimento, houve uma divisão dos elementos: os mais leves subiram e dispersaram-se aos poucos, formando o azul do céu, enquanto os mais pesados desciam em direção às profundezas para formar a terra. Quando Pan Gu se pôs em pé e viu que os elementos estavam separados, respirou com prazer. Porém, o gigante temia que o céu e a terra voltassem a se encontrar. Assim, ele resolveu sustentar o céu com seus braços levantados e segurar aterra com seus pés. Nesse meio tempo seu corpo cresceu numa velocidade espantosa de três metros por dia. E assim um bom tempo se passou, mais precisamente 18 mil anos, até que o céu estava a alturas colossais enquanto a terra havia se tornado compacta. E Pan Gu também atingira uma altura desproporcional que, segundo alguns relatos, chegava a 45 mil quilômetros de altura. Ele era agora um gigante que tocava o céu com os braços e a terra com os pés. Assim, céu e terra foram criados graças à força divina de Pan Gu. A esta altura, a confusão escura do início já havia se desintegrado, mas isso não impediu que o gigante ficasse exausto em seu esforço de separação. Depois disso, ele imaginou que poderia criar um mundo sobre o qual pairassem Sole Lua, revestido por montanhas, rios e uma grande variedade de seres, incluindo os homens. Mas sua morte prematura (por motivos ignorados, mas que se conclui ser por exaustão devido ao trabalho realizado de separação) o impediu de realizar seu intento. Antes de seu último suspiro, entretanto, conseguiu transformar partes de seu corpo moribundo. Assim, seu hálito tornou-se a brisa, as nuvens e o nevoeiro; sua voz, o estrondo dos trovões; seu olho esquerdo virou o sol brilhante que ilumina a Terra e o direito a Lua; os cabelos e bigodes viraram as estrelas do firmamento; o tronco e seus quatro membros (braços e pernas) tornaram-se cinco montanhas maciças, sendo que quatro delas marcavam as extremidades norte, sul, leste e oeste do planeta e a quinta marcava o centro do universo. A transformação de seus restos continuou. Seus músculos tornaram-se terras férteis; seus dentes, ossos e tutano, pérolas, jade e recursos minerais, respectivamente; seus pêlos, a relva e as árvores; seu suor, a chuva e a garoa. Assim, cada componente do mundo, como o conhecemos, veio do corpo daquele extraordinário ser. E o ser humano? A lenda conta que os primeiros homens foram gerados a partir da sublimação da alma do gigante. Assim, o antepassado em comum da raça humana é Pan Gu. Essa é a explicação pela qual a humanidade seria capaz de controlar “tudo quanto existe na superfície da Terra”. A história sobre Pan Gu possui algumas variações. Numa delas são as pulgas do gigante que se transformam na humanidade. Em outra, ele sai pelo mundo acompanhado de quatro animais imaginários altamente simbólicos para os chineses: o dragão, que é o chefe das criaturas escamosas; a tartaruga, que comanda as criaturas com casca; a fênix, a mais importante das criaturas com penas; e o unicórnio, chefe de todos os animais que possuem pêlos. Este estranho quarteto é sua única companhia nos dias em que antecedem sua morte. (PEREIRA COUTO, 2008, p.61)

 

Assim sendo, pela tradição lendária da China, o antepassado pioneiro e em comum da raça humana é Pan Gu (fig.1). Com essa visão o homem fica na posição de intermediário das forças do céu e da terra e responsável em mantê-los separados para que toda a vida decorrente de sua separação se mantenha. Pelo mito pode-se ter uma ideia do tamanho do homem para o olhar chinês: este se apresenta como uma pulga diante da exuberante natureza. Fato que revela o respeito frente a matéria, o quanto os chineses se espelham na natureza – esta é uma mãe mestra para eles, fonte de ensinamentos e inspiração. Primeiro observam a natureza, para depois tirarem suas conclusões. Por isso suas práticas envolvem símbolos ligados à natureza, como animais, plantas, rios e oceanos.

 

Fig. 1. Pan Gu

 

O Tao Te King, livro de sabedoria que embasa o pensamento taoísta e chinês, é rico em versos sobre o tema dos princípios. No verso LII do Tao-Te King, de Lao-Tzu encontramos outra maneira de se referir à origem das formas – portanto, do ser, do corpo, da matéria:

 

O mundo tem uma origem, que é a Mãe do Mundo.

Quem encontra a Mãe para conhecer os seus filhos;

quem conhece os seus filhos e se volta de novo para a Mãe,

estará livre do perigo por toda a sua vida.. . .

 (Lao-Tzu, 2002, p.91)

 

O mesmo livro de sabedoria, mostra a origem de uma outra forma, expressa no verso XLII do Tao Te King (LAO-TZU, 2002, p.81) “Do Um nasce o Dois. Do Dois nasce o Três. Do Três nasce a miríade de coisas, e em todas elas o Yin carrega o Yang e o Yang abraça o Yin. ” Este verso lembra o famoso “Axioma de Maria”, da alquimia ocidental que, de acordo com Berthelot citado por PATAI (2009, p.127) diz: “O um se torna dois, o dois se torna três e, por meio do terceiro e do quarto, conquista a unidade; assim, dois é o mesmo que um. ” O axioma de Maria é muito citado por diversos alquimistas e, qual o verso taoísta, trata de forma simbólica da dinâmica do processo de encarnação da unidade e do reencontro desta com sua origem.

Imagens simbólicas, como a do esquema abaixo (fig.2), também são utilizadas no taoísmo para ilustrar a gênese do Todo. Para o taoísmo todas as coisas brotam de um vazio original. Este vazio, dá origem ao Tai Chi, que se diferencia em Yin e Yang, que dão origem à relação dos cinco elementos, que geram as dez mil coisas.

 

Fig.2. A origem das 10.000 coisas.

 

 

Cada uma das esferas da figura acima possui um significado:

 WU CHI

Fig.3. O Vazio Inicial

A esfera acima (fig.3), mostra que antes do início do universo manifesto, existia um estado de total vacuidade. Nesse estado primordial, nada se movia. Não havia o tempo também. Tudo era um “Vazio’. Os antigos o nomearam de wu chi. Wu significa ausência, negação, vacuidade. O chi neste caso, significa “mais alto” ou “sublime”. Wu chi então significa “estado sublime de vacuidade”.

 

Fig. 4. O princípio de Criação – o germe da possibilidade de manifestação

 

Na esfera acima (fig.4), aparece um ponto no centro.  O ponto central é o princípio da Criação, origem da energia criativa que se encontra em potência, a possibilidade de uma corporificação e que ao se manifestar, apresenta a unidade de uma forma bipolar e complementar retratada na figura abaixo (fig.5).

 

Fig.5. O Tai Chi

 

Na figura acima (fig.5), chamada de Tai Chi para o oriental, o primeiro impulso criativo se manifesta em duas forças de energia com polaridades opostas que os taoístas chamaram de Yin e Yang. Yin significa a energia negativa, feminino, equivale à terra, à matéria. Yang, a energia positiva, equivale ao céu, ao espírito.

As 3 esferas, trazem a noção de que o universo conhecido, materializado, corporificado e plural é precedido por uma unidade que em si se desdobra, se autogera e busca um retorno a esta unidade. Esses estágios representam a descida da consciência invisível na forma da matéria visível.

Praticantes taoístas, usando várias técnicas de alquimia interior, são capazes de inverter esta seqüência de eventos, para retornar ao reino da unidade primordial.

Na medicina tradicional chinesa o corpo físico nasce do Qi criativo, do sopro criativo, que equivale ao sopro que Deus dá ao boneco de barro, chamado Adão, na cosmogonia hebraico-cristã.

Na manifestação dessa unidade inicial, ocorre uma divisão que a torna dual e bipolar.  E ao se concretizar vai tomando corpo e formando 3 tipos de energia. Esses três tipos, chamados de os 3 tesouros são: Jing, Qi e Shen. Embora não haja nenhuma tradução exata em português para Jing, Qi e Shen, eles são muitas vezes traduzidos como Essência, Vitalidade e Espírito.

Jing, Qi e Shen são substâncias/energias que são cultivadas na prática de alquimia interna, como o Qigong. O praticante de Qigong aprende a transformar Shen em Qi e em Jing pelo chamado “Caminho da Manifestação, ou o Caminho da Geração” e também aprende a transformar pelo caminho inverso Jing em Qi e em Shen, é o assim chamado “Caminho da Transmutação”.

Os três tesouros podem ser pensados também como três frequências diferentes de energia. Praticantes de alquimia interior aprendem a modular a sua consciência ao longo deste espectro vibratório. Escolhem sua freqüência, da mesma maneira que é possível escolher uma estação de rádio específica para sintonizar.

A energia mais concentrada ou de vibração mais densa é Jing, a energia criativa. Dos três tesouros, Jing é aquele associado mais estreitamente com o corpo físico. A morada do Jing é no dantien inferior e faz parte do meridiano dos rins, inclui a energia reprodutiva do esperma e dos óvulosÉ a energia que se recebe dos pais no momento da concepção e não se renova, não se repõe, por isso o cuidado em preservá-la. É o Qi dos ancestrais. Jing é considerada a raiz da vitalidade criativa, a substância física da qual a vida se desenrola.  Pode ser comparado com a cera e o pavio de uma vela. Ela também pode ser considerada como semelhante ao hardware e software de um computador – a base física para um sistema de funcionamento. A energia Jing é perdida através de estresse excessivo ou preocupação. Também pode ficar esgotada, em homens, através da atividade sexual excessiva (que inclui ejaculação), e em mulheres via menstruação muito intensa ou muito fraca. A energia Jing pode ser restaurada através de dieta, fitoterápicos, chás, bem como através da prática de Qigong.

Qi, a energia vital, é o que anima os corpos, que permite o movimento de todos os tipos: o movimento de entrada e saída do ar dos pulmões, o movimento do sangue através dos vasos e o funcionamento dos vários sistemas de órgãos. Também comanda o corpo emocional. A morada do Qi é no dantien médio, no centro do torax e está associada, em especial, com os meridianos do fígado e baço. Se Jing é a cera e o pavio de uma vela; Qi é a chama da vela – a energia produzida através da transformação de base física. Se Jing é hardware e software do seu computador; Qi é a energia que permite ligar o sistema para funcionar realmente como um computador.

O terceiro dos três tesouros é Shen, a energia espiritual, que é o espírito ou mente (no seu sentido mais amplo). A morada do Shen é o dantien superior que se encontra no centro da cabeça, na altura da glândula pineal e se manifesta entre os olhos. Shen é a irradiação espiritual que pode ser vista brilhando através dos olhos de uma pessoa – a emanação de uma benevolência universal, compaixão e poder iluminado; de um coração repleto de sabedoria, perdão e generosidade. Se Jing é a cera e o pavio de uma vela, e Qi a sua chama, Shen é a radiância emitida pela chama – o que permite que ela seja realmente uma fonte de luz. E, do mesmo modo que a luz de uma vela depende da cera, pavio e chama, um Shen saudável vai depender do cultivo do Jing e do Qi. É somente através do templo de um corpo forte e equilibrado que um espírito radiante pode brilhar.

A origem destes três tesouros é a mesma e eles se intercomunicam pelo movimento circular da energia que pode ser interpretada como a luz que ilumina a vida. A energia Jing sobe do baixo ventre, se transforma em Qi que se transforma em espírito, Shen. O Espírito Shen desce e fortalece o Qi e Jing.

A circulação da energia promove a fixação da unidade original, como está no tratado de alquimia chinesa, “O Segredo da Flor de Ouro”, comentado por Wilhelm (in: JUNG; WHILHELM, 1987, p.109): “[…] Movimento circular é fixar”.  O movimento circular é o “fogo” que promove a transformação.

Uma das constantes fontes de movimento são as emoções. Emoção gera movimento, a própria palavra emoção traz o sentido de movimento, moção, mover. Esse movimento pode se tornar desequilibrado devido a falta de harmonia entre as duas forças de atuação do Qi que são opostas e complementares, Yin e Yang.  Quando o corpo de emoções está harmonizado, ele promove resistência a diversas doenças, não permite que a pessoa se desequilibre facilmente. Emoções desequilibradas fragilizam o indivíduo. Ele fica vulnerável às influências externas como frio, calor, umidade, secura.

Cada tipo de emoção está relacionado à energia dos meridianos que são como rios que percorrem o corpo, permitindo o fluxo do Qi que promove a vida de cada uma das funções inerentes a esses meridianos. São 12 os meridianos principais: Pulmão, Intestino Grosso, Estômago, Baço-Pâncreas, Coração, Intestino Delgado, Bexiga, Rins, Pericárdio, Triplo-Aquecedor, Fígado e Vesícula. As emoções ligadas aos meridianos são: raiva, medo, euforia e tristeza. Na raiva o movimento é para cima, no medo, o movimento é de baixar, descer, na euforia ocorre a dispersão, a energia se espalha e na tristeza a energia se recolhe. Emoção leva ao movimento e um movimento pode trazer emoção. Os movimentos promovem e alimentam as emoções. Todos os movimentos corporais das práticas, expandir, contrair, em cima, em baixo, trabalham as emoções.

O meridiano não corresponde somente a um órgão ou víscera, bem como não está somente neste localizado; ele representa funções relacionadas e típicas de cada meridiano. Por exemplo, quando se fala do fígado, do ponto de vista energético fala-se do fígado propriamente, mas também da vesícula biliar, dos olhos, dos ombros, dos joelhos, dos tendões, das unhas, dos seios e todo o aparelho reprodutor feminino (ovários, trompas, útero e vagina).

Todas as emoções, boas ou não, passam pelo fígado, que funciona como um anteparo, que as modula e deixa fluir por todo o ser. A repressão das emoções provoca um bloqueio no fluxo da energia e como conseqüência, sintomas e doenças que se manifestarão nas áreas em que ele atua.

Além dos 12 meridianos, que fazem o grande circuito pelo corpo todo; existem mais 2: um de natureza Yin, denominado Vaso Concepção, que desce pelo meio do tronco e outro de natureza Yang, com o nome de Vaso Governador, que sobe pelo meio das costas e que juntos formam o pequeno circuito interno de energia, muito utilizado na prática taoísta Qi Gong, referida neste trabalho, procurada para uma harmonização que promova bem-estar. E é por esse pequeno circuito, interligado ao grande circuito que faz a manutenção e o equilíbrio da energia circulante, que é realizada a transformação da energia dos três tesouros: Shen, Qi e Jing.

É necessário compreender que um órgão na medicina tradicional chinesa, refere-se ao órgão energético e não físico. Nesta medicina, as doenças iniciam-se no órgão energético, e somente se não for tratada, em tempo útil, o processo de adoecer invade o órgão físico. É por esse motivo que a medicina tradicional chinesa pode ser executada, na maioria das vezes, de forma preventiva, pois o órgão energético pode ser tratado antes que o órgão físico seja atingido pela doença.

A visão da medicina chinesa é fundamentada nas relações. A partir daí, pode-se perceber que se a pessoa tem uma energia sexual forte, ela poderá atingir uma espiritualidade forte também, pela transformação e indução consciente dessas energias dirigidas pela intenção. É importante que o praticante tenha pelo menos um conhecimento básico da medicina e filosofia chinesa para que o trabalho seja realizado com uma intenção dirigida e consciente. A consciência ilumina e esclarece os fatos para que se possa compreender os fenômenos da vida.

Todas as práticas chinesas, vão trabalhar o Qi pois é ele que faz a ligação entre o espírito e a essência.

O Qi é muito suscetível à intenção, portanto é preciso cultivar virtudes para que o trabalho siga na intenção da saúde, integração e consciência global.

Por exemplo, treinar com alegria, sabendo que a raiva, o medo e a obsessão são bloqueadores do fluxo do Qi. A displicência e a ambição assim como a euforia o dispersam. As práticas trabalham além da matéria física densa, na matéria sutil também.

Assim sendo, as terapias orientais atuam, principalmente, na parte energética do corpo, descrita como energia vital, Qi em chinês. O Qi, como um conceito fundamental na medicina chinesa, é considerado a “essência de vida”, que mantém e orienta o corpo físico, mente e espírito.

O fluxo de Qi pode ser perturbado por um fator externo, como um ferimento, uma mudança climática ou, ainda, um trauma interno, como a depressão ou o stress. Quando sintomas como dor ou desconforto começam a ocorrer, se instala um estado de pré-doença. A doença representa as manifestações sintomáticas de desequilíbrio, que são vistas como sintomas provenientes de causas mais profundas, que abrangem o indivíduo e o seu modo de vida na sua totalidade.

As propostas de saúde influenciadas pelo contato com o oriente caracterizam-se por serem focadas no indivíduo, no seu meio ambiente e na sua experiência de vida.

 

I.1.a. Corpo de energia e campo magnético

 

            Tudo o que existe no plano espaço-tempo manifesta-se em variadas freqüências vibratórias. Os seres humanos existem como uma rede muito complexa de sobreposição e interagindo com campos de energia. Processos energéticos incluem processos elétricos e magnéticos, ressonância vibracional, bio-emissão de fótons, efeitos não-locais de campos de fluxo de íons.

A descoberta da relação matéria-energia é uma revolução no pensamento. É necessária uma alteração do paradigma na medicina e artes da saúde, que valorize e integre estes conceitos fundamentais. Nas duas últimas décadas, têm sido realizados estudos que comprovam que a existência do Qi não é mais uma questão teórica, mas um fato comprovado:

 

Diversos estudos científicos sobre a eficiência das práticas de Qigong e seus princípios estão sendo realizados atualmente. Durante os primeiros anos da década de 1970 foram realizadas pesquisas pioneiras sobre o Qigong, que comprovaram seus efeitos no corpo humano e a existência do “Qi” através de métodos científicos ocidentais. Destas se destaca a de Gu Hansen e Lin Houshen, do Instituto de Qigong e Medicina Chinesa de Shanghai, que comprovaram que o Qi pode ser medido por sensores infravermelhos; seus resultados foram aceitos e debatidos com entusiasmo pela maioria da comunidade científica internacional. Também inovadoras foram as pesquisas do mestre Yan Xin. (Wikipédia, consultada em 02.06.2017)

 

Na prática de Qigong existem várias formas pelas quais o praticante pode manipular o campo eletromagnético que circunda o corpo. Pode absorver diretamente o Qi do Céu e da Terra pela base dos pés, topo da cabeça e pelas palmas das mãos (chamada a absorção de Qi pelas cinco portas). Pode, também, através de visualização da imagem típica de cada movimento, captar e ligar os diferentes tipos de energia ambiental em torno do corpo, aumentando a espessura e poder do campo eletromagnético. Desta forma, considera-se que as linhas eletromagnéticas geram uma bolha energética envolvente. O campo eletromagnético gerado deverá respeitar a movimentação natural dos campos ambientais circundantes.

A busca da medicina chinesa com suas práticas é a harmonização do campo energético que circula internamente e do que externamente circunda o corpo do sujeito. O campo energético (fig.6) é representado em dois momentos por BRANDÃO (2015, p.36), (a) seria: “Representação do campo energético que envolve o praticante de Qigong”.  E (b) na figura seria: “Representação das correntes eletromagnéticas que envolvem o corpo do praticante de Qigong”

 

Fig. 6. Campo Energético

 

Na visão mais interiorizada, ligada à alquimia chinesa, o corpo físico e visível, é formado pela energia sutil, é como se fosse um subproduto desta energia.  É a manifestação densa, grosseira de uma energia que vive num campo sutil, invisível. É comum o indivíduo ficar identificado com a matéria densa por ser visível e palpável e permanecer focado nessa dimensão. As práticas alquímicas chinesas buscam o retorno para essa dimensão sutil e original na tentativa de harmonizar essas duas dimensões.  Assim o praticante desenvolve a capacidade de conviver de uma forma mais integrada e completa incluindo em sua percepção, os dois lados da vida encarnada, o sutil e o material.

A mente, interagindo com o mundo da matéria, produz um corpo de energia, que reúne para si próprio um agregado de substância material na forma de alimento para formar um veículo material grosseiro chamado corpo físico vivo. Esse corpo físico e o corpo de energia que a ele dá vida é chamado de corpo físico vivo. Esse é o campo de ação do trabalho do Qi gong.
A mente reflete-se através do corpo físico como personalidade, e o corpo físico torna-se campo de ação do mundo. Assim, o grande trabalho e a grande ilusão encontram-se no corpo físico. […] A prática do Tai Chi Chuan e do Qigong é o esforço primário de retirar-se da personalidade e entrar em sintonia com os corpos físico e de energia. Abrange o processo de retroceder mais e mais, até o retorno final ao Absoluto. (SOHN,1992, p.29)

 

 

I.2. O Corpo na visão e medicina ocidental

 

A cultura ocidental descreve o homem como composto de corpo e psique ou corpo e alma. A polaridade se expressa também na psique através de conteúdos conscientes e conteúdos inconscientes.

Quando o filósofo mecanicista Descartes (1596-1650) trouxe a proposta da “realidade dualística”, ou seja, a existência de dois mundos separados “o reino de extensão material, de caráter essencialmente geométrico e mecânico” e o “reino da substância do pensamento, que não possui extensão”, o pensamento ocidental separou o homem numa dicotomia de corpo e alma. Enquanto a ciência estudava o corpo, a igreja tomava conta dos assuntos da alma. A separação corpo/alma, levou a ciência a investigar o corpo como uma máquina, que considera apenas o conteúdo material e deixa de levar em conta a dimensão espiritual do ser. No livro “O Corpo Onírico” de Arnold MINDELL, encontra-se:

 

A descoberta do microscópio tornou os cientistas capazes de localizar estados patológicos e doenças a nível celular, sustentando a teoria de que o corpo era uma máquina, funcionando por química elétrica. Hoje a medicina ainda concebe o corpo como um organismo racional, cujo comportamento pode ser determinado pela natureza individual de seus componentes mecânicos específicos. (MINDELL, 1989, p.20)

 

O ocidente sofre também a influência grega e hebraico-cristã, que traz em sua cultura uma tendência à visão extrovertida e maniqueísta quanto aos valores e mesmo o funcionamento de todas as manifestações que acontecem no mundo. Uma tendência ao antropomorfismo e à literalização das metáforas e símbolos.

O indivíduo pertencente à cultura ocidental, sempre foi estimulado a prestar atenção e valorizar mais os atributos das divindades do que a forma como se relaciona com a matéria, assim como com a natureza e com o corpo, com sua característica “encarnada”. Já na antiga Grécia, de acordo com BERRY, Hesíodo foi advertido pelas musas por ser um homem simples, da terra e a partir de então sente-se envergonhado por essa relação terrena:

 

No começo da Teogonia, Hesíodo conta-nos sua conversão em poeta, tornando-se um homem que louvava os deuses. Como ele conta, estava fora, cuidando de seu rebanho, quando de repente as musas lhe apareceram, repreendendo-o severamente por causa de seu estado inferior. Elas despertaram nele uma sensação de vergonha por ser apenas um homem da terra. Hesíodo se tornou então um poeta que reverenciou as musas, mas nunca deixou de ser um homem da terra (um lavrador), nem a terra deixou de ser seu tema. Tornou-se meramente um lavrador mais complicado, alguém que agora cantava uma terra da qual sentia vergonha.  (BERRY,2004, p.12)

 

Além disso, a tendência na cultura atual é a fragmentação entre os saberes, um excesso de especialização que proporciona conhecimento e ao mesmo tempo fragmenta. A fragmentação pode levar ao desequilíbrio da unidade na qual o ser está inserido, desequilíbrios tanto no campo individual como coletivo. Por exemplo, desenvolvimento de patologias, mau uso da natureza que provocam uma série de alterações, sejam elas climáticas ou mesmo na topografia geográfica como tem acontecido no Brasil com o transbordamento de barragens construídas pelo homem, para seus benefícios sem levar em conta os limites que a natureza possui. [4]

Nessa divisão corpo e alma, o corpo, colocado em segundo plano, se transforma num instrumento da vontade egóica a serviço do homem. Ao viver desta forma, o indivíduo se aliena da realidade e dos cuidados com o seu corpo, formando uma sociedade também alienada.

BOECHAT em sua tese de doutorado “O corpo psicóide”, refere-se à essa dicotomia corpo-alma como sendo um indicador da crise da modernidade que estamos enfrentando e nesse seu trabalho, propõe como ponto central a tomada da unificação corpo-mente.

 

A oposição homem-natureza é a referência básica do paradigma da modernidade, e dele parecem derivar todos os demais dualismos: sujeito-objeto, conhecimento científico-conhecimento popular, mitológico ou teológico, colonizador-colonizado, homem-mulher .

Entre todas estas oposições, todas elas hierarquizantes e unilaterais, se situa a oposição corpo-mente e logicamente, esta oposição não pode ser resolvida ou questionada sem ser entendida dentro de um amplo contexto do esprit du temps da crise da modernidade. ( BOECHAT, 2004 p.3)

 

Nas práticas corporais ocidentais, também é tratada essa dicotomia com exercícios específicos para o corpo sem ser levado em conta o efeito emocional. Com a aproximação do oriente através da ioga indiana e acupuntura chinesa nas primeiras décadas do século XX, têm se verificado mudanças nessa forma de pensar e agir. Um dos grandes movimentos responsáveis pela vinda dos conhecimentos orientais ao ocidente foi o movimento hippie, nos anos sessenta, como relata BARROSO em artigo da Revista da UNESP.

 

O movimento hippie, principal herdeiro desta postura de contestação ao establishment inaugurada pela Beat Generation, à qual aduziu um forte viés pacifista, ampliou o interesse pelas culturas e religiões orientais, utilizando-as tanto para legitimar um ideal de vida comunitário, como para dar continuidade à busca de si, realizada agora sob a égide de experimentações variadas no campo da percepção em que se consideravam igualmente válidos desde o recurso a técnicas emprestadas às tradições orientais, como a ioga e a meditação, até o uso de drogas. Na verdade, toda esta vaga contracultural da segunda metade do século XX parece ter atualizado grande parte dos ideais românticos, sobretudo no que diz respeito à busca da expressão de uma individualidade genuína, não massificada, algo que também passou a fazer parte das preocupações do conjunto de saberes psicológicos que se firmaram ao longo do século.  (BARROSO,1999)

 

O avanço da tecnologia também tornou possível investigações dos processos corporais que foram permitindo algumas descobertas. A produção de endorfinas com exercícios, o que promove uma satisfação e bem-estar, por exemplo, têm permitido uma visão mais integrada de corpo e psique.  A maior quantidade de informação ainda é sobre os efeitos que ocorrem no funcionamento dos órgãos, mas, já se ouve referência aos estados de humor associados a esses exercícios.[5]

 

I.3.  O Corpo na religião dominante do ocidente

 

A cultura no ocidente com uma ênfase grande no judaísmo, predecessor do cristianismo, também possui seu mito de criação que se encontra no primeiro livro da Bíblia Sagrada Católica e que se chama Gênesis.

 

Capítulo 1

1 No princípio, Deus criou o céu e a terra. 2 A terra estava deserta e vazia, as trevas cobriam o abismo e o Espírito de Deus pairava sobre as águas. 3 Deus disse: “Faça-se a luz”! E a luz se fez. 4 Deus viu que a luz era boa. Deus separou a luz das trevas. 5 À luz Deus chamou “dia” e às trevas chamou “noite”. Houve uma tarde e uma manhã: o primeiro dia. 6 Deus disse: “Faça-se um firmamento entre as águas, separando umas das outras”. 7 E Deus fez o firmamento. Separou as águas debaixo do firmamento, das águas acima do firmamento. E assim se fez. 8 Ao firmamento Deus chamou “céu”. Houve uma tarde e uma manhã: o segundo dia. 9 Deus disse: “Juntem-se num único lugar as águas que estão debaixo do céu, para que apareça o solo firme”. E assim se fez. 10 Ao solo firme Deus chamou “terra” e ao ajuntamento das águas, “mar”.          E Deus viu que era bom. 11 Deus disse: “A terra faça brotar vegetação: plantas, que dêem semente, e árvores frutíferas, que dêem fruto sobre a terra, tendo em si a semente de sua espécie”. E assim se fez. 12 A terra produziu vegetação: plantas, que dão a semente de sua espécie, e árvores, que dão seu fruto com a semente de sua espécie. E Deus viu que era bom. 13 Houve uma tarde e uma manhã: o terceiro dia. 14 Deus disse: “Façam-se luzeiros no firmamento do céu, para separar o dia da noite. Que sirvam de sinais para marcar as festas, os dias e os anos. 15 E, como luzeiros no firmamento do céu, sirvam para iluminar a terra”. E assim se fez. 16 Deus fez os dois grandes luzeiros, o luzeiro maior para presidir ao dia e o luzeiro menor para presidir à noite, e também as estrelas. 17 Deus colocou-os no firmamento do céu para iluminar a terra, 18 presidir ao dia e à noite e separar a luz das trevas. E Deus viu que era bom. 19 Houve uma tarde e uma manhã: o quarto dia. 20 Deus disse: “Fervilhem as águas de seres vivos e voem pássaros sobre a terra, debaixo do firmamento do céu”.  21 Deus criou os grandes monstros marinhos e todos os seres vivos que nadam fervilhando nas águas, segundo suas espécies, e todas as aves segundo suas espécies. E Deus viu que era bom. 22 Deus os abençoou, dizendo: “Sede fecundos, multiplicai-vos e enchei as águas do mar, e que as aves se multipliquem sobre a terra”. 23 Houve uma tarde e uma manhã: o quinto dia. 24 Deus disse: “Produza a terra seres vivos segundo suas espécies, animais domésticos, animais pequenos e animais selvagens, segundo suas espécies”. E assim se fez. 25 Deus fez os animais selvagens segundo suas espécies, os animais domésticos segundo suas espécies e todos os animais pequenos do chão segundo suas espécies. E Deus viu que era bom. 26 Deus disse: “Façamos o ser humano à nossa imagem e segundo nossa semelhança, para que domine sobre os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos, todos os animais selvagens e todos os animais que se movem pelo chão”. 27 Deus criou o ser humano à sua imagem, à imagem de Deus o criou. Homem e mulher ele os criou. 28 E Deus os abençoou e lhes disse: “Sede fecundos e multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a! Dominai sobre os peixes do mar, as aves do céu e todos os animais que se movem pelo chão”. 29 Deus disse: “Eis que vos dou, sobre toda a terra, todas as plantas que dão semente e todas as árvores que produzem seu fruto com sua semente, para vos servirem de alimento. 30 E a todos os animais da terra, a todas as aves do céu e a todos os animais que se movem pelo chão, eu lhes dou todos os vegetais para alimento”. E assim se fez. 31 E Deus viu tudo quanto havia feito, e era muito bom. Houve uma tarde e uma manhã: o sexto dia.

Capítulo 2

1 Assim foram concluídos o céu e a terra com todos os seus elementos. 2 No sétimo dia, Deus concluiu toda a obra que tinha feito; e no sétimo dia repousou de toda a obra que fizera. 3 Deus abençoou o sétimo dia e o santificou, pois nesse dia Deus repousou de toda a obra da criação. 4 Essa é a história da criação do céu e da terra.  (Bíblia Sagrada,2013)

 

No mito cristão ocidental, tal como no oriental, também se encontra a questão do vazio inicial e o posterior aparecimento da dualidade.

Na continuidade da criação, aparece no mesmo livro do Gênesis, uma depreciação da vida encarnada, interpretada como castigo e desonra. Ela se encontra em conseqüência de uma atitude que o primeiro casal de humanos realiza, que é o fato de ter comido do fruto proibido pelo Criador e ter sido por isso expulso do Jardim do Éden, um paraíso. Perde o homem o lugar onde reina a harmonia e a dependência do Criador e fica estabelecido seu distanciamento deste espaço e de seu criador devendo ter que buscar por si mesmo a própria subsistência. Ficam instituídos assim dois reinos separados. O de Deus e o do homem. O do espírito e o da matéria. Corpo e alma.

 

Capítulo 3

1 A serpente era o mais astuto de todos os animais selvagens que o Senhor Deus tinha feito. Ela disse à mulher: “É verdade que Deus vos disse: ‘Não comais de nenhuma das árvores do jardim?’” 2 A mulher respondeu à serpente: “Nós podemos comer do fruto das árvores do jardim. 3 Mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, Deus nos disse: ‘Não comais dele nem sequer o toqueis, do contrário morrereis’”. 4 Mas a serpente respondeu à mulher: “De modo algum morrereis. 5 Pelo contrário, Deus sabe que, no dia em que comerdes da árvore, vossos olhos se abrirão, e sereis como Deus, conhecedores do bem e do mal”. 6 A mulher viu que seria bom comer da árvore, pois era atraente para os olhos e desejável para obter conhecimento. Colheu o fruto, comeu dele e o deu ao marido a seu lado, que também comeu. 7  Então os olhos de ambos se abriram, e, como reparassem que estavam nus, teceram para si tangas com folhas de figueira. 8  Quando ouviram o ruído do Senhor Deus, que passeava pelo jardim à brisa da tarde, o homem e a mulher esconderam-se do Senhor Deus no meio das árvores do jardim. 9 Mas o Senhor Deus chamou o homem e perguntou: “Onde estás?”  10 Ele respondeu: “Ouvi teu ruído no jardim.  Fiquei com medo, porque estava nu, e escondi-me”. 11 Deus perguntou: “E quem te disse que estavas nu? Então comeste da árvore, de cujo fruto te proibi comer?” 12 O homem respondeu: “A mulher que me deste por companheira, foi ela que me fez provar

do fruto da árvore, e eu comi”. 13 Então o Senhor Deus perguntou à mulher: “Por que fizeste isso?” E a mulher respondeu: “A serpente enganou-me, e eu comi”. 14 E o Senhor Deus disse à serpente: “Porque fizeste isso, serás maldita entre todos os animais domésticos e entre todos os animais selvagens.  Rastejarás sobre teu ventre e comerás pó todos os dias de tua vida. 15 Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta te ferirá a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar”. 16 À mulher ele disse: “Multiplicarei os sofrimentos de tua gravidez. Entre dores darás à luz os filhos. Teus desejos te arrastarão para teu  marido, e ele te dominará”. 17 Ao homem ele disse: “Porque ouviste a voz da tua mulher e comeste da árvore, de cujo fruto te proibi comer, amaldiçoado será o solo por tua causa.  Com sofrimento tirarás dele o alimento todos os dias de tua vida. 18 Ele produzirá para ti espinhos e ervas daninhas, e tu comerás das ervas do campo. 19 Comerás o pão com o suor do teu rosto, até voltares ao solo, do qual foste tirado. Porque tu és pó e ao pó hás de voltar”. 20 O homem chamou à sua mulher “Eva”, porque ela se tornou a mãe de todos os viventes. 21 E o Senhor Deus fez para o homem e sua mulher roupas de pele com as quais os vestiu. 22 Então o Senhor Deus disse: “Eis que o homem tornou-se como um de nós, capaz de conhecer o bem e o mal.  Não ponha ele agora a mão na árvore da vida, para dela comer e viver para sempre”. 23 E o Senhor Deus o expulsou do jardim de Éden, para que cultivasse o solo do qual fora tirado. 24 Tendo expulso o ser humano, postou a oriente do jardim de Éden os querubins, com a espada fulgurante a cintilar, para guardarem o caminho da árvore da vida. (Bíblia Sagrada,2013).

O foco e objetivo da vida encarnada portanto é o trabalho incessante e árduo num anseio por voltar à unidade paradisíaca perdida, com um corpo agora.

Já na primeira geração do homem fora do Paraíso, aparece a dupla de irmãos Caim e Abel, onde o ciúme, o instinto competitivo se apresenta levando um irmão a assassinar o outro. Novamente a divisão e a relação que se estabelece de forma antagonista e competitiva fica longe de uma possível harmonia entre os dois. A divisão, oposição e distanciamento não só na relação vertical (Homem-Deus) como na relação horizontal (entre irmãos).

 

Capítulo 4

1 O homem se uniu a Eva, sua mulher, e ela concebeu e deu à luz Caim, dizendo: “Ganhei um homem com a ajuda do Senhor”. 2 Tornou a dar à luz e teve Abel, irmão de Caim. Abel tornou-se pastor de ovelhas e Caim pôs-se a cultivar o solo. 3 Aconteceu, tempos depois, que Caim apresentou ao Senhor frutos do solo como oferta. 4 Abel, por sua vez, ofereceu os primeiros cordeirinhos e a gordura das ovelhas. E o Senhor olhou para Abel e sua oferta, 5 mas não deu atenção a Caim com sua oferta. Caim ficou irritado e com o rosto abatido. 6 Então o Senhor perguntou a Caim: “Por que andas irritado e com o rosto abatido? 7 Não é verdade que, se fizeres o bem, andarás de cabeça erguida?  E se fizeres o mal, não estará o pecado espreitando-te à porta? A ti vai seu desejo, mas tu deves dominá-lo”. 8 Caim disse a seu irmão Abel: “Vamos ao campo!” Mas, quando estavam no campo, Caim atirou-se sobre seu irmão Abel e o matou. 9 O Senhor perguntou a Caim: “Onde está teu irmão Abel?” Ele respondeu: “Não sei. Acaso sou o guarda do meu irmão?”  10 “Que fizeste?”, perguntou ele.  “Do solo está clamando por mim a voz do sangue do teu irmão! 11 Por isso, agora serás amaldiçoado pelo próprio solo que engoliu o sangue de teu irmão que tu derramaste. 12 Quando cultivares o solo, ele te negará seus frutos e tu virás a ser um fugitivo, vagueando sobre a terra”. 13 Caim disse ao Senhor: “Meu castigo é grande demais para que eu o possa suportar. 14  Se hoje me expulsas deste chão, devo esconder-me de ti, quando estiver fugindo e vagueando pela terra; quem me encontrar vai matar-me”. 15 Mas o Senhor lhe disse: “Se matarem Caim, ele será vingado sete vezes”. O Senhor pôs então um sinal em Caim, para que ninguém, ao encontrá-lo, o matasse. 16 Caim afastou-se da presença do Senhor e foi habitar na região de Nod, a leste de Éden. (Bíblia Sagrada,2013).

 

Como diz BARCELLOS em seu livro “O Irmão: psicologia do arquétipo fraterno”:

 

O mito coloca, já de início, as relações de irmandade num lugar de horror, de morte e de impossibilidade. Numa cultura monocêntrica onde o Pai é o primeiro princípio, é poderoso, não há espaço para relações simétricas. As emoções da inveja e do ciúme, sempre tão corrosivas e patologizadas, estão contidas nessa história de modo paradigmático. […]  É com o irmão que aprendemos a dividir e compartilhar, onde aprendemos a horizontalidade nas relações; portanto, a sensibilidade para a igualdade começa aqui. A rivalidade entre irmãos, essa ferida na igualdade, afeta profundamente nossa habilidade posterior de compartilhar e dividir, de pertencer e estar nos grupos, nas vizinhanças. Afeta, portanto a amplitude da alma no mundo horizontal. Em outras palavras, afeta nossa experiência de comunidade (BARCELLOS,2009,p.55 e 56)

 

A Bíblia contém dois Testamentos, o Antigo que se inicia com o livro do Gênesis e que narra a criação do mundo e vai até o nascimento de Jesus. Os evangelhos dão início à segunda parte que é chamada de Novo Testamento. Para não deixar de incluir o Novo Testamento, e mostrar também nele a questão da divisão e ainda a depreciação da matéria, citarei duas passagens. A primeira é de uma comunicação feita pelo evangelista Paulo em uma de suas Cartas aos Romanos:

 

Capítulo 8

Os que vivem segundo a carne se voltam para o que é da carne; os que vivem segundo o Espírito se voltam para o que é espiritual. 6 Na verdade, as aspirações da carne levam à morte e as aspirações do Espírito levam à vida e à paz. 7 Portanto, as aspirações da carne são uma rebeldia contra Deus: não se submetem – nem poderiam submeter-se – à Lei de Deus. 8 Os que vivem segundo a carne não podem agradar a Deus. 9 Vós não viveis segundo a carne, mas segundo o Espírito, se realmente o Espírito de Deus mora em vós. Se alguém não tem o Espírito de Cristo, não pertence a Cristo. 10 Se, porém, Cristo está em vós, embora vosso corpo esteja morto por causa do pecado, vosso espírito está cheio de vida, graças à justiça.  (Bíblia Sagrada, 2013.Romanos 8, §5 a 10)

 

A dicotomia entre alma (psique), corpo e espírito ao priorizar o Espírito em detrimento à Matéria (corpo), levou a uma atitude que desqualifica esta matéria, e institui um sentimento de culpa e pecado à quem se dedica e procede de forma inversa, dando qualquer prioridade aos desejos e impulsos da carne (corpo).

Porém, como fala DAHLKE, médico e psicoterapeuta, em seu livro “A doença como símbolo”, a Bíblia não prega uma culpa por essa separação, ela está na interpretação que foi realizada pelos exegetas da igreja católica, influenciados pelo pensamento dualista cartesiano do século XVII.

 

O imenso prazer em disseminar a culpa está tão intimamente relacionado com a cultura cristã que não nos é possível prevenir-nos suficientemente com relação a ele. A culpa é o tema da religião[…] o problema não reside na Bíblia propriamente dita, e sim na política que a Igreja construiu a partir dela. […] Segundo sua exegese da lei mosaica, todos são culpados em tudo, e essa “culpa coletiva”, é pensada juntamente com a idéia do pecado original. Com a expulsão da unidade do Paraíso, toda a humanidade, enquanto descendência do primeiro homem, é pecadora, o que em seu significado original também queria dizer “apartada”. Ser apartado da unidade implica não somente castigo, mas também abnegação pelo trabalho ao longo de toda a vida, visando a uma reconquista da unidade. (DAHLKE,2006, p.16)

 

 Outra dicotomia encontrada no pensamento ocidental e que também influenciou a forma pela qual a religião dominante é compreendida, é entre o universo interno das pessoas e o externo a elas. Vive-se assim dois mundos paralelos onde o mundo humano está no homem e o divino passa a existir fora e distante desse indivíduo, vivido somente na projeção de seus ícones, sem o envolvimento dos conteúdos internos dos indivíduos. O mundo material separado do mundo espiritual promove uma vivência muito limitada, literal e materializada. A alma fica desprovida de um espaço próprio, onde possa ser vivida e cultivada, desprovida de sua função natural que é intermediar os dois reinos: espírito e matéria. JUNG, em seu livro “Psicologia e Alquimia” expõe essa situação ao falar sobre o vazio da alma na cultura cristã.

 

A cultura cristã mostrou-se assustadoramente vazia: nada mais do que um verniz externo, porquanto o homem interior permaneceu intocado, alheio à transformação. […] O Cristo em sua alma não acompanhou o desenvolvimento exterior. Sim exteriormente tudo aí está, na imagem e na palavra, na Igreja e na Bíblia, mas o mesmo não se dá dentro […] Poucos experimentaram a imagem divina como a qualidade mais íntima da própria alma. (JUNG, 1991, OCXII, §12)

 

O distanciamento da visão unitária, deixou o indivíduo cada vez mais identificado com a ilusão de separatividade tanto na relação consigo mesmo como no relacionamento com o outro, ficando a partir daí obrigado a construir muros ao invés de pontes para possíveis relacionamentos internos e externos.

Pode-se perceber um movimento que difere da noção chinesa taoísta que busca a unidade original através de práticas harmonizadoras dos opostos característicos da vida manifesta na matéria.

A dualidade na corrente de pensamento oficial da cultura hebraico-cristã, constantemente foi motivo de discórdias, disputas embora tenha promovido a partir desses confrontos a evolução da consciência social e individual do homem ocidental. Enquanto no oriente chinês, se buscou sempre a harmonização dos opostos, no ocidente essa possibilidade não podia oficialmente ser cogitada devido a característica básica de seu estilo de consciência que é a de ser incapaz de conseguir conviver com paradoxos, agindo sempre de forma a excluir o que se coloca em oposição a seus princípios. Mas, em correntes de pensamento extraoficiais, como a alquimia, a busca pelo pensar em termos de paradoxos se fez presente no mundo ocidental.

A partir do século XX, surge a possibilidade de uma nova interpretação que leva em consideração a integração dos opostos em geral e permite a convivência dos paradoxos numa consciência mais expandida.  Pode-se observar essa visão, no resgate dos contos e lendas que acompanharam os relatos da Bíblia do povo judaico, como relata GORION, pensador e escritor hebreu, ao fazer uma compilação desse material no livro “As Lendas do Povo Judeu”, que teve sua primeira edição em 1913. Apesar das oposições, há uma noção de interdependência entre elas o que permite pensar numa unidade subjacente e percebida somente recentemente.

 

Em sua sabedoria e em sua onipotência o Senhor criou tudo no mundo em duplicata e em toda parte um é correspondente do outro ou um complemento do outro, e se não fosse assim, não existiria nem um nem outro. Não houvesse morte, não existiria vida, mas se não houvesse vida, não existiria morte. Sem paz não haveria guerra e sem guerra não existiria paz; o Senhor criou ricos e pobres, espertos e tolos, vida e morte. Do contrário, não se veria a diferença entre ordem e devastação. Ele criou o atrativo e criou a aversão; criou o homem e a mulher, o fogo e a água; criou ferro e madeira, luz e escuridão, calor e frio, mar e terra, alimento e fome, bebida e sede; criou o andar e o mancar, a visão e a cegueira, a audição e a surdez; criou o trabalho e o ócio, a aflição e o desejo, o riso e o pranto, a doença e a cura – tudo isso, para revelar a onipotência do Senhor.

Não poderia o Senhor fazer com que nascessem crianças sem que o homem e a mulher se juntassem? Não, tudo surge apenas através da união e do contraste. (GORION,1980 p.33)

 

A união se dá na harmonia, esta ocorre no conjunto das partes como uma orquestra: cada instrumento aceita as características dos outros, e se complementa com seu potencial na totalidade, sem precisar de se sobressair.
Quando permitimos estar recíprocos à natureza, percebemos essa harmonia, somos uma parte no conjunto da diversidade: os elementos minerais, vegetais, animais, sem o anseio de que falta algo a mais para estarmos em paz!

Contemporâneo de Jung foi o padre jesuíta, filósofo, teólogo e paleontólogo Teilhard de Chardin. Chardin nasceu na França em 1881 e faleceu em Nova Iorque em 1955. Tornou-se conhecido por ter realizado através de seus estudos em teologia e pesquisas em paleontologia uma visão integradora entre a ciência e a teologia. A sua visão integrativa e evolucionista, criou um clima de contrariedade no Vaticano e ele foi obrigado a deixar sua cátedra na Universidade de Paris e embarcar para a China onde viveu exilado por 25 anos. Roma nunca permitiu a publicação de seus trabalhos. Somente mais recentemente é que foi descoberto e reconhecido como um precursor do pensamento moderno. Seus escritos que tinham ficado guardados puderam ser editados e têm sido lidos com grande interesse e procura. Mudança essa confirmada por uma publicação no jornal do Vaticano L’Osservatore Romano de 23 de dezembro de 2013, elogiando-o e reconhecendo-o como um “precursor” e um “cientista extraordinário”.

É possível observar que a noção de unidade começa a tomar força cada vez mais no ocidente também, com os estudos e descobertas nas ciências como a Física e a própria Psicologia Analítica bem como alguns setores da Medicina como a Psicossomática e a Homeopatia. A visão unitária ainda não conseguiu se estabelecer como uma visão geral e oficial mas já mostra os sinais da direção para onde o olhar do homem pós-moderno se encaminha.

A outra passagem bíblica que fala sobre o corpo, através da imagem da encarnação, é do Evangelho de Mateus capítulo16, versículo 24, costumo chamar esta passagem de “A Cruz da Encarnação”. Nesta passagem Jesus fala: “Se algum de vocês quiser me acompanhar, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me”. (Bíblia Sagrada, 2013). Este momento bíblico, na minha interpretação, é como se Cristo dissesse: “veja como eu faço, siga meu exemplo e me acompanhe. Eu tenho a minha cruz, reconheço-a, acolho-a e somente pregado a ela me desincumbirei das amarras que me prendem na vida. É nela e através dela que terei ido às últimas instâncias na integração total da imanência. Faça assim também. Reconheça qual e como é a sua cruz, abrace-a e tome consciência da sua crucificação na matéria também, reflita sobre ela. Permita se deixar crucificar para que ao morrer pregado nela possa conquistar a transmutação na ressurreição.”

Na cruz estão os quatro cantos do mundo e o Eu maior, que corresponde ao Self no centro.  É preciso que o ego estabeleça um vínculo consciente com o Self para que, seguindo o modelo de Cristo, Eu e o Pai sejam Um.

A institucionalização da religião no ocidente durante um período, ofertou uma outra visão desses ensinamentos cristãos. Porém, alguns se tornam mais conscientes da vida encarnada e seus propósitos. Assim sendo realizam estes propósitos ao dar continuidade ao processo da criação sem fazer da cruz um fim mas uma etapa para o renascimento com a ressurreição, no contínuo movimento alquímico do Solve et coagula e tornar a solver e coagular infinitamente: um materializar do espírito e um espiritualizar da matéria.

 

 

CAPÍTULO II

O CORPO NA PSICOLOGIA ANALÍTICA

 

“A Psique manifesta-se e vivencia-se através de um soma.”

WHITMONT, 1991, p.210

 

“[…] a nossa psicoterapia reconheceu seu objetivo, isto é, que o fator fisiológico e o fator espiritual têm que ser considerados em nível de igualdade” (JUNG, 1981, OC XVI/1, § 191)

 

JUNG sempre se referiu ao corpo como associado aos processos psíquicos.

 

A alma e o corpo são presumivelmente um par de opostos e, como tais, são a expressão de uma só entidade cuja natureza não se pode conhecer nem a partir das manifestações materiais exteriores nem através das percepções interiores e diretas. […]Externamente, este ser é um corpo material, mas, considerado do interior, parece constituído de uma série de imagens das atividades vitais que têm lugar no organismo. Os dois constituem uma só realidade.  (JUNG, 1984, OC VIII, §619)

 

Seu primeiro experimento científico foi com o teste de associação de palavras onde era medido o tempo de latência das respostas e estas estavam diretamente ligadas ao número e à qualidade da respiração, observando objetivamente o movimento diafragmático e torácico, que exatamente variavam conforme a implicação que tinham com os conteúdos inconscientes da pessoa submetida ao teste. Ou seja, já em suas primeiras pesquisas corpo e alma caminhavam lado a lado. Em 1930, No Seminários sobre Visões, quando se referia às visões de uma paciente, ele comenta:

 

Assim sendo, a individuação só pode ser realizada se você primeiro se voltar ao seu corpo, à sua terra, somente assim ela se tornará verdadeira. […] Ela precisa voltar à terra, ao  corpo, à sua singularidade e peculiaridade; de outra forma ela é a corrente da vida, ela é o rio por inteiro e nada aconteceu porque ninguém tornou essa vivência real.[6](JUNG, The Visions Seminars,vol.2,1976, p.473)

 

Nas conferências Tavistock em 1935, na Inglaterra, JUNG fala que as emoções e os afetos são obviamente, sempre acompanhados por enervações psíquicas e comenta que já existia um aparelho bastante sensível que permitia registrar as emoções em suas manifestações fisiológicas, tratava-se do  psicogalvanômetro. Este permitiu que ele pudesse comprovar empiricamente o efeito das emoções no corpo. A diminuição da resistência elétrica da pele, sob a influência emocional era detectada por esse aparelho de mensuração psicogalvânica. (JUNG,2000, OC XVIII/1, §48/49).

Nestas mesmas conferências, JUNG diz que as emoções podem alterar o equilíbrio das glândulas endócrinas, prejudicar a circulação sangüínea e a pressão arterial, impedir a digestão, modificar o ritmo respiratório e a temperatura do corpo.

 

A palavra “emocional” é invariavelmente aplicada quando surge uma condição caracterizada por inervações fisiológicas. Assim, pode-se medi-las até certo ponto, não em suas manifestações psicológicas, mas físicas. […]Dou o mesmo significado à emoção e ao afeto. São a mesma coisa que nos afeta, que interfere em nós. […]O indivíduo fica tão alterado como se uma explosão o tivesse arremessado para fora dos limites da sua pessoa. E nesse momento existe uma condição física realmente tangível e observável. Eis portanto a diferença 😮 sentimento não apresenta manifestações físicas ou fisiológicas tangíveis, ao passo que a emoção se caracteriza por uma condição fisiológica alterada. (JUNG, 2000, OC XVIII,§46)

 

Logo na primeira conferência, afirma que corpo e psique são os dois aspectos do ser vivo e que suas manifestações ocorrem de maneira simultânea, observação esta que o levou a cunhar um termo que ilustra essa existência simultânea, a sincronicidade:

 

Tudo o que se pode afirmar empiricamente é que processos do corpo e processos mentais se desenrolam simultaneamente e de maneira totalmente misteriosa para nós […] Corpo e psique são os dois aspectos do ser vivo, e isso é tudo o que sabemos. Assim prefiro afirmar que os dois elementos agem simultaneamente […] Para meu próprio uso cunhei um termo que ilustra essa existência simultânea; penso que existe um princípio particular de sincronicidade ativa no mundo, fazendo com que os fatos de certa maneira aconteçam juntos como se fossem um só, apesar de não captarmos essa integração.

(JUNG,2000, OC XVIII, §70)

 

Em 1936, por ocasião da Harvard Tercentenary Conference of Arts and Sciences, ao falar sobre as “Determinantes psicológicas do comportamento humano”, JUNG aborda novamente o tema da união corpo-alma, colocação essa que o torna um dos pioneiros da medicina psicossomática a qual vinha despontando nas primeiras décadas do século XX.

 

A alma humana vive unida ao corpo, numa unidade indissolúvel, por isto só artificialmente é que se pode separar a psicologia dos pressupostos básicos da biologia e, como esses pressupostos biológicos são válidos não só para o homem, mas também para todo o mundo dos seres vivos, eles conferem aos fundamentos da Ciência uma segurança que supera os do julgamento psicológico que só tem valor na esfera da consciência. Por isso não deve causar surpresa que os psicólogos se sintam inclinados a retornar à segurança do ponto de vista biológico e utilizem a teoria dos instintos e da fisiologia. Também não é de espantar a existência de uma opinião largamente difundida que considera a psicologia meramente como um capítulo da fisiologia. Embora a psicologia reclame, e com razão, a autonomia de seu próprio campo de pesquisa, ela deve reconhecer uma extensa correspondência de seus fatos com os dados da biologia. (JUNG,1984, OC VIII, § 232)

 

A associação simbólica entre mãe e corpo aparece em vários momentos de sua obra, como exemplificado aqui, ao falar sobre a análise do sonho de uma jovem de 17 anos, com atrofia muscular progressiva:

 

Mãe é um arquétipo que indica origem, natureza, o procriador passivo (logo, matéria, substância) e, portanto a natureza material, o ventre (útero) e as funções vegetativas e por conseguinte também o inconsciente, o instinto e o natural, a coisa fisiológica, o corpo no qual habitamos ou somos contidos. Mãe enquanto vaso, continente oco (e também ventre), que gesta e nutre, exprime igualmente as bases da consciência. Ligado ao estar dentro ou contido, temos o escuro, o noturno, o angustioso (angusto=estreito). Com estes dados estou reproduzindo uma parte essencial da versão mitológica e histórico-linguística do conceito de mãe, ou do conceito do Yin da filosofia chinesa […] enquanto símbolo, “minha mãe” designa algo que no fundo se opõe obstinadamente à formulação conceitual, algo que se poderia definir vagamente e intuitivamente como a vida do corpo, oculta e natural.

(JUNG,1987, OC XVI, §344 e 345)

 

Ao longo de sua vida de pesquisa e experimentação da psique incluindo a si mesmo nessa pesquisa, demonstrada em seu Livro Vermelho, Jung pôde perceber grandes diferenças culturais entre as pessoas, porém com a ressalva de que existe um substrato comum a todos independente de cultura e raça, o qual chamou de inconsciente coletivo:

 

[…] assim como a anatomia do corpo humano é a mesma, apesar das diferenças raciais, assim também a psique humana possui um substrato comum, que ultrapassa todas as diferenças de cultura e de consciência. A esse substrato dei o nome de inconsciente coletivo. (JUNG, 2003, OC XIII, §11).

 

Assim, corpo e alma caminham de mãos dadas e ambos possuem um substrato comum a todos, uma unidade original. Desta unidade original surge a consciência do eu, que em um primeiro momento, é vivenciada a partir do corpo, demonstrando esta identidade primeira. De acordo com WHITMONT:

 

[…] A primeira auto-imagem é idêntica à imagem corporal; então surge a consciência da pessoa como um corpo que tem um nome que vem a ser vivenciado como meu corpo. […]  A consciência do ego fundamenta-se portanto, nos sentidos físicos, em termos de imagens sensoriais de registro, como Jung as chamou. A consciência ‘total’ transcendente do Self torna-se restrita às limitações do sistema de referência sensório-perceptivo do corpo físico. A psique manifesta-se e vivencia-se através de um soma. Em consequência dessa somatização ou encarnação, surgem certas formas do condicionamento do ego determinadas pelo corpo. (WHITMONT,1991, p.210)

 

Ainda conforme WHITMONT a base para a possibilidade da consciência se assenta na relação dualista sujeito e objeto, a partir do nascimento com a perda da realidade unitária, no momento em que a criança se separa da mãe. Um movimento de separação entre eu e inconsciente e também uma constante busca por encontro entre sujeito e objeto, entre eu e inconsciente:

 

Assim, o desenvolvimento do ego humano é basicamente condicionado pelo polo divisor Yang da separação e o pólo de união conectador Yin, e continua a desdobrar-se entre eles. Entre essas polaridades de separação e encontro – a perda da unidade e o restabelecimento da unidade através do encontro – o sentido de identidade continua a crescer por toda a vida do indivíduo. (WHITMONT, 1991, p.211)

 

Em suas pesquisas, Jung encontrou na Alquimia medieval, como uma corrente que corria submersa ao pensamento oficial, a visão da unidade corpo-alma e todo o trabalho realizado pelos alquimistas, na busca dessa união original.

A busca dessa unidade original, aparece também na filosofia oriental e na Psicologia Analítica e o substrato comum na psique humana é o que permite fazer a analogia entre esses conteúdos de culturas tão distantes e diferentes. Ambas trabalham, usando da imaginação tanto num corpo visível como em um corpo sutil (alma) de natureza semi-espiritual, que também possui substancialidade, que promove a ligação entre estes dois mundos, material e espiritual e que está presente nesses dois mundos. Citando o trabalho dos alquimistas medievais, JUNG, (1991, OC XII, §397) afirma que “a alma é evidentemente uma “anima corporalis” que mora no sangue. Para os chineses, o Qi. Comenta também que na escala tântrica dos chakras, no induísmo, esta anima localizar-se-ia abaixo do diafragma. Local semelhante na visão taoísta, o Dantien médio ou campo do cinábrio.

 

                                                                                       

II.1.  JUNG E TAOÍSMO

 

O viés dentro da psicologia analítica pelo qual este trabalho está a olhar o corpo é através das práticas corporais orientais advindas do taoísmo. Ao longo dos 18 volumes traduzidos para o português de suas obras completas, Jung se refere várias vezes sobre o TAO e faz uma conexão entre a personalidade e o TAO, entre o Processo de Individuação e a realização do TAO. A partir do volume 6, o TAO é citado em todos os volumes seguintes, sem exceção. No volume XX, Índices Gerais – Onomástico e Analítico das Obras Completas (2011, p.638), estão listadas as 75 vezes em que Jung aborda o TAO. Em seus seminários também, esse tema é citado com bastante freqüência. Assim sendo, vamos agora caminhar por alguns desses olhares.

Na segunda conferência que Jung proferiu em Tavistock, em 1935, ele se refere ao TAO, comentando que o Oriente baseia seu pensamento e sua avaliação de fatos por um princípio para o qual não temos nenhuma palavra e que escapa a nossa compreensão e esse princípio é o TAO.  O TAO pode ser  Tudo e ele utiliza a palavra Sincronicidade, mesmo achando-a pobre, para designá-lo.

 

É mais ou menos assim: a gente está na praia e as ondas trazem um chapéu velho, um sapato, uma caixa, um peixe morto, que ficam ali na areia. Olhamos e dizemos: “Acaso. Mera bobagem. ” O chinês se pergunta: “O que significam todas essas coisas junto? ” A mente oriental trabalha com esse estar junto, no mesmo instante. (JUNG,2000, OC XVIII/1, §144)

 

É uma visão onde tudo está junto, pertence à uma unidade e essa unidade é o TAO. Todas as práticas taoístas, sejam corporais ou meditativas, assim como a medicina tradicional chinesa, visam a harmonização dessa unidade e totalidade para que tudo funcione em perfeita sincronia entre o macro e o microcosmos representado pelo homem.

Franklin CHANG, em seu artigo Taoísmo e Transformação cita Ko Hung, um famoso filósofo e alquimista taoísta do século IV d.C. que assim se expressa sobre o estar no TAO:

 

Quando nossas pessoas estão centradas e o Estado é governado de acordo com o Tao, os planetas mantêm seus cursos, yin e yang o seu balanço, as quatro estações as suas temperaturas características, e os ventos e as chuvas não se tornam desastrosos. Quando a luz vem do alto, as colheitas são boas, não há pragas, não acontecem desastres e nem existem preparativos para a guerra. Quando o Tao declina, os tempos ruins aparecem e as deficiências surgem. Somente nos períodos de abundância é que as coisas melhoram naturalmente; e é só nos períodos de deficiências que as depravações abundam e as punições se tornam severas. A população se torna inquieta, enchentes de um lado e sol excessivo de outro afetam a terra, ladrões, revoltas, lutas pelo poder até entre pais e filhos, doenças e pragas aumenta. O Tao e a vida natural entram em decadência.(CHANG,2001,p. 2)

 

A unidade da vida e consciência se expressa no Tao que enquanto expressão/imagem da totalidade nos conduz ao conceito de símbolo, que para JUNG, é aquele que conecta, que contém a totalidade dos significados e todos os seus opostos. O Tao dá a origem ao movimento de harmonização entre esses opostos e é representado pelo Tai Ji (fig.7).

 

Fig.7 TAI JI

  

Thomas MERTON em seu livro A Via de Chuang Tzu, traz a conversa entre um mestre taoísta e seu discípulo sobre o que seria o Tao:

 

“Mestre Tung Kwo perguntou a Chuang:

“Mostre-me onde pode o TAO ser encontrado”.

Respondeu Chuang Tzu:

“Não há lugar onde ele não possa ser encontrado”.

O primeiro insistiu:

“Mostre-me, pelo menos, algum lugar preciso

onde o TAO possa ser encontrado”.

“Está na formiga”, disse Chuang.

“Está ele em algum dos seres inferiores?”

“Está na vegetação do pântano”.

“Pode você prosseguir na escala das coisas?”

“Está no pedaço de taco”.

“E onde mais?”

“Está nesse escremento”…

O TAO é Grande em tudo,

Completo em tudo, Universal em tudo,

Integral em tudo. Estes três aspetos

São distintos, mas a Realidade é o Uno.

 

“Portanto vem comigo

Ao palácio de Nenhures

Onde todas e muitas coisas são uma só:

Lá, finalmente, poderíamos falar

Do que não tem limites nem fim.

Vem comigo à terra do Não-Agir:

O que diremos lá – que o TAO

É a simplicidade, a paz,

A indiferença, a pureza,

A harmonia e a tranqüilidade?

Todos estes nomes

Deixam-me indiferente

Pois suas distinções desapareceram.

Lá minha vontade não tem alvo.

Se ela vai e volta, não sei

Onde repousa. Se vagueia,

Ora aqui, ora ali, não sei onde terminará.

A mente permanece instável no grande Vácuo.

Aqui, o saber mais elevado

É limitado. O que concede às coisas

Sua razão de ser, não pode limitar-se pelas coisas.

Assim, quando falamos em “limites”,

Ficamos presos às coisas delimitadas.

O limite do ilimitado chama-se “plenitude”.

O ilimitado do limitado chama-se “vazio”.

O TAO é a fonte de ambos. Mas não é, em si,

Nem a plenitude, nem o vazio.

O TAO produz tanto a renovação quanto o desgaste,

Mas não é nem a renovação, nem o desgaste.

Produz o ser e o não-ser,

Mas não é nem um, nem outro.

O TAO congrega e destrói,

Mas não é nem a Totalidade, nem o Vácuo”. (MERTON,1984 p.158)

 

Em 1932, numa conferência em Viena sob o título “A voz do íntimo”, que se encontra em O Desenvolvimento da Personalidade, volume XVII de suas obras completas, JUNG faz uma analogia entre a realização da personalidade e o Tao ao dizer que quando um indivíduo se torna uma personalidade, atinge a totalidade. E para chegar a essa totalidade ele tem um caminho para descobrir e seguir.

 

O caminho por descobrir é como algo psiquicamente Rico, que a filosofia chinesa chama de TAO, e comparando-o a um curso de água que se movimenta inexoravelmente para a meta final. Estar dentro do TAO significa perfeição, totalidade, desígnio cumprido, começo e fim, e a realização completa do sentido inato da existência. Personalidade é TAO. (JUNG, 1991, OC XVII, §323).

 

Também nos diz em seu livro “O Segredo da Flor de Ouro” que:

 

Se compreendermos o Tao como método ou caminho consciente, que deve unir o separado, estaremos bem próximos do conteúdo psicológico do conceito[…] A meta dessa unificação é: a obtenção da vida consciente, ou, como dizem os chineses: a realização do Tao. (JUNG,1987, p.37)

 

A analista junguiana Marie-Louise von FRANZ em seu livro “O Gato”, dá uma noção da importância e significado do TAO para a cultura chinesa quando diz que na China, o imperador não governava, não ficava a dar ordens, o que “governava” era o estar em contato com o TAO, o fator essencial que garantia o bem-estar de seu país:

 

Na China, não era função do imperador governar, dar ordens ou fazer o que quer que fosse. Ele precisava falar um pouco e observar todas as leis, mas falar o menos possível e principalmente cuidar do seu equilíbrio interior. Assim, ele era muito mais um sacerdote, ou um imperador-sacerdote, porque estar em contato com o TAO era o fator essencial que garantia o bem-estar da China. Vemos então claramente que ele representa o Si-mesmo. (FRANZ, 2011, p.27).

 

E é a partir dessa perspectiva que é tomado como propósito, o cultivo do TAO também na vida pessoal, através das práticas corporais que estão pouco a pouco adentrando na cultura ocidental.

 

 

II.2.  TAO E SIMBOLO

 

           O TAO em si é um símbolo, expressa algo muito profundo e muito abrangente, como todo o símbolo possui significados infinitos. A prática oriental sobre a qual esta monografia se debruça chama-se justamente “Qi Gong dos Símbolos”, na qual cada movimento é um símbolo de amplo alcance. O pensamento simbólico também é a base do pensamento junguiano.

A palavra Símbolo vem do grego symbolon que é composta pelo prefixo sym e o verbo bolon, com os respectivos significados: sym=junto e bolon=colocar. Ou seja, significa “aquilo que foi colocado junto”, seja por afinidade, semelhança ou significado. JUNG explica o conceito de símbolo e assim o diferencia do conceito de sinal:

 

Aqueles conteúdos conscientes que nos dão uma chave para o substrato inconsciente são chamados por Freud incorretamente de símbolos. Entretanto, não são símbolos verdadeiros, uma vez que, de acordo com sua teoria, têm eles meramente o papel de sinais ou sintomas dos processos subliminares. O verdadeiro símbolo difere essencialmente disso e deveria ser compreendido como uma idéia intuitiva que ainda não pode ser formulada de outra, ou de uma melhor forma.(JUNG, 2000, OC XV, §105)

 

No Dicionário Crítico de Análise Junguiana, encontra-se que a natureza do símbolo é paradoxal e representa o terceiro fator ou oposição que não existe na lógica, mas fornece uma perspectiva a partir da qual se pode fazer uma síntese dos elementos opostos.

 

Os símbolos são expressões pictóricas cativantes que controlam, ordenam e dão SIGNIFICADO a nossas vidas. Sua fonte pode ser buscada nos próprios arquétipos que, por meio dos símbolos, encontram uma expressão mais plena. São retratos indistintos, metafóricos e enigmáticos da realidade psíquica. Portanto, o símbolo nem é um ponto de vista alternativo nem uma compensação per se. Ele atrai nossa atenção para uma outra posição que, se apropriadamente compreendida amplia a personalidade existente além de solucionar o conflito. Resulta que, embora sem dúvida existam símbolos da totalidade, são de uma ordem diferente. É possível que todos os símbolos se tornem símbolos da totalidade, de certo modo.

O símbolo é uma invenção inconsciente em resposta a uma problemática consciente. Daí, os psicólogos muitas vezes falarem de “símbolos unificadores” ou símbolos que reúnem elementos psíquicos díspares, “símbolos vivos” ou que estão entrelaçados com a situação consciente do indivíduo, e “símbolos de totalidade” que são pertinentes e imanentes à realização do self.

Os símbolos não são alegóricos, pois então seriam mais ou menos algo já familiar, porém são expressivos já de alguma coisa intensamente viva, poder-se-ia dizer “excitante” na ALMA. (SAMUELS, SHORTER E PLAUT,1988, p. 201)

 

O significado de um símbolo está longe de ser óbvio; em vez disso, é expresso em termos únicos e individuais, e ao mesmo tempo participam de imagens universais. Quando trabalhados (isto é, recebendo reflexão e articulação), podem ser reconhecidos como aspectos daquelas.

JUNG, no volume de suas obras completas Civilização em Transição, assim se refere sobre a origem do símbolo em relação à sua função compensatória, dentro da dinâmica da psique:

 

Mas qual é a origem do símbolo? Com esta pergunta chegamos à função mais importante do inconsciente: a função criadora de símbolos. Com esta função acontece algo singular.

Só existe sob certas condições. A função compensatória (complementar) é a função natural e sempre à disposição do inconsciente. Resulta do simples fato de que todas as emoções, pensamentos, desejos e tendências passíveis de interferir em nossa vida racional são dela excluídos, passando para o plano de fundo e caindo finalmente no inconsciente. É lá que aos poucos se vai reunindo tudo aquilo que foi reprimido ou recalcado, tudo que ignoramos ou desvalorizamos. Com o passar do tempo, tudo isso vai crescendo e começando a exercer influência sobre o consciente. Essa influência estaria diretamente em oposição à nossa atitude consciente, se o inconsciente consistisse apenas de conteúdos reprimidos e excluídos da consciência. Mas, como vimos, não é assim. O inconsciente contém também as obscuras fontes do instinto e da intuição, a imagem do homem como sempre foi desde tempos imemoriais, além daquelas forças que a mera racionalidade, conveniência e sensatez de uma vida burguesa jamais poderiam despertar para uma ação vital, aquelas forças criativas que sempre de novo conseguem levar a vida do homem a novos desdobramentos, novas formas e novos horizontes. Por isso não considero a influência do inconsciente sobre a consciência simplesmente como oposição, mas como compensação, complementação, na medida em que é capaz de acrescentar à consciência tudo aquilo que impede o ressecamento e entorpecimento numa direção unilateral. (JUNG, 2000, OC X/3, §25)

 

O pensamento simbólico é inerente ao ser humano desde a sua origem. ELIADE nos diz que o símbolo pertence à substância da vida espiritual, e que jamais poderemos eliminá-lo. Os aspectos mais profundos da realidade são revelados pelo símbolo. Para ele o pensamento simbólico precede a linguagem e a razão discursiva. “As imagens, os símbolos e os mitos não são criações irresponsáveis da psique, elas respondem a uma necessidade e preenchem uma função: revelar as mais secretas modalidades do ser” (ELIADE, 1979, p. 13).

Um dos maiores feitos do homem foi conquistar a atitude simbólica em relação aos fenômenos que vivencia. Ter e desenvolver uma “atitude simbólica” é conseguir um olhar para a vida que vai além do manifestado literalmente, concretamente. Uma visão que penetra e traz do inconsciente o que ele está desejando expressar. Só através do símbolo o inconsciente pode ser atingido e expresso, pois é somente o símbolo que faz a junção do que é conhecido com todos os seus significados desconhecidos.

 

Esta atitude que concebe o fenômeno dado como simbólico, podemos denominá-la atitude simbólica. Só em parte é justificada pelo comportamento das coisas; de outra parte é resultado de certa cosmovisão que atribui um sentido a todo evento, por maior ou menor que seja, e que dá a este sentido um valor mais elevado do que a pura realidade. (JUNG, 1986, OC VI, §908)

 

E a tão buscada integração, o processo de individuação, também só se processa em um nível que permita a coexistência de consciente e inconsciente, portanto numa função que seja transcendente e que o símbolo expressa tão bem.

 

A essa capacidade da psique de formar símbolos, isto é, de unir pares opostos no símbolo para uma síntese, Jung chama de sua função transcendente, que ele não entende como uma função básica (como o pensar ou o sentir, que são funções do consciente), mas como uma função complexa, composta de várias funções; e “transcendente” não significa para ele uma qualidade metafísica, mas o fato de que, por meio dessa função, se cria uma passagem de um lado para outro. (JACOBI, 1986, p.91-92).

 

Além de conter infinitos significados, o símbolo também é um instigante mobilizador de energia porque atinge o indivíduo de forma ampla e abrangente, muito além de sua forma visível.

 

Um símbolo permanece um desafio perpétuo para nossos pensamentos e sentimentos. Isso provavelmente explica a razão por que um trabalho simbólico é tão importante, por que nos domina tão intensamente, mas também porque raramente nos propicia um prazer puramente estético. (JUNG, 2000, OC XV, §110)

 

O símbolo também é a reunião do corpo e da alma para JUNG (2008, OC IX/1, §291): “[…] O símbolo é corpo vivo, corpus et anima.[…].”

No que tange ao objetivo deste trabalho, torna-se importante analisar o símbolo do TAO. No livro “O Segredo da Flor de Ouro”, JUNG diz que WILHELM traduziu o termo Tao por sentido e diz ser o sentido, a tarefa da vida a realização do TAO:

 

Transpor para a vida este sentido, ou seja, realizar o Tao, constitui a tarefa dos discípulos. Entretanto, o Tao não se realiza por palavras ou bons ensinamentos. Saberemos com certeza como ele surge entre nós ou ao nosso redor? Seria por imitação? Ou seria pela razão ou ainda por acrobacia da vontade? […] O espírito do Oriente está ante portas (à nossa porta). Parece-me, portanto, que a realização do Sentido, a busca do TAO, já se tornou uma manifestação do coletivo muito mais forte do que imaginamos.[…]Poderia ser uma perigosa infecção mas talvez seja um remédio.[…] O emaranhado babilônico do espírito ocidental produziu uma tal desorientação, que todos anseiam por verdades mais simples ou, pelo menos, por idéias que falem não somente ao intelecto, como também ao coração, trazendo clareza ao espírito observador e paz ao incessante turbilhão de sentimentos.

(JUNG E WILHELM,1987, p.17 e 18)

 

O físico CAPRA se refere ao Tao e aos mestres taoístas como realizadores de um trabalho altamente científico de exploração dos atributos e funções da natureza pela concentrada observação e comenta sua experiência pessoal ao entrar em contato com a sabedoria oriental:

 

“Os sábios taoístas concentravam toda a atenção na observação da natureza, a fim de discernir os “atributos do tao”. Assim, desenvolveram uma atitude que é em essência científica; apenas sua profunda desconfiança acerca do método analítico de raciocinar impediu-os de formular teorias científicas propriamente ditas. Não obstante, sua meticulosa observação da natureza, associada a uma forte intuição mística, levou-os a percepções profundas que são hoje confirmadas pelas teorias científicas modernas. A profunda sabedoria ecológica, a abordagem empírica e o tom especial do taoísmo – que eu talvez pudesse descrever melhor como “êxtase sereno” – eram-me tremendamente atraentes, de modo que o taoísmo, de forma bastante natural, tornou-se para mim o caminho a ser seguido .(CAPRA,2004, p. 28)

 

Assim sendo, existe uma relação entre o trabalhar a busca da individuação, que é a totalidade integrando opostos e a busca taoísta que também almeja a totalidade pela integração dos opostos.

                                                                                           

II. 3. CORPO EM MOVIMENTO:  O CONSTANTE MOVIMENTO DA VIDA

 

Vida é movimento e movimento é vida. O movimento flexibiliza, aquece e permite que o fluxo da vida se mantenha constante.

Todas as linguagens – imagens, símbolos, palavras, idéias, pensamentos, sentimentos, emoções – são manifestações posteriores à criação do universo. Todas essas manifestações correspondem a formas limitadas, passageiras, temporárias e impermanentes. Os valores atribuídos às coisas mudam conforme o tempo e o destino. O que hoje é valorizado, considerado nobre, bonito e inovador, amanhã certamente não será mais.

Para o chinês, tudo está se movimentando e se transformando. Paradoxalmente, o único fato que permanece é justo a mutação.

O movimento está tão ligado à vida quanto à rigidez está ligada à morte.

LOPEZ-PEDRAZA trabalha a característica do movimento no processo terapêutico. Assim como Jung, coloca Hermes, como agente e guia desse processo pela sua qualidade dinâmica.

 

Infelizmente, ao longo de sua história, o homem ocidental preservou cada vez menos maneiras de ser iniciado na natureza de sua própria psique; a iniciação, portanto, tornou-se uma das principais áreas de interesse de Jung dentro da psicoterapia, a saber, a iniciação na natureza do inconsciente reprimido, processo que é fundamental a qualquer resgate do equilíbrio psicodinâmico. Essa é por conseguinte, uma perspectiva da psicoterapia em que Hermes – na qualidade de arquétipo do inconsciente – é o guia: o único, quase o tempo todo.

Para mim, o movimento psíquico encontra-se não só no cerne mesmo da psicoterapia, como também no da própria vida.(LOPEZ-PEDRAZA,1999,p.7e 8)

 

Para PEDRAZA, a falta de movimento petrifica e promove o adoecer.

A meta da individuação não é um estado de perfeição e sim um processo contínuo cujo objetivo é trabalhar na direção do ser como um todo, na integração de diversos aspectos de sua personalidade, a busca do ser por inteiro, íntegro. Um processo que busca a conexão: “indivíduo” como um ser não dividido. Como processo, se faz durante a vida toda. É um tornar-se, um vir-a ser.

A própria psique busca esta integração através da lei da enantiodromia. Lei que pela primeira vez aparece em Heráclito na antiga Grécia, que já apresentava a idéia de que tudo está em movimento, que não se pode tomar  banho duas vezes no mesmo rio, e que tudo tende a se reverter ao seu oposto. “Tudo flui e nada permanece; tudo se afasta e nada fica parado… Você não consegue se banhar duas vezes no mesmo rio, pois outras águas e ainda outras sempre vão fluindo…. É na mudança que as coisas acham repouso[…].”[7]

A enantiodromia, conforme o Dicionário Crítico de Análise Junguiana, é um fato da vida de todo ser humano para JUNG:

 

A ubiqüidade de suas referências à enantiodromia (clínica, simbólica e teórica) demonstra que, para Jung, não era uma fórmula, mas uma realidade, não somente um desenvolvimento psíquico pessoal mas também da vida coletiva. […]O reconhecimento da inevitabilidade da mudança enantiodrômica ajudava Jung a antecipar um deslocamento psíquico, e ele acreditava que era possível tanto prevê-la como se relacionar com ela, constituindo tal atitude a essência da CONSCIÊNCIA.

Aplicou o termo à emergência de OPOSTOS inconscientes correspondentes aos pontos de vista mantidos ou expressos pela consciência. Se uma tendência extrema, unilateral domina a vida consciente, oportunamente uma contraposição igualmente poderosa se ergue na PSIQUE. (SAMUELS, SHORTER E PLAUT.1988,p.68)

 

A vida assim como a psique se expressa em pólos opostos que estão em constante movimento. Cada pólo contém em si a semente do seu oposto e quando está pleno começa a gerar ele próprio o seu oposto. Quando o pólo Yang está em seu máximo, começa a gerar o pólo Yin. É o princípio de autogeração, assim fala a visão taoísta chinesa e que se encontra em conformidade com as conclusões das pesquisas realizadas por Jung.

O fluir da energia pelos opostos na psique manifesta-se em sonhos, em sintomas, na expressão artística ou literária – e em sua forma simbólica de se colocar traz conteúdos para serem integrados pela consciência. Conteúdos estes que, pela ausência dessa luz consciente, encontram-se à sombra, ou seja, inconscientes. À medida que essas expressões são acolhidas e integradas na consciência, o processo de unificação acontece.

Um processo que acontece de forma simbólica justamente por ser a conexão entre a consciência e o inconsciente e de acordo com JUNG: “a união dos opostos num nível mais alto da consciência, não é uma questão racional e muito menos uma questão de vontade, mas um processo de desenvolvimento psíquico, que se exprime em símbolos.” (JUNG, 2003, OC XIII, §31).

Esta dança dos símbolos, expressão do movimento da vida e da psique, está em tudo o que é da natureza e dos seres. Pode ser vista também na relação entre as emoções e o corpo físico, entre cultura e natureza, entre a espiritualidade e a materialidade.

Para o saber oriental, através das palavras de Confúcio, o bem-estar emocional e físico estão intimamente relacionados com o bem-estar social e espiritual. Assim como, o mal-estar é visto como físico e emocional.

 

Quando a Natureza prevalece sobre a Cultura, obténs um selvagem. Quando a Cultura prevalece sobre a Natureza, obténs um pedante.

Quando a natureza e a cultura estão em equilíbrio, obténs um cavalheiro.

(CONFÚCIO,2009, 6.18,p.16)

 

É neste constante movimento natural em busca do equilíbrio que a prática da psicoterapia e as práticas orientais visam favorecer, cultivar, refinar e harmonizar a vida do praticante. Um movimento para integração dos opostos.

PEREIRA (2009, p.225), no texto “Reflexões sobre movimento e imagem”, lembra que na mitologia indiana o mundo foi criado através do movimento: “Encontramos na mitologia indiana que o universo originou-se dos pés dançantes do deus Shiva.” Shiva, cria com uma das mãos e destrói, com outra, um eterno movimento de vida e morte. Pode-se assim pensar que o movimento, no caso a prática dos exercícios do Qigong, qual o mito cosmogônico, fornece a possibilidade de materialização do mundo psíquico. Pensado assim, o movimento coagula as imagens, fornece corpo para as imagens psíquicas.

 

CAPÍTULO III

VIVENDO DE CORPO E ALMA O SEGREDO DA FLOR DE OURO

 

“Em alguma parte, alguma vez, houve uma Flor, uma Pedra, um Cristal;

uma Rainha, um Rei, um Palácio; um Amado e uma Amada,

há muito tempo, no Mar, numa Ilha, há cinco mil anos…

É o Amor, é a Flor Mística da Alma, é o Centro, é o Si-Mesmo.

[…] Ninguém entende isso, a não ser alguns poetas, somente eles me compreenderão…”

(JUNG.IN: SERRANO, 1973, p.76,77)

 

 

Numa série de movimentos desenvolvida por Maria Lúcia Lee[8], professora de artes corporais e filosofia chinesa, que são baseados no Tai Ji Qi Gong e que se chama Qi Gong dos Símbolos, se realiza este trabalho: integrar os opostos e realizar o TAO através do corpo.

Os seus movimentos atuam:

– No enraizamento do espírito.

– Na harmonização dos sopros (qi).

– Na vitalização do corpo físico

Esta prática é composta de 21 movimentos que expressam o pensamento simbólico dos chineses em relação à criação da consciência e vida. Cada movimento da prática tem uma imagem específica, com seus inerentes significados. Por exemplo, há um movimento chamado “Pombo abre as asas”, tem-se neste a imagem um movimento de possibilidade de vôo e vários desdobramentos de significados simbólicos intrínsecos a ela.

Partindo de movimentos corporais, que equilibram e harmonizam a energia, entra-se em contato com a natureza sutil do ser. Através das imagens e também pela simbologia destas e dos movimentos, é promovida a integração de seus significados – fato que estabiliza o ser.

Como parte-se da unificação corpo e alma, estes movimentos físicos da prática física também atuam psiquicamente. Em termos psíquicos conteúdos pessoais e coletivos entram em relação e ganham a possibilidade da harmonização, formando uma unidade integrada no praticante.

Tais movimentos, a meu ver, expressam muito do trabalho que a psicoterapia analítica busca realizar em seu “laboratório” terapêutico. Esta conexão entre a prática chinesa e a prática da psicoterapia se estabeleceu e minhas reflexões pois os significados simbólicos da prática do Qi Gong são, de alguma forma, semelhantes aos significados simbólicos que JUNG extrai do tratado alquímico descrito em seu texto “O Segredo da Flor de Ouro”.

Este texto demonstra a busca pelo TAO descrita pelo tratado alquímico através de práticas de respiração e meditação. Uma busca pela unificação revelada através dos “segredos”, dos sentidos sutis, da prática:

 

Mestre LÜ DSU dizia: àquilo que é por si mesmo denominamos sentido (TAO). O sentido não tem nome, nem forma. É o ser uno, o espírito originário e único. Ser e vida não podem ser vistos, estão contidos na luz dos céus. A luz do céu não pode ser vista, está contida nos dois olhos. Hoje serei vosso guia e revelar-vos-ei o Segredo da Flor de Ouro do Grande Uno; a partir daqui explicarei pormenorizadamente o que se segue.

O Grande Uno é a designação daquilo além do qual nada mais existe. O segredo da magia da vida consiste em utilizar a ação para chegar à não-ação; não podemos passar por cima de tudo, pretendendo penetrá-lo diretamente. O princípio tradicional é tomar nas mãos o trabalho com o ser. Através disto evitar-se-ão extravios. A Flor de Ouro é a Luz. (JUNG e WILHELM,1987 p.97).

 

São movimentos que mobilizam símbolos arquetípicos ligados a natureza como: céu e terra, árvore, aves e antigas funções de trabalho como girar a moenda e tecer na laçadeira. E, portanto, ligados à natureza psíquica em sintonia a estes. Uma alquimia do ser como um Todo.

 

 

III.1. Histórico do Qigong dos Símbolos e suas características

 

A própria palavra Qi Gong já é um símbolo composto dos dois diagramas abaixo, com seus respectivos significados:

QI para a filosofia chinesa e a Medicina Tradicional Chinesa é a energia que anima tudo o que existe. Que preenche por dentro e abraça por fora. No ocidente hebraico cristão, equivale ao Sopro Divino que o boneco de barro recebe de seu Criador e passa então a ter vida própria e recebe o nome de Adão.

 

GONG significa tanto trabalho como arte.

O lendário Imperador Amarelo (HuangDi), que reinou no período de 2600ª.C a 2400 a.C, foi um dos fundadores da civilização chinesa e criador das técnicas de Medicina Tradicional Chinesa, da qual fazem parte os exercícios terapêuticos. Desde essa época inúmeros santos, sábios e médicos criaram, desenvolveram e ensinaram movimentos corporais que tinham por finalidade fortalecer a mente, o corpo e as emoções.

Atualmente, a China possui milhares de exercícios para todos os tipos de necessidades. Apesar da diversificação, todos eles têm um princípio em comum: O Dao In, que significa a indução da movimentação natural do Qi e do sangue, são movimentos terapêuticos muito antigos. Seu princípio é: chacoalhar os músculos e os ossos para movimentar as articulações e mobilizar o Qi e o sangue.

Em 1973, nas escavações realizadas na tumba número 3 da época da Dinastia Han (206 a.C a 220 d.C), em Ma Wang Dui, Changsha, na China, foram encontrados livros de medicina que continham peças de seda com desenhos de mais de 40 posturas de Dao In; abaixo (fig.8) são as ilustrações mais antigas dessa prática, de toda a história chinesa.

 

Fig.8. Pintura restaurada das encontradas em seda. (Daoyintu)

 

Existem mais de 3000 formas de Qigong, que se baseiam em 3 postulados: postura, respiração e consciência, e num estado mais avançado: o cultivo de caráter espiritual. Existem três escolas principais:

 

Na China atual a prática de Qi Gong está dividida em três escolas principais: médica, marcial e espiritual. As três escolas baseiam-se no mesmo sistema filosófico e partilham muitas técnicas, diferindo principalmente no objetivo de aplicação. A escola médica treina médicos e terapeutas em técnicas especiais de Qigong para a manutenção da saúde e longevidade, prevenção da doença, diagnóstico e tratamento de doenças e desequilíbrios, a escola marcial treina praticantes de artes marciais para o desenvolvimento da sua força e poder e a escola espiritual treina praticantes na busca de transformação espiritual e iluminação.  (BRANDÃO,2012, p.30)

 

O Qigong pode ser considerado uma aeróbica interior.

O Qi, como uma energia aeróbica envolvendo ar, vapor e pressão, pressiona o corpo e circula por ele como uma forma de proteção.
Pode-se comparar a pressão interna criada pelo Qi à força do ar comprimido em um pneu que é suficiente para conservá-lo cheio e manter um colchão de ar entre o veículo e o piso de rolamento. O pneu cheio de ar produz um amortecimento protetor.

Apesar dos muitos estilos e escolas de Qi Gong, todas partilham dos mesmos princípios essenciais:

  1. Regulação do corpo – o corpo é mantido numa posição estacionária ou executa uma série de movimentos específicos;
  2. Regulação da mente – a mente é limpa de todos os elementos de distração e focada num único pensamento ou na visualização meditativa do Qi a circular pelo corpo;
  3. Regulação da respiração – respiração lenta e profunda, cerca de quatro ciclos por minuto, dando ênfase à respiração abdominal, um método de respiração que usa o diafragma em vez dos músculos do peito.

A regulação da respiração é de extrema importância na prática do Qi Gong. A respiração é a fonte de Qi mais importante do organismo. É considerada a base de diversas funções vegetativas tais como o tônus muscular e a circulação sanguínea capilar. Os exercícios respiratórios do Qigong (“expelir o velho e inspirar o novo”) têm por objetivo o aumento da captação e absorção de Qi do ar, aumentando a vitalidade do corpo e seu equilíbrio.

A inalação é usada de forma a absorver o Qi universal e do ambiente de forma a tonificar. A exalação é usada de forma a eliminar o Qi tóxico (ou impuro) do corpo.

Assim sendo, pertence às práticas alquímicas de transformação e prolongamento da vida pelo cultivo da saúde e pela promoção da coniunctio entre os opostos, Yin e Yang.

O trabalho com o Qigong dos Símbolos envolve:

  1. O pensamento simbólico dos chineses
  2. Os movimentos e sua relação com os símbolos
  3. O pensamento simbólico e o seu efeito terapêutico

No Qigong dos Símbolos trabalha-se tanto o movimento corporal quanto a energia sutil existente dentro e fora. As imagens arquetípicas expressas no movimento e suas imagens são altamente mobilizadoras das emoções.

Existe uma relação direta entre as imagens internas de uma pessoa, os estados emocionais ligados a ela e a movimentação de seu corpo no espaço e no tempo.

Ao trazer as imagens para o corpo, encarnando assim seus significados simbólicos, permite-se vivenciar os conteúdos afetivos e as emoções que possam estar a elas ligados, integrando-os de forma suave na consciência tornando a vida mais rica, equilibrada e consistente. Tão logo o corpo, os sentimentos e a mente de um homem encontrem-se em equilíbrio e harmonia, ele pode começar a ter a percepção intuitiva do propósito e da natureza da sua psique interior.

Forma-se aí então um “campo”, no qual corpo e alma encontram-se em harmonia e integração.

Estes movimentos desenham como que mandalas que, além de expressarem a totalidade, atuam também sobre a pessoa que as realizam formando um campo protetor ao redor do centro no qual a alquimia/transformação se realiza. Este centro é chamado de temenos, uma área sagrada.

Convêm aqui salientar que para o processo de individuação acontecer é necessário que o ego se desenvolva e isto depende em parte de sua capacidade de absorver e trazer para a consciência, os símbolos, imagens e sensações, as quais fornecem informações sobre o Si- mesmo.

Na prática do Qigong assim como em uma dança, desenha-se no espaço com movimentos corporais. Ao mesmo tempo que o corpo vai deixando seus rastros nesse espaço, as imagens dos símbolos são despertadas na mente.

Sobre a dança, como um movimento ritualístico, JUNG diz:

 

Podemos dançar não apenas para produzir a união consigo mesmo, ou para manifestar-nos a nós mesmos, mas também para produzir chuva, ou conseguir fertilidade das mulheres ou dos campos, ou para derrotar nosso inimigo. A idéia de um efeito, ou alguma coisa produzida, está sempre conectada com a idéia de dançar. Por isso, era originalmente um ritual mágico pelo qual alguma coisa era produzida, era mesmo a idéia de trabalhar. Quando os primitivos dançam, eles realmente trabalham, dançam até ficarem completamente exaustos[…] Eles dançam os animais para atraí-los, como os pescadores de ostras na Escócia cantam as ostras. E na Suíça eles cantam as vacas, o assim chamado “ranz des vaches”, ou o “Kuhreihen”, – grito das vacas ou a roda das vacas – para que elas possam dar muito leite ou produzir bezerros. Existem muitos desses ritos primitivos para produzir fertilidade ou para curar doenças[…]. Assim as primeiras idéias de eficiência ou efeito foram devidas às suas peculiares experiências psicológicas através do movimento rítmico: a disposição de eficiência desenvolveu-se através da repetição rítmica que lentamente toma conta do sistema inteiro[9]. (JUNG, 1934-1939, Nietzsche’s Zarathustra, vol.1,1997, p.46.)

 

Pela lei das correspondências, que se baseia na simultaneidade das manifestações dos fenômenos, se o ser humano com frequência produz movimentos corporais ordenados e equilibrados, ele induz suas atitudes internas também para ações ordenadas e equilibradas. A respiração ritmada sincronizada aos movimentos também promove serenidade e integração.

A psique está no corpo e o corpo na psique. Na díade corpo e psique, o corpo representa o fora, o mundo externo e a psique o mundo interno, não visível. A harmonia e a serenidade geradas externamente podem gerar harmonia e serenidade interna. Segundo JUNG (2003, OC XIII, §81): “uma lei externa torna-se com o decurso do tempo uma convicção interna.”

A lei externa seria neste caso a série de movimentos elaborada pela mestre Maria Lucia Lee chamada de Qigong dos Símbolos. Estes movimentos são realizados em um tempo e sequência determinados seguindo um padrão relacionado às imagens que o representam. A convicção interna se constrói pela repetição destes movimentos e pelo internalizar de seus significados, ou seja, através da prática constante.

 

Fig. 9. Os três tesouros. Jing, Qi e Shen

O corpo humano é uma unidade que contém o céu na cabeça, representado pela abóboda craniana e a terra no baixo ventre, representado pelos ossos da bacia. Além desta representação dual entre céu e terra, são três (fig.9) os maiores centros de “força” no corpo, que regulam e concentram a energia vital chamada Qi em chinês. O superior, localizado na cabeça, o médio, no peito e o inferior, quatro dedos abaixo do umbigo

A prática do Qigong dos Símbolos trabalha a partir de um corpo/alma/espírito (fig.9) do ser visto pelos chineses como um microcosmo, correspondente ao macrocosmo, uma unidade entre o céu e a terra.

Segundo a tradição chinesa, os movimentos das diversas formas de Qigong foram criados pelos sábios a partir da compreensão de princípios da natureza e da observação dos movimentos dos animais considerados por eles como sagrados. O que demonstra que para o pensamento oriental o ser humano, a natureza e o animal estão em absoluta conexão.

Os movimentos são realizados três vezes de cada lado. Para os chineses, o três leva à ação, à realização e tonifica.

Vê-se assim que o número três, que aparece na cultura do ocidente e oriente-médio, também está presente no extremo oriente. JUNG (2011, p.120) comenta nos ‘Seminários sobre sonhos de crianças’, que o “três” por ser um número masculino, “representa de fato sempre dinâmica e ritmo”. Também se refere nesse momento, às Tríades Divinas assim como às Parcas que determinam o destino:

 

As tríades divinas costumam assumir um papel significativo em todos os lugares, como, por exemplo: Brahma-Vishnu-Shiva. Osíris igualmente partilha o ventre de sua mãe com suas duas irmãs Ísis e Néftis e, inversamente, os dois irmãos Jagannath e Balarama com sua irmã Subhadra. A tríade remonta a uma antiguidade tão remota que é difícil afirmar algo mais definitivo sobre ela. Uma das estruturas mais prováveis é “pai, mãe, filho”. A trindade cristã parece basear-se originalmente nessa simbologia. (JUNG, 2011, p.44)

 

Na alquimia ocidental vamos encontrar 3 fases do processo alquímico e três cores representantes destas:

 

Nigredo: faz as vezes da morte e vêm-nos fechar as pálpebras, levanta-nos o manto dos ombros e cobre-nos com as asas; depois vêm dores insuportáveis enquanto nos desmembra, desarticula, desmaterializa, desespera; mas a nossa súplica sai muda: uma pena negra nos olhos, outra nos lábios; com misericórdia nos reduz aos destroços que merecemos.

Albedo: a branca, vem para nos cegar, para desarmar todos os sentidos; e as memórias da terra apagam-se; sibila mas não há palavras, nem música; apenas suaves redemoinhos de luz, na corrente que abraça os despojos e que, ao passar, vai levando a mácula rio abaixo.

Rubedo: três vezes vermelho sangue, o sopro, o pulso, o fôlego; bater as asas para voltar a fechar o punho; que cria e substancia a vontade neste efeito: levantar o que sobra, agarrar as vestes, aspirar a brisa que sopra (que sussurra) a caminho de —— Por estes artifícios se completa e se renova o ciclo. Tudo se passa no fogo da retorta: no fogo que arde e que é caro aos homens; no fogo que lava e que chega com o tempo; no fogo que sopra e que surge, simplesmente surge, e é o mistério da ressurreição.[10]

 

Em seu livro Psicologia e Alquimia, JUNG fala sobre essas fases e cores, e na passagem histórica de quatro fases para três:

 

A divisão do processo em quatro fases era chamada a tetrameria da filosofia. Mais tarde, por volta dos séculos XV e XVI, as cores foram reduzidas a três, e a xanthosis, também chamada “citrinitas”, caiu gradualmente em desuso, ou então era raramente mencionada.[…] Embora a tetrameria original fosse equivalente à quaternidade dos elementos, sempre se acentuou que, apesar dos elementos serem quatro(terra, água,ar e fogo) e quatro as qualidades (quente,frio,seco e úmido), havia apenas três cores: preto,branco e vermelho. (JUNG,1991, OC XII, §333)

 

Além do três, também encontramos o quatro na execução desta prática chinesa. Quatro elementos importantes compõem a seqüência de movimentos:

  1. A relação do homem com o cosmos (Céu e Terra)
  2. Os fenômenos da natureza (arco-íris, mar, lago, nuvem)
  3. Os animais e aves (unicórnio, pombo, ganso, galo)
  4. O trabalho humano (moenda, lançadeira)

Os movimentos são contínuos, realizados lentamente com suavidade e firmeza, e desta forma mobilizam a força interna que deve circular pelo corpo todo, sem bloqueios, através dos meridianos.

O movimento circular é também a base do trabalho analítico. Para o olhar junguiano, o circular em torno do Si-mesmo faz com este cada vez mais se revele. Assim cita Jung no livro “O Segredo da Flor de Ouro”.

 

O “aproximar-se circundando”, ou “circumambulatio”, exprime-se, em nosso texto, através da idéia de “circulação”. Esta última não significa apenas o movimento em círculo, mas a delimitação de uma área sagrada por um lado, por outro, a idéia de fixação e concentração. A ação converte-se em não-ação; tudo o que é periférico é subordinado a ordem que vem do centro. Por isso se diz: “o movimento é outro nome para significar domínio”. Psicologicamente, a circulação seria o ato de “mover-se em círculo em torno de si mesmo” de modo que todos os lados da personalidade sejam envolvidos. “Os pólos de luz e sombra entram no movimento circular”, isto é, há uma alternância de dia e noite. ” (JUNG E WILHELM, 1987,p.41)

 

O Qi é um conceito difícil para o entendimento ocidental, já que é invisível. Está presente em todos os lugares do universo e dentro do corpo humano. É ele que promove todo o movimento (do cosmos, do corpo).

No corpo humano o Qi possui as funções de:

* promover o crescimento e o desenvolvimento;

* transformar o alimento ingerido para formar o sangue e os fluídos corporais;

* aquecer o corpo;

*proteger o corpo de invasões de Qi perverso externo  (frio,umidade,vento,calor e fogo);

*  manter os órgãos em seus devidos lugares;

* governar a circulação do sangue e controlar os fluídos do corpo (suor, urina, saliva, sêmen, fluido gástrico e intestinal) evitando a dispersão e perda destas substâncias;

*governar o metabolismo.

 

É de grande importância também, a coordenação da respiração com todos os movimentos. A interpretação mais exata do termo “respirar”, na tradução do chinês, é “absorver energia cósmica” e não “absorver ar”. Para nós ocidentais, em sua maioria descendentes de uma cultura hebraico cristã, poderíamos fazer a interpretação usando o relato bíblico da criação do primeiro homem, Adão. Deus após construir um boneco com o barro, sopra em suas narinas e ele adquire vida e movimento. Ao enfatizar o exercício respiratório e sua coordenação com os movimentos, o Qigong promove a circulação do “sopro” nos meridianos do corpo, o que gera uma força vital que previne doenças e fortalece a eficácia de cada movimento.

 

III.2. Seqüencia dos movimentos e Requisitos para a execução.

 

A prática do Qigong dos Símbolos é composta da seguinte seqüencia de movimentos que evocam símbolos arquetípicos:

 

  1. Preparação:

Estado de Vazio (WU JI)

  1. Posição Inicial:

Céu/Homem/Terra ( WU JI / WU WEI)

  1. São os 21 movimentos:

3.1.  Serenar o Coração

3.2.  Harmonizar Céu e Terra

3.3.  Harmonizar Madeira e Metal

3.4.  Abrir o Céu e dançar com o Arco-Íris

3.5.  Separar as Nuvens do Céu

3.6.  Nadar entre o Céu e a Terra

3.7.  Remar no Meio do Lago

3.8.  Colher a Flor de Lótus

3.9.  Unicórnio vira a Cabeça e contempla a Lua

3.10. Moça trabalhando na Lançadeira

3.11. Mãos de Nuvem

3.12. Girar a Moenda

3.13. Abraçar o Mar e contemplar o Céu

3.14. Empurrar as Ondas do Mar

3.15. Pombo estende as Asas

3.16. Ganso Selvagem bate as Asas

3.17. Galo Dourado num Pé só

3.18. Girar a Roda da Vida

3.19. Grande e Pequeno Circuito Sagrado

3.20. Finalização – Massagear ao redor do umbigo

3.21. Fechamento – Céu/Homem/Terra (WU JI/ WU WEI)

 

Na prática do Qigong são utilizados alguns pontos de Acupuntura, que são os seguintes:

 

DANTIEN ou TAN TIEN – Campo do Elixir

VC4 – GUAN YUAN –  Barreira Inicial

VC17 – SHAN ZHONG – Centro do Peito

VG20 – BAI HUEI – Encontro de Centenas

PC8 – LAOGONG – Palácio do Trabalho

YIN TANG  – Sala do Selo Real

LIN TAI – Morada do Espírito

 

Requisitos para a execução da prática:

 

– a respiração deve ser regular e profunda;

– deve-se entender a teoria, o método e a função de cada movimento;

– durante a prática do Qigong a ênfase deve estar na concentração interna;

– antes de começar os movimentos propriamente ditos, dois aspectos devem ser lembrados: soltura e serenidade, soltura requer o corpo relaxado e sem crispações, serenidade significa paz no coração (mente);

– os olhos devem estar entreabertos pois assim evitam-se interferências do ambiente, das pessoas e dos pensamentos indesejáveis;

– depois de se alcançar a soltura, serenidade e uma paz plena, deve-se cuidar da direção da concentração (Yi Nian), assim como do qi. Esse exercício requer uma concentração interna que começa na focalização do Dantien inferior e a seguir a condução do olhar para o Shanzong (Meridiano Ren 17, que se ramifica em dois para o Laogong das palmas.[11] Após esta concentração, a atenção deve permanecer no Laogong durante os movimentos. (FIGUEIREDO,2000,p.31)

 

Cada item da seqüencia de movimentos possui sua explicação:

 

  1. Preparação: atitude inicial – Wu Ji / Wu Wei

 

O Taoísmo representa o início com um grande círculo vazio, seguido de outro com um ponto no meio que representa a Vontade Criativa e um terceiro que vem representar a manifestação desta Vontade Criativa com um círculo dividido em duas partes que são opostas porém complementares e que também estão representando todas as oposições em que a Vida se acha manifestada.

 

Fig. 10. O Surgimento do TAI CHI

 

No Tao te Jing, Lao Tzé  fala sobre o vazio no poema XVI:

(WILHELM,2006,p.52)

 

Cria em ti o vazio até o grau mais elevado!

Preserva a tua serenidade até o estado mais completo!

Depois, tudo pode elevar-se simultaneamente.

Eu vejo como as coisas evoluem.

Todas as coisas, por mais diversas que sejam,

Retornam à sua raiz.

Retornar à raiz significa serenidade.

Serenidade significa voltar ao destino.

Voltar ao destino significa eternidade.

Conhecimento da eternidade significa clareza.

Quem não conhece a eternidade

Acaba em confusão e pecado.

Mas quem conhece a eternidade

Torna-se tolerante.

A tolerância leva à justiça.

A justiça leva ao domínio.

O domínio leva ao Céu.

O Céu leva ao Tao

E este à continuidade.

Durante toda a vida não se corre mais perigo.

 

Antes do início da prática procura-se esse estado de total vacuidade. Nesse estado primordial, nada se move. O conceito relativo de tempo não vale para o estado primordial, pois não há nada que sirva de referencial para o tempo. Tudo é um vazio. Wu Ji.

 

WU significa vazio, o nada que precede toda e qualquer manifestação.

JI significa mais alto, ou sublime.

WU JI significa, então, um estado de sublime vacuidade.

WU WEI significa não ação.

 

Este é o momento em que não há movimento. Tudo está parado. Tudo existe em potencial. É o estado isento de polaridades. É o que precede toda manifestação. É onde tudo se inicia e para onde tudo deve retornar. Buscar a centralização, neutralidade e relaxamento é o melhor caminho para adequar o corpo a qualquer movimento ou desafio. “Quando a soberania está centrada e em ordem, todos os heróis subversivos se apresentam com as lanças de ponta para baixo, a fim de receber ordens. ” (JUNG; WILHELM, 1987, p.101)

Na alquimia chinesa do tratado O Segredo da Flor de Ouro, também se inicia a ação pelo princípio yin da não-ação conforme a orientação do Mestre Lü Dsu.

 

No início, ao começarmos, a luz está dispersa e desejamos concentrá-la; os seis sentidos não estão em atividade. Trata-se aqui de cultivar a própria origem e alimentá-la[…]Se tivermos avançado até o ponto de conseguir concentrá-la, sentimo-nos leves e livres e não precisamos fazer esforço algum. Esta é a tranquilização do espírito no espaço dos ancestrais, a captação do céu primeiro.  (JUNG;WILHELM, 1987,p.128)

 

NEUMANN em seu livro “História da Origem da Consciência”, se refere ao princípio de tudo, o princípio onde nada se acha criado ainda, onde tudo está apenas em potencial, como o não-tempo, o período da infinitude:

 

O tempo do princípio, anterior ao surgimento dos opostos, deve ser compreendido como a auto-descrição daquele grande período em que não havia ainda consciência […] Tudo ainda se encontra no “agora e sempre” da existência eterna; o sol, a lua e as estrelas, símbolos do tempo e, portanto, da transitoriedade, ainda não foram criados; e o dia e a noite, o ontem e o amanhã, o vir-a-ser e o perecer, o fluxo da vida e o nascimento e a morte ainda não entraram no mundo. Esse estado pré-histórico do ser não é o tempo, mas, da mesma maneira como a época que precede o surgimento do homem, o nascimento e a geração, a eternidade. E, assim como não há tempo antes do nascimento do homem e do ego, mas apenas eternidade, não há igualmente espaço, mas somente infinidade.  (NEUMANN, 1991, p.29)

 

Este primeiro momento é para uma tomada de atitude que prepara e propicia toda a prática.

 

  1. Posição Inicial – Preparação

 

Novamente aqui o mito de Pan Ku é evocado. O “primeiro homem”, que nasce de um ovo e que ao nascer permite a expressão e manifestação de toda a natureza. Agora chega o momento de vivenciar com o corpo a função deixada aos homens pelo primeiro ser.

Cabe assim ao ser humano, a responsabilidade de manter o espaço entre o céu e a terra para que toda a manifestação da vida possa ser realizada e mantida. Fica ele assim, sendo o centro e mediador das energias celestes e terrestres. Em seu livro A Grande Tríade, GUÉNON fala sobre homem como mediador e da razão de ritos como ações dessa mediação:

 

[…] o centro é o “lugar” normal do homem, o que equivale a dizer que o “homem verdadeiro” se identifica a esse mesmo centro; é, portanto, nele e exclusivamente por ele que se efetua, para esse estado, a união do Céu com a Terra, e é por isso que tudo que se manifesta nesse mesmo estado provém e depende inteiramente dele e só existe, de algum modo, como projeção exterior e parcial de suas próprias possibilidades. A “ação de presença” dele também mantém e conserva a existência desse mundo”, uma vez que ele é o seu centro e, sem centro, nada poderia ter existência real. No fundo, essa é a razão de ser dos ritos que, em todas as tradições, afirmam de forma sensível a intervenção do homem na manifestação da ordem cósmica. Esses ritos são, em suma, apenas expressões mais ou menos particulares da função de “mediação” que lhe é essencialmente própria.  (GUÉNON,1993, p.89 e 90)

 

Através do homem as bênçãos dos céus descem até a terra. Daí a importância da postura correta. Para a sabedoria chinesa, uma postura incorreta, torta, é um sacrilégio, pois dessa forma o ser humano deixa de cumprir o seu papel de intermediário. A postura torta impede o fluxo das energias que vêm do céu e vão para a terra e das que vêm da terra e vão para o céu. É necessário que o fluxo se faça livremente, sem bloqueios. Pés esparramados, enraizados assim como uma árvore, recebem a seiva e a sustentação da mãe terra. De acordo com uma das máximas da alquimia ocidental, temos: “para que os ramos de uma árvore toquem os céus é preciso que suas raízes estejam tocando os infernos”.

MIRCEA ELIADE em seu livro “Imagens e Símbolos”, desenvolve motivos do simbolismo do céu num aspecto menos abstrato e cosmogônico, e comenta a possibilidade do homem moderno realizar um resgate da visão onde o macro-cosmo se manifestava no homem da época antiga como um antropo-cosmos.

 

[…] o homem moderno poderia reencontrar o simbolismo do seu corpo, que é um antropo-cosmos. Aquilo que as diversas técnicas da imaginação, e especialmente as técnicas poéticas, realizaram a este respeito, não é quase nada ao pé das promessas da história das religiões. Todos estes dados subsistem ainda, mesmo no homem moderno; é necessário apenas reanimá-los e trazê-los ao limiar da consciência. Ao retomar consciência do seu próprio simbolismo antropo-cósmico — que não passa de uma variante do simbolismo arcaico — o homem moderno obterá uma nova dimensão existencial, totalmente ignorada pelo existencialismo e pelo historicismo atual: é um modo de ser autêntico e maior, que o defende do nihilismo e do relativismo historicista sem todavia o subtrair da história. Porque a própria história poderia um dia encontrar o seu verdadeiro sentido: o da epifania de uma condição humana gloriosa e absoluta.  (ELIADE,1979 p.36)

 

Em seu artigo “As bases gnósticas do pensamento de Jung”, CARDOSO coloca a busca da unificação original como sendo o destino da humanidade na seguinte afirmação:

 

A gnose mística sustenta ainda que é destino da humanidade descobrir sua unidade divina, reunir-se novamente, retornando ao lugar da queda, ao local onde feminino e masculino eram um só no Absoluto. A lenda ainda conta que para empreender feito de tal envergadura, o ser humano deverá encontrar embaixo, no elemento adâmico, a unidade perdida, para só então retornar ao Paraíso, coagulando-se com as milhares de miríades de si mesmo.  (CARDOSO,2017, p.7)

 

Descrição do movimento:

 

  1. Pés unidos, braços ao longo do corpo. O Bai Huei – “Encontro das Centenas”

(é um ponto no alto da cabeça onde se encontram os 3  meridianos yang dos pés e o meridiano do fígado) aponta para o Céu. Olhos baixos.

  1. Elevar a mão direita até a altura da testa, dedo indicador toca o ponto Yin Tang – “Sala do Selo Real” (ponto extra, localizado entre as sobrancelhas)
  2. Mão direita desce lentamente acompanhando o trajeto de descida do sol interior.
  3. Mão desce até a altura do ponto VC4 – Dantien inferior (a 4 dedos abaixo do umbigo, no baixo ventre). O calor do sol desce e aquece a Terra interior.
  4. À medida que o Qi chega no baixo ventre, essa região se aquece.

 

III.3. Descrição dos Movimentos e seus Símbolos:

3.1. Abertura – Serenar o Coração:

“A gente todos os dias arruma o cabelo, porque não o coração? ”

(Provérbio Chinês)

 

 

Fig.11

 

Tem como objetivo harmonizar o Qi do coração e, consequentemente, do espírito, pois como diz WILHELM em seus comentários sobre o Tai I Ging Hua Dsung Dschi – O Segredo da Flor de Ouro: “Todas as transformações da consciência espiritual dependem do coração […] Enquanto o coração não alcançar a suprema tranqüilidade, não pode mover-se.” (JUNG; WILHELM, 1987, p.99 e p.128)

Na execução deste movimento busca-se preparar o corpo e o espírito para a prática, busca-se soltura e serenidade, para permitir um bom fluxo de Qi circulando em todo corpo através de todos os meridianos e possibilitar a meta deste trabalho que é a de encontrar a saúde retomando a unidade perdida.

No livro Chi Kung (Qigong) – Para a Saúde e a Vitalidade, KIT relata que:

 

Os chineses não fazem uma distinção clara entre as desordens     psiquiátricas e neurológicas, que são chamadas de doenças do “coração”. Em chinês, o termo coração muitas vezes significa mente e  tem dimensões mentais, emocionais e espirituais.[…] O Nei Jing, ou Inner Classic of Medicine, enfatiza repetidamente:

A mente não teve melhora, Os pensamentos e os sentimentos não foram curados, o paciente não se restabelecerá. (KIT, 2001, p. 127)

 

Sendo assim, o coração simboliza todas essas três dimensões e ao serenar o coração, serena-se o ser espiritual, o corpo e a psique.

Rochat de La Vallé em seu livro Os Movimentos do Coração, diz também que o coração para os chineses é um centro vital e tudo se processa a partir dele:

 

A palavra-chave da psicologia, como a viram os chineses, é o coração. O coração é o centro vital, ocupa o lugar do soberano. Vaso sagrado, terra sagrada de cada um, ele acolhe os Espíritos oriundos do Céu; contém e controla a interação Céu/Terra, que nos torna homens e nos mantém vivos. Por natureza o coração do homem é vasto como o Céu. E livre. Sempre tentado a se preencher, deve procurar esvaziar-se. Às vezes o coração do homem se envolve com as informações dos sentidos e com os movimentos do corpo, e, noutras, sabe fechar suas portas para se recolher. A maestria da vida reside na arte do coração.(ROCHAT DE LA VALLÉ, 2007,p.18)

 

O coração também é associado ao amor, por exemplo, na cultura ocidental. E como o coração é o centro de toda a circulação sanguínea do corpo, consequentemente eros/amor é a sede de todo o movimento vital e transformador. Também é o ponto que tudo une, a ponte que permite e faz a comunicação entre todos os conteúdos do indivíduo. Dentro e fora. Consigo mesmo e com os outros.

A confiança amorosa nas leis que regem a vida permite viver com serenidade. E assim centrado, vive-se o UNO em si.

O Uno, para além do qual nada mais existe, pode ser o Deus nas religiões monoteístas, a Psique como um todo na Psicologia Analítica, o TAO, no pensamento chinês. O Uno é também a busca da alquimia, a união dos opostos, através do confronto entre eles e com eles, pelo movimento circular e alternado.

O físico CAPRA, em seu livro Conexões Ocultas fala sobre o sentimento de unidade que se consegue sentir em experiências místicas, chamadas por Maslow de “experiências de pico”. Nestas experiências, a respiração é o veículo que permite inicialmente a conexão e a percepção da unidade reinante no indivíduo como uma plenitude da mente conectada com o corpo e a partir daí sua conexão com todos os seres.

A experiência espiritual é uma experiência de que a mente e o corpo estão vivos numa unidade. Além disso, essa experiência da unidade transcende não só a separação entre mente e corpo, mas também a separação entre o eu e o mundo. A consciência dominante nesses momentos espirituais é um reconhecimento profundo da nossa unidade com todas as coisas, uma percepção de que pertencemos ao universo como um todo. Essa sensação de unidade com o mundo natural é plenamente confirmada pela nova concepção científica da vida. A medida que compreendemos que a física e a química básicas são as próprias raízes da vida, que o desenvolvimento da complexidade começou muito tempo antes das primeiras células vivas e que a vida evoluiu por bilhões de anos usando sempre os mesmos padrões e processos, percebemos o quanto estamos ligados a toda a teia da vida. (CAPRA,2002, p.81).

 

O processo de centralização é considerado por JUNG como de grande efeito terapêutico:

 

O processo de centralização constitui, segundo me diz a experiência, o ponto mais alto e jamais ultrapassado de todo o desenvolvimento, e se caracteriza, como tal, pelo fato de coincidir com o efeito terapêutico, maior possível. (JUNG,1984, OC VIII, §401)

 

O serenar do corpo e da mente, pode afetar a atividade e equilíbrio do sistema nervoso simpático e parassimpático. A função cardiorrespiratória também evidencia alguns benefícios desta prática, sobretudo na redução de freqüência cardíaca. Esta tranqüilidade de coração facilita o encontro com o Uno:

 

Quando se é capaz de uma completa tranqüilidade, o coração celeste se manifesta por si mesmo[…] Assim que o toque da individuação entra no nascimento, o ser e a vida dividem-se em dois. Desde esse momento – se a maior tranqüilidade não for alcançada – ser e vida não tornam a encontrar-se. (JUNG E WILHELM,1987, p.99)

 

Com o coração serenado, inicia-se a prática, que pode ser considerada como uma Prática Meditativa ou uma Meditação em Movimento. E sem dúvida, um trabalho alquímico, isto é, de transformação. A transformação é alcançada a partir do movimento circular, um movimento que centraliza e fixa o centro:

 

O Livro do Castelo Amarelo diz: “No campo de uma polegada da casa de um pé pode-se ordenar a vida”.  Em meio à polegada quadrada mora a magnificência. Na sala purpúrea da cidade de jade mora o deus da vitalidade e do vazio extremos. Os adeptos ensinaram as pessoas a manter o originário e a preservar o uno, este é o movimento circular da luz e a preservação do centro. Quando se conserva esta força genuína, pode-se prolongar o seu tempo de vida e então utilizar o método de “fundir e misturar” a fim de criar um corpo imortal. O movimento circular da luz é inteiramente baseado no movimento reversivo, para reunir os pensamentos ( o lugar da consciência celeste, o coração celeste).O coração celeste fica entre o sol e a lua ( isto é, entre os dois olhos). Por isso, assim como a luz segue um movimento circular, as forças do corpo inteiro se apresentam diante de seu trono, como quando um santo rei estabeleceu a capital e criou as leis básicas e todos os estados se aproximam com dádivas em tributo; ou como quando ao senhor tranqüilo e lúcido, servos e servas obedecem as ordens de bom grado, cada qual fazendo seu trabalho. O coração celeste se assemelha à morada, a luz é o senhor da casa . (JUNG; WILHELM,1987,p.98)

 

Descrição do movimento:

  1. Pés unidos, postura de vazio interior;
  2. Lentamente, abrir os braços até acima da cabeça, palmas se unem em forma de prece, encostar dedos e base das palmas, meio da palma no Lao Gong “Palácio do Trabalho” (ponto 8 do Meridiano Pericárdio, no meio das palmas das mãos) mantém-se vazia. Dedos apontam para o Céu. Manter a concentração no Lao Gong;
  3. Conduzir a descida em direção ao topo da cabeça no ponto Bai Huei –  “Encontro das Centenas” (ponto no alto da cabeça onde se encontram os 3  meridianos yang dos pés e o meridiano do fígado;
  4. As palmas passam pela frente do rosto, da garganta, do coração;
  5. Na altura do estômago voltar os dedos para baixo, mãos unidas continuam a descer até a altura do baixo ventre.
  6. Soltar as mãos e conduzir mentalmente a energia pelas pernas até os pés, em direção a Terra

 

 

3.2. Harmonizar Céu e Terra:

 

Fig.12 – Céu e Terra em harmonia

 

A concentração interna começa no Tan Tien inferior, no baixo ventre quatro dedos abaixo do umbigo, e ramifica-se pelos braços até o ponto Lao Gong – “Palácio do Trabalho”, ponto de energia do fogo no centro da palma da mão, permanecendo com a atenção nesse ponto das mãos que sobem e descem no exercício.

Na execução do exercício, ao elevar os braços visualiza-se a energia do sol nascendo sobre a terra, na descida, palmas se voltam para o exterior e as mãos acariciam o espaço. Harmoniza o equilíbrio de yin e yang no corpo e harmoniza a respiração. Harmonizar a respiração exige soltura e tranqüilidade.

Neste movimento, busca-se a integração e harmonização dos conteúdos conscientes com os conteúdos ligados às emoções, aos instintos, que ainda vivem de forma inconsciente. A intenção é harmonizar e integrar conteúdos que se expressam dentro da simbologia da oposição de gêneros como sendo o masculino acima e o feminino abaixo. O simbolismo do céu e da terra, de acordo com o HERDER LEXICON:

 

O céu antigamente visto muitas vezes como um hemisfério abobadado sobre o disco terrestre, tem um importante papel nas concepções mitológicas e religiosas de quase todos os povos, como lugar do qual atuam os deuses e as divindades e para o qual as almas subirão após a morte. Decisivo para essa interpretação – vista originalmente de maneira real, e não simbólica – deve ter sido o fato de que o céu está “em cima” , da mesma forma que os movimentos regulares e ordenados dos astros, as chuvas vindas do céu, fertilizantes e necessárias à vida, o temor e o respeito despertado pelos fenômenos da natureza, como a trovoada, o raio, os cometas, os meteoritos, o arco-íris, etc. Encontra-se frequentemente  a concepção de que o céu e a terra teriam sido originalmente unidos. Sob esse aspecto, o céu representa somente uma das metades do mundo; liga-se a essa concepção o paralelismo igualmente difundido: céu=masculino, ativo; terra= feminino,passivo; da fecundação da Terra de Céu surgiram todos os seres terrenos (no Egito, entretanto, dominava a concepção inversa; a deusa-mãe Nut – o Céu – como esposa do deus Geb – a Terra). São também difundidas as concepções de muitos céus ou esferas celestes sobrepostas, correspondendo às diversas hierarquias das entidades espirituais ou dos diversos graus de purificação da alma. (LEXICON,1998,p.53)

 

Para os chineses Céu e Terra são os nossos pais e eles se relacionam através de nós, seus filhos. Sua relação é de interdependência, inter-transformação, assim como de inter- geração:

 

[…]após uma mudança abrupta, o Yang extremo transformar-se-á em Yin. A geração de um elemento é justamente a transformação; e a degeneração de um elemento é causada por transmutação[…] A mudança quantitativa implicará uma mudança qualitativa  (WEN, 2009,p.21).

 

Esse movimento permite a harmonização entre essas duas dimensões energéticas, o céu com a energia Yang e a terra com a energiaYin.

 

Nas culturas que conhecem a concepção das três regiões cósmicas — Céu, Terra, Inferno— o «centro» constitui o ponto de intersecção destas regiões. É aqui que se torna possível uma ruptura de nível e, ao mesmo tempo, uma comunicação entre estas três regiões. (ELIADE, 1979,p.40)

 

Segundo FULCANELLI, na visão alquímica:

 

É indispensável ponderar que o céu e a terra, embora confundidos no Caos cósmico original, não são diferentes em substância nem em essência mas tornam-se diferentes em quantidade, em qualidade e em virtude.

A terra alquímica, caótica, inerte e estéril, não contém, todavia, o céu filosófico? Seria então impossível ao artista, imitador da Natureza e da Grande Obra divina, separar no seu pequeno mundo, com a ajuda do fogo secreto e do espírito universal, as partes cristalinas, luminosas e puras, das partes densas, tenebrosas e grosseiras? Ora essa separação deve ser feita, consistindo em extrair a luz das trevas e em realizar o trabalho do primeiro dos Grandes Dias de Salomão. É através dela que podemos conhecer o que é a terra filosofal e o que os Adeptos denominaram o céu dos sábios. (FULCANELLI,1964,p.21)

 

Descrição do movimento:

 

a. Abduzir o pé esquerdo, pés paralelos na largura dos ombros;

b. Elevar os braços paralelos, palmas para baixo até a altura dos ombros. A respiração deve ser lenta e contínua;

c. Abaixar as palmas flexionando levemente os joelhos, movimento lento e sincronizado.

 

3.3. Harmonizar madeira e metal:

 

Fig.13 – Árvore em movimento

 

Este exercício harmoniza as energias de alto e baixo, esquerda e direita, expansão e contração. A imagem utilizada na execução do movimento é de uma árvore que cresce no verão, espalha seus galhos na primavera, perde suas folhas no outono e recolhe suas reservas no inverno. Busca integrar e mobilizar todos os movimentos da natureza desde a expansão máxima até o extremo da contração, simbolizados pelas estações e os elementos madeira, fogo, água, terra e metal. JUNG, em seu texto A Arvore Filosófica, ao analisar a figura de uma árvore diz: “[…] A simetria perfeita da copa mostra uma união correspondente dos contrários. Esta última é o motivo e a meta do processo de individuação.” (JUNG,2003, OC XIII, §307)

A oxigenação do cérebro gerada pela expansão do peito traz bem-estar e alegria ao praticante. O objetivo é receber as forças do céu e plantar na terra a semente simbólica do espírito originário, um movimento de trazer para o concreto forças arquetípicas:

 

A força da semente, tal, como o céu e a terra, está submetida à caducidade, mas o espírito originário ultrapassa as diferenças polares. Dele deriva a existência do céu e da terra. Se os discípulos conseguirem alcançar o espírito originário, vencem as oposições polares de luz e obscuridade e não permanecem mais nos três mundos. No entanto só quem olhou o ser em sua face originária é capaz disto… (JUNG E WILHELM,1987,p.100)

 

É utilizada a imagem da árvore, aproveitando de uma máxima alquímica medieval que diz: “Para que os ramos de uma árvore toquem os céus é preciso que suas raízes estejam tocando os infernos”.

Ao abrir os braços a partir da imagem da árvore que expande a sua copa e depois juntá-los até que as mãos se encontrem, retendo em seu centro a semente, que será colocada na terra para que possa nascer outra árvore, reproduz-se o permanente juntar e separar presente nos processos alquímicos da vida: o Solve et coagula. A árvore é considerada por JUNG como um símbolo dinâmico do si-mesmo: “[…] a árvore também significa um aspecto do si-mesmo, no que se refere ao fenômeno do crescimento.” (JUNG, 2003, OC XIII,§ 304)

Vivencia-se neste movimento de expansão e contração, os movimentos das quatro estações e dos 5 elementos: madeira, fogo, metal, água e ar. O inverno com o fechamento e o encolhimento máximos; a primavera quando começa a expansão e tudo vai se abrindo, a natureza brotando, as flores se abrindo até a expansão máxima com o verão; para novamente o início do movimento de contração realizado pelo outono e chegar em seu máximo no inverno, onde tudo se recolhe; a semente cai e penetra nas profundezas da terra para germinar e vir à tona novamente, no reinício de um novo ciclo impulsionado pela força da vida na primavera. Para BRANDÃO:

 

A fase yang (Madeira e Fogo) é regulada principalmente pelas funções do sistema nervoso simpático, enquanto na fase yin (Metal e Água) predomina a atividade do sistema nervoso parassimpático. Na MTC, a fase Madeira tem o potencial criador, associa-se a funções de crescimento, movimento ascendente, vigilância, potencial energético, manifesta-se nos meridianos Hepático (Fígado) e Felleal (Vesícula Biliar). Sendo que, o meridiano Hepático mantém e produz toda a capacidade de decisão e planejamento, é a origem da coragem e da presença da mente, é considerado o repositor do Qi construtivo. […] A fase Metal tem uma relativa falta de energia bem como uma distribuição rítmica da energia, simboliza as funções que estão em declínio, representa o Oeste e o  Outono, encontra-se associado ao orb Pulmonar (Pulmão) e ao orb CrassIntestinal (Intestino Grosso). O ritmo do indivíduo – resultado da síntese entre o Qi congênito e os estímulos e influências contínuas da natureza, sociedade, do cosmos (alimentação, clima, estados de humor, estímulos intelectuais) é produzido no orb Pulmonar. O Qi defensivo encontra-se na pele e representa a perfeição deste orb. Tem como função fisiológica o movimento descendente e distribuição da energia captada pela respiração para o calórico médio e inferior. (BRANDÃO, 2012, p.16 e 17)

 

Descrição do movimento:

 

a. Abrir os braços e expandir o peito, até a altura dos ombros, palmas para cima, coordenando com uma inspiração lenta e profunda, expandindo a caixa torácica;

b. Flexionar o tronco levemente para trás;

c. Trazer os braços para frente, unindo palmas (em prece), coordenando com uma expiração lenta e profunda;

d. Conduzir mãos unidas até o chão, dedos apontam para a terra.

 

3.4. Abrir o céu e dançar com o Arco- Iris:

 

 Fig.14 – Dança com o Arco-Iris

 

Mover-se como se estivesse segurando o Arco-íris e seus tesouros, com as mãos. Dançar com o arco-íris é estar na alma, vivendo sob suas cores e influenciado por elas. No movimento deve-se receber todas as cores (TAO) e seus benefícios pela palma de uma das mãos e transmiti-las ao topo da cabeça, com a outra. É o momento onde realiza-se a cromoterapia para que os benefícios de cada cor possam realizar o equilíbrio e a harmonia no ser por inteiro. É relembrada e se reafirma a aliança feita entre Deus e a humanidade, conforme a simbologia descrita abaixo:

 

O Arco-Íris, símbolo da união entre o céu e a terra. Criado, segundo a tradição talmúdica, na noite do sexto dia da criação. Na mitologia grega, o arco-íris é a personificação de Íris, a mensageira dos deuses. Depois do dilúvio, Deus colocou no céu um arco-íris como sinal de sua aliança com os homens; nesse sentido, Cristo reina, por exemplo, nas representações medievais do Juízo Final tendo como trono um arco-íris. Por isso ele também se tornou um símbolo da Virgem Maria, a mediadora da conciliação. A interpretação simbólica das cores do arco-íris depende das cores que se podem distinguir; na China, conhecem-se aproximadamente cinco, cuja síntese é simbolizada pela união de yin e yang. No cristianismo, baseado na tradição da tripartição aristotélica, distinguem-se com freqüência somente as três cores primárias (um símbolo da trindade), ou o azul (a água do dilúvio ou a procedência celeste de Cristo), o vermelho ( o mundo terminando em fogo ou a Paixão de Cristo) e o verde ( o novo mundo ou a volta de Cristo). Ponte. (LEXICON, 1998, p.23)

 

Este movimento representa simbolicamente a construção de uma ponte entre a consciência e o inconsciente, entre o eu e o Si-Mesmo, o além-eu. Uma imagem de totalidade ao conter todas as cores e sua aparição misteriosa. Em seu livro, Seminário sobre sonhos de crianças, JUNG comenta sobre alguns significados do Arco-Íris:

 

O arco-íris é um símbolo que conecta céu e terra. A unificação entre céu e terra indica uma relação entre em cima e embaixo, espírito e matéria. Embora o arco-íris deva sua existência a uma oposição, isto é, o encontro entre chuva e sol, ele é ao mesmo tempo um símbolo da harmonia; por conta de seu espectro de cores esplêndido e da ordenação regular destas, ele aponta de modo completo para a idéia de harmonia.[. . .] O arco-íris é da ordem do numinoso. Possui um significado divino, porque é uma aparição incomum. É a ponte que conduz para o além-mundo.[…] Ele contém todas as cores. Esse é um motivo especial que significa: todas as qualidades. As cores possuem, assim como os números, um significado sagrado desde os tempos pré-históricos. É algo que continua preservado nas cores da Igreja. Um certo tipo de amarelo-escuro é a cor sagrado do budismo. Na China, o amarelo é a cor certa, a cor do céu, do imperador. Encontramos igualmente restos do significado original das cores na forma como os homens primitivos se pintavam. Cada cor que é utilizada para a pintura ritual possui um significado mágico. (JUNG, 2011, p.132 e 141).

 

Descrição do movimento:

 

a. Elevar os braços até acima da cabeça e abrir os braços pela lateral, até a altura dos ombros;

b. Mão direita ergue-se acima da cabeça, palma voltada para o Bai Huei –“Encontro das Centenas” (no alto da cabeça) e a mão esquerda se abre para a lateral esquerda, palma para cima, como se segurasse o tesouro do fim do arco-íris. Pé esquerdo gira 45 graus, pontuando o chão, calcanhar esquerdo elevado;

c. Braços se elevam paralelos acima da cabeça, palmas voltadas para dentro, uma voltada para outra;

d. Executar os mesmos movimentos para o lado direito.

 

 3.5. Separar as nuvens do céu:

 

Fig.15. Nuvens no céu

 

O movimento é flexível, suave e vigoroso. Olhar para cima. São trabalhados também os movimentos de expansão e contração. Há uma crença chinesa que diz que quando as nuvens se desfazem e abre-se o céu, alguém aqui na terra tem um insight. Para o HERDER LEXICON, viabilizaria uma transformação necessária:

 

Na China, a nuvem que se desfaz no céu simboliza a transformação necessária a que se deve submeter o sábio a fim de extinguir sua personalidade terrena para poder penetrar no infinito. (LEXICON,1998, p.146)

 

É preciso que a luz penetre por entre as nuvens vindas do céu azul para que esta se faça presente. Os dias nos quais o Sol se mostra a partir das nuvens, representariam o insight. Os dias de tempestade, representam os raios que vem do céu, trazendo o conhecimento da escuridão inconsciente para a luz da consciência, através da intuição. A luz representa a consciência. É o espírito que se torna claro através da consciência. O Nei Ching, O livro de Ouro da Medicina Chinesa, refere-se ao espírito como:

 

O que é o Espírito? O Espírito não pode ser escutado com os ouvidos. Os olhos devem estar brilhantes de percepção e o coração deve estar aberto e atento, e então o espírito é subitamente revelado através da nossa própria consciência. Não pode ser expresso pela boca; só o coração pode expressar tudo aquilo que pode ser olhado. Se prestarmos muita atenção, podemos conhecê-lo subitamente, mas também podemos com a mesma rapidez perder esse conhecimento. Mas o Espírito torna-se claro para o homem, como se o vento tivesse afastado as nuvens. (NEI CHING, 1989, p.141).

 

No Tai chi, esse movimento, chamado ‘Levar o Tigre para a Montanha’, é um movimento que vem das artes marciais e que serve para repelir o oponente, o adversário, o inimigo.

Descrição do movimento:

 

a. Flexionar os joelhos, cruzando as mãos na altura dos joelhos, com palmas para cima;

b. Braços se elevam até acima da cabeça com os punhos se tocando, cruzados;

c. Palmas se voltam para cima, abrir os braços pelas laterais;

d. Reiniciar o movimento.

 

 

3.6. Nadar no meio do lago:

 

 Fig.16  Lago para nadar

 

O ato de nadar nos coloca em contato com a água, mas sem submergir nela. Quando nadamos, permanecemos na superfície e também temos um objetivo a alcançar, nos dirigindo à uma meta. Não é um mero boiar, entregue ao sabor das águas. A água não é o nosso habitat natural, mas muitas vezes necessitamos estar nela, principalmente quando necessitamos de algo que está na outra margem e por isso, fazemos a travessia através dela. Uma travessia realizada através do inconsciente pela consciência. O movimento de nadar nos coloca simbolicamente em contato com os tempos passado, presente e futuro, ao girar o tronco e olhar para trás e voltando para a frente e nos dirigindo ao futuro.

O lago é interpretado plasticamente quase sempre como um olho aberto da terra. É visto muitas vezes como moradia de entidades subterrâneas, de fadas, ninfas, espírito das águas, etc. que atraem os humanos, arrastando-os para seu reino. No simbolismo dos sonhos, representa em geral o feminino ou o inconsciente assim como o mar e as águas em geral.

Nadar no meio do lago, supõe uma interação e certo contato com essas profundezas, embora sem o mergulho. É um movimento ligado aos rins, que são do elemento água e que também por serem dois, fazem lembrar da dualidade que se complementa na formação da unidade. O movimento nasce da energia dos rins, que na Medicina Tradicional Chinesa é quem comanda a saúde da coluna e por isso a articulação das vértebras na alternância de direita e esquerda.

Manter-se na superfície do lago, sem se afundar, demanda uma certa técnica e confiança e o homem entre o céu e a terra, flutuando por sobre as águas, traz-nos novamente o simbolismo de ponte, de intermediação. Em termos de psicoterapia e de processo de individuação seria este um momento no qual o indivíduo alcança uma certa interação com suas “águas interiores” e pode usufruir de quem ele é.

Este movimento deriva do movimento do Tai Chi Chuan “Recuar e Repelir o Macaco”. Movimento suave que requer muita firmeza na execução. Os movimentos de mãos e braços são alternados e coordenados.

Descrição do movimento:

 

a. Braços paralelos na frente dos ombros, palmas para baixo;

b. Girar a palma esquerda para cima, traz a palma lentamente até o lado da cintura (lado esquerdo), conduzi-la para trás. O olhar acompanha o movimento. Ao mesmo tempo, virar a palma direita para cima, movimento sincronizado;

c. Mão esquerda retorna de trás para frente, mão passa na altura da orelha e do terceiro olho, entre as sobrancelhas;

d. Mão esquerda empurra sobre o antebraço direito, até as palmas se encontrarem, palmas em oposição;

e. Conduzir a mão direita para trás e repetir os movimentos.

 

3.7. Remar no meio do lago:

“Se a tranqüilidade da água permite refletir as coisas, o que não poderá a tranqüilidade do espírito?
CHUANG TZU

 

Fig.17 Remando no lago

 

Já nesta atividade, embora ainda no lago, a proximidade com a água seja menor, também exige confiança e um esforço do indivíduo, diferente do nadar, quando o corpo está em contato direto com a água. Mais na superfície, o significado fica com o espelhar. Podendo ser o espelho uma imagem de autocontemplação, de consciência e revelação. Se ao nadar ganha-se sentimento de direção, com o barco esta possibilidade aumenta e de forma mais protegida.

Exercita o “ir em frente” com uma meta dirigida. Também a intenção no comando e a harmonização dos dois lados, representada pela mesma força dos dois braços.

Nos Seminários de Zarathustra de Nietzsche, Jung fala do simbolismo do lago como sendo uma representação da consciência, diferenciando-a desta forma do inconsciente.

 

O lago é limitado e confinado, em contradistinção ao mar, que se supõe ilimitado. O mar, portanto, é sempre um símbolo do inconsciente coletivo, o qual não tem fronteiras em lugar algum, enquanto o lago está sempre preso em “terra firme”, o que sempre simboliza a consciência.[12] (JUNG, 1934-1939, Nietzsche’s Zarathustra,vol.1,1997, p.14.)

 

A intenção neste movimento é exercitar o transitar pelos domínios da consciência com os dois remos em igualdade. A arte do remo requer uma

dança harmônica entre o lado esquerdo e o direito, entre os opostos. Tanto o esquerdo quanto o direito, sem priorizar um lado em detrimento do outro, pois se assim não for, não conseguiremos caminhar na direção de nossa meta e sim ficaremos dando voltas seguidamente no mesmo lugar. É o exercício de utilizar dos dois lados em igualdade de valor. Tanto os valores e conteúdos da esquerda, quanto os da direita. Poderíamos falar aqui do exercício para uma consciência em equilíbrio.

Descrição do movimento:

a. Braços circundam pelas laterais do corpo, de trás para frente, palmas abertas, inspiração profunda e lenta;

b. Braços retornam paralelos e retos na frente do corpo, dedos se fecham como se pegasse os remos, expiração profunda e lenta;

c. Traz os remos até a lateral do corpo, abre os dedos novamente e refaz o movimento.

 

 

3.8. Colher e contemplar a Flor de Lótus:

 

Fig.18 Lótus florescendo no lodo

 

É um dos movimentos que mais evidencia o trabalho alquímico que se processa na alma humana.  A Flor de Lótus tem a raiz de cor branca embora nasça no meio de um pântano de águas escuras. No budismo (Padma) ela é o símbolo da pureza. A pureza que nasce da escuridão.

A Flor de Lótus no Oriente, a Rosa no Ocidente, o Elixir, o Lápis, a Pedra Filosofal, o Casamento Real, o Opus Magnum. São todos símbolos que manifestam a unidade na totalidade.

O lótus é uma flor que cresce na escuridão do lodo, abrindo suas flores somente após ter se erguido além da superfície. Se o impulso para a luz não estivesse adormecido na semente profundamente escondida na escuridão da terra, o lótus não poderia se voltar em direção à luz. Da mesma forma, cada um de nós carrega dentro de si esse impulso para a vida e para a auto-realização. E a auto-realização requer um mergulho nas profundezas escuras de si próprio, em busca da luz que brota da escuridão:

 

A partir do fundo, o fogo sobe e penetra a semente, incubando-a de tal modo, que uma grande flor de ouro cresce da vesícula seminal. Esta simbólica refere-se a uma espécie de processo alquímico de purificação e de enobrecimento; a escuridão gera a luz e a partir do ´chumbo da região da água` cresce o ouro nobre; o inconsciente torna-se consciente mediante um processo de vida e crescimento. Desse modo se processa a unificação de consciência e vida. (JUNG E WILHELM,1987, p.40)

 

Jung diz que encontrou muitas vezes nos desenhos de seus pacientes a Flor de Ouro como um símbolo mandálico, às vezes geometricamente ordenado ou mesmo como uma flor crescendo da planta. Neste caso, a maioria é como uma formação que irrompe do fundo da obscuridade, em cores luminosas e incandescentes, desabrochando no alto a Flor de Luz.

No livro O Segredo da Flor de Ouro encontramos que: “A Flor de Ouro é o Elixir da Vida (Gin Dan, cujo significado literal é esfera de ouro, pílula de ouro).”(JUNG E WILHELM, 1987,p.99). Um símbolo do Si-mesmo.

A Flor de Lótus nasce no lodo, no pântano e para que seja possível colhê-la é preciso que se penetre na lama, na água turva onde não se pode enxergar o fundo onde os pés estão pisando. Colher a flor é colher um conteúdo interno que se encontra até então desconhecido. É novamente o insight. Equivalente ao trabalho no processo de individuação, onde penetra-se em regiões obscuras e desconhecidas da alma mesmo sem nada conseguir enxergar nem concluir, até que se possa colher o significado, o insight com o sentido do que se está vivendo. NIETZSCHE também se refere à escuridão enquanto caos interno, que se torna necessário para o nascimento da luz: “É preciso ter ainda caos dentro de si, para poder dar à luz uma estrela dançante.” (NIETZSCHE, 1989, p. 34). Um processo alquímico de ‘purificação e enobrecimento’ para JUNG:

 

A partir do fundo, o fogo sobe e penetra a semente, incubando-a de tal modo, que uma grande flor de ouro cresce da vesícula seminal. Esta simbólica refere-se a uma espécie de processo alquímico de purificação e de enobrecimento; a escuridão gera a luz e a partir do ´chumbo da região da água` cresce o ouro nobre; o inconsciente torna-se consciente mediante um processo de vida e crescimento. Desse modo se processa a unificação de consciência e vida. (JUNG E WILHELM,1987, p.40)

 

Com a mandala revelada, temos na sequência o momento da contemplação, da reflexão. JUNG fala no Seminários sobre Visões, em 1930, que não basta que os insights sejam conquistados, eles devem ser também espelhados, refletidos na consciência:

 

A Individuação só pode ocorrer quando é percebida, quando alguém está lá e a registra; de outro modo, é a eterna melodia do vento no deserto[…].[13] (JUNG, The Visions Seminars,vol.2, 1976,p.473).

 

É portando necessário o momento de permanecer com o “novo” revelado tendo em meta obter dele o máximo de possibilidades para uma nova vida. “Todos os santos transmitiram uns aos outros este ensinamento: sem contemplação (fan dschau, reflexão), nada é possível.”(JUNG E WILHELM,1987,p.107).

Descrição do movimento:

a. Flexionar levemente os joelhos, mão direita com palma para cima “colhe” uma flor de lótus;

b. Estender os joelhos, torcer o tronco e direcionar palma direita para lado esquerdo, “oferecendo e contemplando” a flor;

c. Manter por um breve momento na contemplação da flor;

d. Abaixar mão direita, que passa pela frente do corpo com palma para baixo “limpa” o lodo;

e. Mão esquerda colhe a flor de lótus e oferece à contemplação à direita.

 

3.9. Unicórnio vira a cabeça e contempla a lua:

 

Fig.19. Unicórnio procura a Lua

 

 O Unicórnio é um animal, geralmente branco, com um único chifre na testa, simboliza a sublimação das forças animais, sexuais, símbolo da pureza virginal. O chifre reto e pontiagudo é, além disso, um símbolo do raio de sol e servia como cálice para um antídoto aos venenos, tão comuns no período medieval. Seu chifre é assim considerado um elemento de cura, que leva, nas palavras de JUNG, à maturação e perfeição:

 

[…] A serpente, tal como o chifre do unicórnio, é um alexipharmacon, além de ser o princípio que leva todas as coisas à maturação e à perfeição. Já conhecemos o unicórnio como símbolo do Mercurius. Mas além disto este último é a substância transformadora por excelência, que por sua vez, leva os corpos imperfeitos ou imaturos a plena realização e maturação.Por isso a alquimia o celebra como “salvator”(salvador) e “servator” (libertador).  (JUNG,1991,OC XII, §529)

 

Por ser selvagem, monstruoso e perigoso, possui as características do que mata e também pode curar, carregando assim a contradição que caracteriza a conjunção dos opostos, presente no Hermafrodita da alquimia.

JUNG dedicou um capítulo inteiro sobre o símbolo do unicórnio no volume XII de suas obras completas, intitulado Psicologia e Alquimia.

 

“Para mostrar o modo pelo qual o simbolismo de Mercurius

misturou-se com a tradição gnóstico-pagã e a eclesiástica,

escolhe o exemplo do Unicórnio. Este último, não é uma

entidade bem definida mas, um ser fabuloso de múltiplas

formas.” (JUNG,1991, OC XII,§ 518)

 

Também representa a transformação do Deus do Antigo Testamento, o Deus da Lei, no Deus de Amor do Novo Testamento:

 

Basílio considera que o “Filius unicornium” é o Cristo […] Nicolaus Caussinus […] acrescenta que o Deus colérico e vingativo, suavizado pelo amor, é apaziguado no colo da Virgem (JUNG,1991, OC XII,§522).

 

Este movimento vem ajudar o praticante a vivenciar o paradoxo em si mesmo, estimulando-o a permitir e confiar que a conjunção entre os opostos iluminados e sombrios de sua psique, possa realizar-se. Possa realizar a sua transformação, na busca da mais plena realização e maturação do seu ser.

Na China o unicórnio é considerado um animal benévolo e que está presente no nascimento de bons imperadores e grandes sábios, o que confirma e intensifica o desejo de realizar e viver a conjunção dos opostos sem preconceito:

Na China, segundo o Li-ki há quatro animais benévolos ou espirituais: o unicórnio, a fênix, a tartaruga e o dragão. O unicórnio é o maior dos quadrúpedes […] Dizem que aparece por ocasião do nascimento dos bons imperadores ou dos grandes sábios. Se é ferido, isto significa maus presságios. Apareceu pela primeira vez no jardim do Imperador Amarelo. […]Um unicórnio apareceu à mãe de Confúcio, estando ela grávida. Antes da morte de Confúcio ouve um presságio que ele ocorreria: um cocheiro feriu um unicórnio. É importante assinalar que o nome do unicórnio macho é Kí e o da fêmea, Lin, os dois caracteres juntos formam o nome genérico Kí-Lin. Isto confere uma qualidade de certo modo andrógina ao unicórnio, A sua relação com a fênix e o dragão aparece na alquimia, onde o dragão representa a forma inferior do Mercurius e a fênix, a superior. (JUNG,1991, OC XII, §548).

 

Citando também o importante Dicionário de Símbolos LEXICON:

 

Via-se nele um símbolo das virtudes soberanas. O cristianismo considera o unicórnio como símbolo da força e da pureza. Segundo a lenda, ele só pode ser apanhado e domesticado por uma donzela pura, para cujo colo ele foge quando caçado. Afirmava-se que o pó de unicórnio (retirado do chifre) curava feridas, e atribuíam-se também a seu coração virtudes curativas: nesse sentido, o unicórnio aparece muitas vezes como emblema de farmácias. Na alquimia ocidental cristã ele simboliza o Cristo… (LEXICON, 1998,p.199)

 

JUNG, ainda na sua obra Psicologia e Alquimia, faz uma amplificação que reúne num mesmo ser, os dois atributos opostos da divindade. Portanto o praticante do Qi Gong pode sentir-se confiante em reconhecer em si mesmo os seus próprios paradoxos.

 

O poder da divindade manifesta-se não só no espírito, mas também no interior        como no exterior do homem. A divindade é ambivalente, enquanto o homem permanece conectado com a natureza. A interpretação unilateral de Deus como “summum bonum” é nitidamente contra naturam. Eis porque o Mercurius ambivalente revela o paganismo secreto da alquimia. Contrariamente a isto, a androginia de Cristo concebida exclusivamente como espiritual e simbólica escapa a qualquer conexão com a natureza. A existência da contrapartida do “Príncipe deste Mundo” trai porém a polaridade insinuada pela androginia da divindade manifestada no Filho. (JUNG,1991, OC XII§547)

 

O movimento fala do unicórnio contemplando a lua, assim a junção entre a força masculina representada pelo unicórnio e a lua, enquanto aspecto do feminino. Neste momento do movimento há uma contemplação do feminino. A conexão entre o unicórnio e o feminino aparece em diversas imagens e JUNG conecta o chifre do unicórnio ao símbolo de uma taça, de um cálice:

 

O chifre como sinal de poder e de força tem caráter masculino. Ao mesmo tempo é uma taça que, em sua qualidade de receptáculo, significa o feminino. Trata-se portanto de um ‘símbolo unificador’, que exprime a bipolaridade do arquétipo. (JUNG, 1991,OCXII, §553).

 

Descrição do movimento:

a. Flexionar os joelhos levemente;

b. Estender os joelhos e girar o tronco para a diagonal traseira esquerda, mão direita na altura da testa com palma para baixo, enquanto mão esquerda segura a ponta do chifre do unicórnio apontando para a lua, palma para cima. Inspirar lentamente;

c. Retornar para frente, segurando a lua entre os braços, contemplando-a. Expirar lentamente;

d. Repetir os mesmos movimentos para o outro lado, invertendo as mãos.

 

 

3.10. Moça trabalhando na lançadeira:

 

Fig.20 As três Parcas fiando o destino

 

A ação de tecer representa fundamentalmente a criação e a vida, sobretudo em seus aspectos de conservação e multiplicação ou crescimento. Este sentido era conhecido e aplicado com fins mágicos e religiosos no Egito e nas culturas pré-colombianas do Peru. A expressão, “trama da vida”, fala com eloqüência sobre o simbolismo do tecido.

A deusa grega Atena é considerada uma deusa tecelã e a arte da tecelagem uma expressão dos sentimentos de paciência, planejamento e previsão que são requisitos para a sobrevivência em uma vida encarnada:

 

Como Deusa-tecelã, Atena, envolvia-se em fazer coisas que eram ao mesmo tempo úteis e belas.

Era muito admirada por suas habilidades como tecelã, onde as mãos e o cérebro devem trabalhar juntos.

Para se fazer uma tapeçaria ou tecelagem, a mulher deve esquematizar e planejar o que fará depois, fileira por fileira, criá-la metodicamente. Esse método é uma expressão do arquétipo de Atena, que dá ênfase à previsão, planejamento, domínio da habilidade e paciência.

As habitantes da fronteira da Grécia que teciam, criavam roupas e faziam praticamente tudo que era usado por suas famílias, incorporavam Atena em seu domínio doméstico. Lado a lado com seus maridos, elas desbravavam a terra selvagem, dominando a natureza conforme prosseguiam.

Sobreviver e ser bem-sucedido requer os traços da Deusa Atena.

A Deusa não só ensina a tecer, mas também a trabalhar a lama, inventou as bridas e o carro de cavalos, ajudou na construção do cavalo de madeira com que se derrotou Tróia e construiu o primeiro barco. (http://historiadaarte2009.blogspot.com.br/2009/11/atena.html, consultado em junho 2017).

 

Existem três Moiras na mitologia Grega e são as deusas do destino. A palavra destino significa quinhão. É o mais velho poder do universo, determinando até a extensão do poder dos deuses. Cloto, Átropos e Láquesis. Cloto é a fiandeira que tece os fios do destino mortal. Láquesis é a medidora. É a que decide sobre a qualidade e a extensão da vida mortal. Átropos era denominada “a cortadora”, porque cortava o fio do destino que punha fim à vida mortal.

O movimento reproduz também, o pensamento alquímico de “expelir o antigo e acolher o novo”.

É preciso desenvolver a consciência de que muitas vezes tecemos o nosso destino e muitas outras, somos sujeitos à ele. Stanley KELEMAN nos diz que nosso corpo é o nosso destino:

 

Nosso corpo é um processo. Sua estrutura tem um modo de pensar, de sentir, de perceber e de organizar suas experiências, um modo inato de formar as suas respostas. Sendo criaturas corporificadas, poderíamos dizer que o nosso corpo é o nosso destino. Você pode se revoltar contra o seu destino ou tentar compreendê-lo e vivê-lo de forma significativa. E pode, inclusive, influir sobre ele. (KELEMAN,2001, p.33)

 

Na visão cabalista, com mais de dois mil anos, encontramos o tema da tecelagem, suas representações e significados e é possível acompanhar seu histórico a partir das culturas mais antigas. Desde a aranha que tece sua teia, a fiandeira egípcia Neit, as deusas gregas Atena e Métis, as nórdicas Nornas, até a deusa hindu Maya; todas estas deusas, de alguma forma, tecem o mundo, a encarnação e transformação do destino. “O sagrado tecido em todos os atos cotidianos”, o tecer como um símbolo para a produção de um padrão individual relacionado ao cosmos, uma imagem da individuação corporificada:

 

Dos tempos que se perdem nas brumas, emerge majestosa a Grande Deusa Tecelã, aquela que, assim como faz a aranha até os dias de hoje, produziu do seu ventre os fios que formam a estrutura do universo. Estes mesmos fios que, ao se organizarem e reorganizarem continuamente, formam todos os diferentes elementos que compõem o mundo múltiplo, variado e diverso. Contendo tudo que foi, é e será, sua teia-vida estabelece as relações mútuas que vinculam esta grande variedade de seres no que a Ciência denomina de Campo Unificado de Energia ou Consciência.

No Egito Antigo, esta fiandeira cósmica era conhecida como a Deusa Neit. Dela emanam os fios essenciais que se interconectam na teia multidimensional, a estrutura básica de tudo que existe no universo. Dela também emana o primeiro movimento da criação, que se desdobra no trançar dos fios em infinitas possibilidades, que vão tecendo a realidade cósmica.

A Grande Deusa fia e tece toda a existência do caos bruto em realidade. Por isto, o fiar e o tecer são, desde os primórdios, atribuídos ao universo feminino. A magia que permite transmutar lã, seda, linho, algodão ou outro material vegetal em fio e com ele tecer panos para os mais variados usos, permitiu aos nossos ancestrais sobreviverem nas regiões mais frias e mais quentes do planeta. E esta magia era realizada pelas mãos das mulheres, sob a inspiração da deusa.

A mais conhecida tecelã é a deusa grega Atena, patrona de todas as artes e ofícios. Como todas as divindades, ela ilumina um amplo espectro da existência humana. Quando nos desvencilhamos do viés patriarcal, que enfatiza seus aspectos relacionados com o mundo masculino, percebemos que a maior entre as dádivas de Atena é imbuir com alma todos os trabalhos civilizatórios. Em assim fazendo, ela propicia a nós mulheres uma compreensão do valor e da importância de nossos poderes criativos. Ela nos mostra como tecer o sagrado em todos os atos cotidianos.

De sua origem anterior à vinda dos helenos para a Grécia, ela incorpora a sabedoria aquática e intuitiva de sua mãe Métis, uma oceânide, finamente sintonizada com os sutis processos de transformação que ocorrem continuamente na vida das pessoas, receptiva aos sentimentos pessoais, poéticos e sensíveis, próprio do princípio feminino. Ao mesmo tempo, representa o saber abstrato, manifestado através da produção artesanal, da arte da guerra, do poder institucionalizado, introduzido pelo princípio masculino. Em sua virgindade, ela integra espírito e alma, apontando o caminho para nos relacionarmos a partir de nossa integridade, de nossa autonomia.

Na tradição hindu, a deusa tecelã recebe o nome de Maya. Posicionada no centro de sua teia, ela não apenas tece a ordem cósmica, mas a reproduz em nosso mundo dos sentidos de forma tão perfeita, que não distinguimos entre a realidade em si e nossa versão dela. Assim como Maya se posiciona no centro da teia cósmica, cada ser humano percebe a si mesmo como o centro da própria existência. Da perspectiva psicológica, cada qual fia e tece sua própria realidade, a partir de um centro que denominamos de Eu.

Mas, ao tecermos nosso próprio tecido, nossa própria individualidade, não devemos perder a noção de que estamos conectados com todos os demais seres, por meio do fio de que é feita a grande teia. Como emanações que somos da Grande Deusa Tecelã, todos nós somos constituídos da mesma substância e compartilhamos a essência divina dos fios de Neit.

Tecer significa ativar e misturar nossas experiências de vida, para produzir um padrão individual, único e inimitável, aquilo que distingue cada qual dentre todos os seres no cosmos. Quando permitimos que uma nova experiência se integra no nosso viver, quando não tememos as transformações que isto inevitavelmente traz consigo, estamos tornando nosso padrão pessoal mais complexo e, com isto, enriquecendo o padrão coletivo. Tornamo-nos cocriadores da grande teia.

Como cocriadoras, participamos na criação do nosso próprio destino individual e coletivo. Pois o destino também é atributo de deusas tecelãs. Na mitologia nórdica, tão rica em histórias que envolvem o fiar e o tecer, o destino é decretado pelas Nornas, que compunham a teia do destino com uma miríade de fios e linhas. A mais velha das três, que também parece ter sido a mais antiga, está sempre sentada ao lado de uma fonte, a Fonte de Urd, onde o próprio Odin foi buscar conselho e conhecimento.

Fiar está arrolado entre os ofícios mais antigos conhecidos, cujas origens se perdem na pré-história. Para as comunidades Kajaba da Colômbia, a condição para ser mulher é saber fiar e tecer, um ofício cujos segredos são transmitidos às jovens moças, quando de sua reclusão na tenda vermelha. Seu mito da criação diz que, quando a Mãe Universal fincou seu imenso fuso verticalmente na terra recém criada, dele se desprendeu uma fibra de fio de algodão, com a qual traçou um círculo, declarando que esta seria a terra de seus filhos. Como uma atividade desempenhada pelas mulheres em suas casas, desde a antiguidade até a revolução industrial, o processo de fiar e tecer tornou-se uma simbologia poderosa para a criação de nova ordem a partir do caos, definindo o destino humano.

E a força desta simbologia também manifesta sua influência na elaboração da moderna Teoria das Cordas, que se utiliza da imagética da fiação, descrevendo o tecido microscópico de que é feito nosso universo multidimensional como ricamente urdido a partir de cordas que vibram sem cessar e, com sua vibração, introduzem o ritmo da vida no cosmos. KOSS, Monica von. IN:

https://www.facebook.com/asfacesdosagradofeminino/photos/pb.179087278938839.2207520000.1477120179./632697640244465/?type=3&theater (consultado em 27/05/2017)

 

Esse exercício coordena movimentos de girar, empurrar, expandir e contrair, alternância de yin e yang, tecendo o espaço e aprendendo a tecer nossa vida.

 

Descrição do movimento:

a. Posicionar as mãos ao lado da cintura, palmas para cima

b. Empurrar a mão direita para a diagonal dianteira esquerda

c. Conduzir a mão direita para a diagonal traseira direita, girando a cintura, palma para cima.

d. Mão direita retorna para frente e se posiciona paralela a mão esquerda (que se mantém ao lado da cintura) como se segurasse um novelo.

e. Mão esquerda empurra para a diagonal dianteira direita. Mão direita se coloca ao lado da cintura, palma para cima.

f. Fazer os movimentos de (c) a (e) para o outro lado.

 

 

3.11. Mãos de nuvens:

 

Fig.21. Nuvens passando pelo céu.

 

 Quanto ao seu papel de produtora de chuva, a nuvem também pode simbolizar a fecundidade.

As nuvens são uns dos melhores modelos da impermanência e mudanças constantes da vida. Os chineses dizem que tudo está em movimento, portanto tudo está mudando, a única coisa que permanece é a mutação. As nuvens exemplificam isso por serem formadas de algo que já foi água, vapor, e que logo se transformarão em água novamente! São estados de ser que se apresentam apenas em um deles mas que contém todos ao mesmo tempo. Elas simbolizam a transitoriedade e a mutação do céu que carrega em si o infinito. No hexagrama 6 do  livro de sabedoria chinesa I Ching encontra-se:

 

“Nuvens se elevam no céu: a imagem da ESPERA.

Assim o homem superior come e bebe,

Permanece alegre e de bom humor”

 

“Quando as nuvens se elevam nos céus, é sinal de chuva. Não há nada a fazer senão esperar que a chuva caia. O mesmo ocorre na vida quando o destino articula seus movimentos. Não se deve ceder a preocupações nem procurar moldar o destino com intervenções prematuras. Ao contrário, deve-se, com tranqüilidade, fortificar o corpo, comendo e bebendo, e o espírito, através da alegria e do bom humor. O destino virá no seu tempo devido e então se estará preparado.” (WILHELM, 2005,p.44)

 

Mover-se para os dois lados, olhando para as palmas das mãos como se tivesse olhando para nuvens que vão passando de um lado para outro, este é o requisito para este movimento que desenvolve a aceitação dos ritmos da vida. Esta aceitação requer uma abertura do eu a dimensão maior do Si-Mesmo, as nuvens aparecem com frequência em imagens alquímicas e em imagens religiosas. De acordo com EDINGER (2008, p.97), as nuvens são expressão da possibilidade de manifestação do mundo além do ego: “[…] A nuvem é uma das mais antigas imagens de realidade transpessoal; é como o numinosum se manifesta.[..].”

Também diz o Tai Gin Hua Dsung Dschi : “Para onde o olhar se dirige, para o mesmo ponto se dirige o coração.” (JUNG e WILHELM, 1987, p.108) Assim sendo, é de importância que seja incluído o coração na experiência do eterno movimento presente na vida.

 

Descrição do movimento:

a. Afastar o pé esquerdo de forma que a base tenha a largura de +- 1 ½ ombro.

b. Elevar palma direita até a altura do ombro, tronco torcido 45º. à esquerda

c. Lentamente girar o tronco para a direita, mão direita na altura das sobrancelhas, palma voltada para o ponto Yin Tang (ponto extra, entre as sobrancelhas) mão esquerda na altura do umbigo, voltada para o ponto VC8 (Shen Que – Porta do Espírito).

d. Na lateral direita, inverter a posição das mãos.

e. Retornar para o outro lado e repetir os movimentos.

 

 

3.12. Girar a moenda:

 

Fig.22 Moenda pronta para o giro.

 

Esse movimento expressa o exato padrão de todo trabalho alquímico, assim como do tipo de movimento circular da vida em todos os setores. Os ciclos como dia e noite, o movimento da terra e sua forma circular, também o movimento e a forma dos planetas e galáxias. “[…]Sabe-se de um modo geral, que a roda é um símbolo do mundo: a circunferência representa a manifestação, produzida pela irradiação do centro.” (GUÉNON,1973)

No trabalho da alquimia chinesa, encontramos que:

 

Com o tempo, o espírito originário transforma-se na morada da vida, na verdadeira o força. Devemos nesse ponto empregar o método de girar a roda do moinho, a fim de destilá-lo e transformá-lo no Elixir da Vida. Este é o método do trabalho concentrado. (JUNG E WILHELM,1987, p.104)

 

O movimento circular está presente em todas as culturas, por isso, arquetípico. A sua representação e significados também se fazem presente em todas as partes do mundo. Na autobiografia de Hehaka Sapa ou Alce  Negro,  índio Dakota, um dos ramos mais poderosos da família Sioux, encontramos essa sua referência ao círculo:

 

Vocês já perceberam que tudo o que um índio faz está dentro de um círculo, isto porque o Poder do Mundo trabalha sempre em círculos e as coisas todas tentam ser redondas. Nos velhos dias, quando ainda éramos um povo forte e feliz, o nosso poder provinha do anel sagrado da nação, e enquanto este anel manteve-se intato o povo floresceu. A árvore florida era o centro vivo do anel e o círculo dos quatro quadrantes a alimentava. O leste trazia a paz e a luz; o sul, o calor; o oeste, a chuva; e o norte, com seu vento rijo e frio, trazia a força e a paciência. Este conhecimento foi a religião que nos trouxe do mundo exterior. Tudo o que o Poder do Mundo faz é feito em círculo. O céu é redondo e ouvi que a terra é redonda como a bola, e as estrelas também. O vento, no seu máximo poder, rodopia. Os pássaros constroem ninhos em círculos, pois a religião deles é igual à nossa. O sol vem e vai num círculo, como a lua, e ambos são redondos.

Mesmo as estações formam um grande círculo em suas mudanças, voltando sempre ao ponto em que estiveram. A vida de um homem é um círculo de infância a infância, e assim em tudo o que o poder move. Nossas tendas eram redondas como os ninhos dos pássaros e dispostas em círculo, o anel da nação, um ninho de muitos ninhos que o Grande Espírito nos deu para gerar nossos filhos.( McLUHAN,T.C.1986,p.34)

 

O movimento busca pelo estilo natural de pensar, a amplificação da consciência num gesto de acolher a vida numa visão menos linear e mais integrativa e redonda como o espelho de Vênus.

É um movimento que na sua circularidade desenha no espaço mandalas à direita (yang) e à esquerda (yin). “Mandala significa círculo e particularmente círculo mágico.” (JUNG, 1987,p.38).

 

“O movimento circular também tem o significado moral da vivificação de todas as forças luminosas e obscuras da natureza humana, arrastando com elas todos os pares de opostos psicológicos, quaisquer que sejam. Isto significa autoconhecimento através da auto-incubação. Uma representação originária e análoga do ser perfeito é o homem redondo de Platão, que reúne os dois sexos.” (JUNG E WILHELM,1987,p.42)

 

O terapeuta de orientação analítica, trabalha às voltas com os conteúdos de seu paciente no consultório, no intuito de trazer à luz da consciência as forças obscuras da natureza humana em seus pares de opostos para poder integrá-las numa consciência mais ampla e íntegra. “Por isso, necessitais apenas pôr a luz em movimento circular; este é o mais sublime e maravilhoso dos segredos.” (JUNG E WILHELM, 1987, p.98)

 

Descrição do movimento:

a. Abrir o passo com o pé esquerdo para a diagonal dianteira esquerda, girar os braços paralelos ao chão com palmas para baixo, na altura no estômago, sentido horário, alternado o peso nas pernas. Não tirar os pés do chão.

b. Trazer o pé esquerdo para junto do direito, abrir o passo com o pé direito para a diagonal dianteira direita, girar as mãos no sentido anti-horário.

 

 

3.13. Abraçar o mar e contemplar o céu:

 

Fig.23 Céu e Mar

 

Novamente aparece o homem como mediador entre o que está acima e o que está abaixo, como o ego, centro da consciência entre o inconsciente simbolizado pelas profundezas do mar e as alturas do céu. Este movimento realiza o colher em si as duas grandes dimensões desconhecidas e misteriosas.

Viver o êxtase perante dois grandes mistérios inesgotáveis, as profundezas oceânicas e a imensidão celeste, integrando-os num abraço em uma atitude reverente. Representa dessa forma o processo de individuação cuja meta é recolher e harmonizar na dimensão consciente essas realidades em oposição assim como diz a alquimia chinesa:

 

A meta deve ser alcançar a amplidão do céu e a profundidade do mar, e que todos os métodos pareçam muito simples e até mesmo óbvios; só desse modo é possível atingi-la. (JUNG E WILHELM 1987,p.107)

 

A alternância entre os movimentos de subir e descer que formam os ciclos da vida e que demonstram que existe vida enquanto eles estão a ocorrer tal qual pode-se verificar nas ondas do eletro-cardiograma e também no eletro-encefalograma. O movimento de descida e subida é bem descrito por JUNG no volume XIV/1 de suas obras completas, chamado Mysterium Coniunctionis, justamente o Mistério da Conjunção entre os opostos; os debater-se entre os opostos acaba por formar um movimento de circulação entre eles, de equilíbrio:

 

Ascensus e descensus, altura e profundidade, para cima e para baixo, descrevem um realizar emocional dos opostos, que lentamente leva ou deve levar a um equilíbrio entre eles.[…] O hesitar entre os opostos ou ser jogado de um lado para outro, de acordo com a interpretação de Dorneus, significa o estar contido nos opostos. Os opostos se tornam um vaso no qual aquele ser que antes ora era um, ora era o outro, agora está suspenso a vibrar, e aquela penosa situação de estar suspenso entre os opostos, lentamente se transforma em uma atividade bilateral do centro. Com isso se faz anunciar a chamada ‘libertação dos opostos’, o nirvana (nirdvandva) da filosofia indiana, o que não é propriamente um desenvolvimento filosófico, mas psicológico. (JUNG, 1997,OC XIV/1, §290)

 

Esse movimento exercita as funções dos lados esquerdo e direito do cérebro. Deve-se coordenar movimentos e respiração lenta e profunda. Movimentos sincronizados e harmônicos que combinam as concentrações interna e externa com o céu, a terra e o homem.

 

Descrição do movimento:

a. Abrir o passo com o pé esquerdo para a diagonal dianteira esquerda, na postura de “arco e flecha” nas pernas, abrir os braços na altura dos ombros.

b. Flexionar o tronco em direção ao joelho esquerdo flexionado, e executar o movimento de colher, palmas para cima.

c. Cruzar os punhos e elevar o tronco e braços acima da cabeça. Joelho direito flexiona. Olhar para cima.

d. Aduzir os braços e refazer o movimento mais duas vezes.

e. Na quarta vez, flexionar joelho esquerdo, na altura do peito fazer o movimento de abraçar, punhos se encostam e lentamente traz as mãos em direção ao coração.

f. Juntar o pé esquerdo com o direito e soltar os braços.

g. Abrir o passo com o pé direito para a diagonal dianteira direita, e fazer os movimentos para o outro lado.

3.14. Empurrar as ondas do mar:

 

“Dai-me Senhor, a perseverança das ondas do mar, que fazem de cada recuo um ponto de partida para um novo avanço”. Gabriela Mistral

(coletada no site https://www.pensador.com/frase/NTMwNDQ0/,em 03.07.2017)

 

Fig.24 O movimento das águas através das ondas.

 

O movimento faz analogia com o mar que simbolicamente significa a imensidão do inconsciente, onde encontra-se enraizada a força da vida através dos arquétipos.  No livro “Cuide de sua alma”, MOORE se refere ao mar dizendo que:

 

“Ele é único e individual, sempre inexplorado, repleto de perigos, prazeres e oportunidades. A pessoa se torna pai de sua própria vida quando se familiariza intimamente com ele e quando ousa atravessar suas águas.[ . . .] Sair ao mar é arriscar a segurança, mas o caminho arriscado parece ser o único que leva ao pai”.( (MOORE,1994, p.47 e 48)

 

Para empurrar as ondas do mar e voltar com seu recuo, é preciso estar harmonizado com o vai e vem da vida. Novamente tem-se aqui o trabalho com os ciclos. As partidas e as chegadas, as idas e vindas, os retornos. A aceitação dos opostos, os paradoxos nos momentos onde as coisas vão, mas não foram, vem mas não chegam, estão mas não estão. O cheio e o vazio. O ter e o não ter, o ser e o não ser. Sem exclusão, todos ao mesmo tempo, numa simultaneidade de difícil aceitação para uma consciência que foi educada e treinada para a unilateralidade. O confronto com o que se pensava ter sido levado pelas ondas e se apresentam novamente trazidos pelas mesmas águas

porque o mar devolve o que é jogado nele, o que não faz parte de sua natureza e composição. O ver rever situações que foram abandonadas sem a devida reflexão e colocadas no oceano do esquecimento na tentativa de não se confrontar com elas.

O exercício consiste em desenhar as ondas com as mãos. Empurra de baixo para cima, a onda chega ao seu cume e depois se quebra, mãos acompanham o movimento para baixo.

Há, por vezes, um temor frente aos ciclos da vida, um temor de adentrar nas ondas do mar e ser por ele tragado. Perigo este, sem dúvida, parte do processo de adentrar no inconsciente. Porém, conforme SHAKESPEARE (ano, página):  “Embora os mares ameacem, são misericordiosos. Amaldiçoei-os sem razão.” O inconsciente e seus movimentos ao mesmo tempo que amedrontam o eu, por exigir mudança, são fonte de vida, de nutrição para a consciência.

O movimento da energia psíquica se dá em ondas, ondas em adequação ao mundo externo, correntes em progressão. Ondas em adequação ao mundo interno, correntes em regressão. Ambos movimentos, progressão e regressão, parte da vida psíquica e, qual o mar, importantes para o bom funcionamento:

 

“A progressão enquanto processo contínuo de adaptação às condições do mundo ambiente assenta na necessidade vital de adaptação. A necessidade compele o indivíduo a se orientar inteiramente para as condições do mundo ambiente e a reprimir aquelas tendências e virtualidades que servem ao processo de individuação. A regressão, ao invés, enquanto adaptação às condições do próprio mundo interior, assenta na necessidade vital de satisfazer as exigências da individuação. O homem não é uma máquina, no sentido de que poderia manter constantemente a mesma produção de trabalho; pelo contrário, só poderá corresponder plenamente às exigências da necessidade exterior, de maneira ideal, se se adaptar também a seu próprio mundo interior, ou  seja: se entrar em harmonia consigo mesmo. E, inversamente, só poderá adaptar-se ao seu próprio mundo interior e estar em harmonia consigo mesmo, se se adaptar também às condições do mundo ambiente.[…].” (JUNG,1984,OC VIII, §74;75)

 

Descrição do movimento:

a. Abrir o passo com o pé esquerdo para a diagonal dianteira esquerda, mãos saem da cintura e acompanham a evolução da onda no mar, empurram para cima até a altura dos ombros, na crista da onda, e depois descem em direção a coxa esquerda, como uma onda se quebrando. Transfere o peso para a perna de trás, joelho direito flexiona, elevar a ponta do pé esquerdo.

b. Juntar o pé esquerdo com o direito, abrir o passo com o pé direito para a diagonal dianteira direita e repetir os movimentos.

 

 

3.15. Pombo abre as asas:

 

Fig.25 Pombo voando no céu azul

 

Na execução do exercício abre-se o peito e os braços, abraça-se o ar e traz o Qi em direção ao peito. É um movimento que vai desenvolver a confiança, a leveza e a coragem de seguir em frente na vida, pois somente confiando o pássaro vence a gravidade e lança-se no espaço, flutuando sem pensar em cair.

O vôo é a metáfora da leveza. Os chineses admiram muito o vôo dos pássaros, sendo que o movimento de “bater as asas” está presente em muitas das práticas corporais chinesas. Os animais que podem levantar vôo são considerados mensageiros entre o céu e a terra. Na mitologia greco-romana encontramos Hermes-Mercúrio com suas sandálias e capacete alados fazendo o papel de mensageiro dos deuses.

A pomba branca, na tradição católica, também é a portadora do Espírito Santo. Este tem um papel de fecundar a matéria, o ser humano, com o espírito da divindade. Na tradição, é o Espírito Santo, que fecunda Maria, mãe de Jesus. Através do batismo, o Jesus enquanto homem, é preenchido pelo Espírito Santo, e transforma-se em Cristo. Cristo, após sua morte e ressurreição, inunda com o fogo de seu Espírito seus discípulos, na promessa de presença permanente em todo homem que o deseje receber como o Paráclito, o Espírito Santo.

Este pode ser o momento no qual o ego faz contato com o inconsciente, com o numinoso, com o que o transcende. A partir do estabelecimento desta relação entre ego e inconsciente, o eu se fortalece, se amplia e pode alçar vôos mais seguros. E, deixa de ser solitário pois está em contato com seu eu profundo.  Assim, o “espírito santo”, simbolizado pelo pássaro branco, torna-se fonte de conhecimento,  qual Hermes, da mitologia grega, um mediador entre o eu e o mundo arquetípico:

 

O pássaro branco é a alma semi-celestial, casta e solitária; mensageira da MÃE CELESTE que intercede e adverte, embora não possua poderes contra os deuses. É o pensamento efetivo, masculino, é o desejo do pensamento que dá significado à vida, através do conflito. Comanda a solidão e recebe as mensagens dos que alcançaram a perfeição. Para atingir tal significado é preciso a gnose, como autoconhecimento, introspecção e consciência; ligada à pistis (confiança ou fé empírica). É um veículo do Sol. […]“Enfim, o pássaro branco é o pensamento, o espírito, a transcendência, o princípio salvador. É Hermes, como o deus da revelação, o mediador entre os homens e os deuses, levando-lhes a SOPHIA. O Anthropos hoje é pessoal e humano e deve precaver-se contra o perigo da inflação do ego.(CARDOSO,2017,p.16)

 

Descrição do movimento:

a. Abrir o passo com o pé esquerdo para a diagonal dianteira esquerda, braços se abrem para lateral, e se fecham na altura do peito, como se fossem asas. Palmas em oposição, para dentro. Peito se projeta para frente, enfrentando o ar.

b. Juntar o pé esquerdo com o direito, abrir o passo com o pé direito para a diagonal dianteira direita e repetir os movimentos.

 

 

3.16. Ganso Selvagem bate as asas

 

Fig.26 Ganso selvagem batendo suas asas

 

No simbolismo chinês, um dos significados do ganso é o de imortalidade.

O Grou de crista vermelha (G. japonensis) é uma ave considerada sagrada na China e no Japão, tema de diversas pinturas, esculturas, e ornamentos.

O Ganso Selvagem é símbolo da fidelidade conjugal por causa de suas migrações regulares. Viajam em grupo e sempre que um deles fica doente e não pode voar, um companheiro desce à terra para ficar com o enfermo. É o presente ritual dos noivados. É também mensageiro entre o céu e a terra. Também denotam fidelidade por serem guardiões das casas como os cães o são em nossa cultura ocidental. Realizar os movimentos como sendo a própria ave, nos leva a possibilidade de absorver e integrar essas qualidades.

Enquanto símbolo de imortalidade, o ganso selvagem, relaciona-se ao conceito de Si-Mesmo. Para JUNG (2000,OC IX/2,§57): “[…] O si-mesmo, em sua totalidade, se situa além dos limites pessoais[…]” e, desta forma, propicia ao eu a experiência de algo transcendente ao tempo e espaço, um sentimento de continuidade. ELIADE, traz também os significados de imortalidade e  vitalidade do  ganso:

 

A tartaruga e o grou eram considerados símbolos da imortalidade. Os autores antigos descrevem sempre o grou em companhia dos I mortais (J.J. de GROOT, The Religious System of China, Leyden, 1892 s., vol. IV, pp. 232-233, 295); desenham-se grous sobre os carros fúnebres para sugerir a passagem â imortalidade (ibid., vol. IV, p. 359). Nos quadros que representam os oito Imortais a caminho da Ilha sobrenatural, é grou que conduz a barca pelos ares (cf. WERNER, Myths and Legends of China,Londres, 1924, p. 302). Ora, Pao P’u-tzu (= Ko Hung), assegura que uma pessoa pode aumentar a sua vitalidade bebendo poções preparadas com ovos de grou e carapaças de tartarugas (texto citado por JOHNSON, Chinese AIchemy , p. 61).(ELIADE,MIRCEA,Alquimia Chinesa.internet,26.03. 2015)

 

O exercício é executado com movimentos suaves, fluidos e naturais. Sua prática leva ao relaxamento e possibilita ao praticante sintonizar com o eixo ego-self, reforçando o movimento de intercâmbio entre essas duas dimensões da psique.

Descrição do movimento:

a. Pés paralelos na largura dos ombros, abduzir os braços pela lateral, até o dorso das mãos se tocarem acima da cabeça

b. Virar as palmas para cima e aduzir os braços pelas laterais, lenta e graciosamente, como se fossem asas.

c. Flexionar os joelhos, conduzir as mãos até a frente do tronco e reiniciar o movimento.

d. Na última vez, aduzir os braços pelas laterais e pousá-los ao longo do corpo.

 

 

 3. 17. Galo dourado num pé só:

 

Fig.27 Galo dourado num pé só

 

Esses movimentos são usados para equilibrar e ajustar as funções fisiológicas dos hemisférios cerebrais direito e esquerdo, para melhorar o equilíbrio e a coordenação. O movimento cruzado também beneficia o funcionamento dos órgãos internos.

Uma das imagens do amanhecer é a do canto do galo. Arauto do dia, seu canto orienta quem está caminhando de noite com a informação de que o dia vai clarear. Para a crendice popular, seu grito acorda a estrela da manhã, e o mal se retira. A imagem da aurora, pode ser vista como um despertar da consciência, da escuridão do inconsciente; um momento na alquimia chamado de albedo. JUNG (1987,p.210), em entrevista com Mircea Eliade, fala da albedo como amanhecer:  “[…]Na linguagem dos alquimistas, a matéria sofre até que a  nigredo desapareça, quando o ‘amanhecer’ ( aurora) será anunciado ‘cauda de pavão’(cauda pavonis) e um novo dia surgirá, a leukosis ou albedo.[…].”

No catolicismo, com o grito do galo, o apóstolo Pedro enxuga as lágrimas, derramadas por ter renegado Jesus. João XIII,37,38. (Bíblia Sagrada, Irmãs Paulinas,1960)

O monge cristão Anselm GRÜN, cita que em uma das laudes de domingo, o galo aparece como um chamado a despertar os inconscientes, aqueles separados da divindade:

 

Vamos, levantemo-nos;

O galo acorda quem está sonhando.

O galo incita os preguiçosos,

O galo acusa os renegadores.

No canto do galo, a esperança renasce,

Alívio aflui para o doente.

O salteador para de agir,

E quem caiu ganha nova esperança

(hino das laudes do domingo, GRÜN,2006)

 

Galo dos Ventos, é um dos cata-ventos mais comuns que existe, ele combina uma figura de galo e uma rosa dos ventos simplificada. É encontrado principalmente no alto de igrejas, torres de sino, torres de vigia, sítios e casas desde o inicio da Idade Média até os tempos atuais, e é um ornamento típico da cultura austríaca, também simbolizando o amanhecer:

 

Nas culturas antigas, o galo simboliza fecundidade e vigilância.    Cristo, São Pedro e o galo aparecem 120 vezes em sarcófagos do séc. IV. O galo de então simboliza a luz da aurora, a luta e a vitória de Cristo ressuscitado, vitória da qual participa o São Pedro Mártir (em Roma) e não tanto as três vezes que o mesmo Pedro negou a seu mestre.[1]  Do simbolismo da vitória de Cristo sobre as trevas surgiu a Missa do Galo. Na Semana Santa, precisamente no ofício das trevas, a vela que “ocupa o vértice do candelabro triangular” é chamado galo.[2]

O galo anuncia o amanhecer. No Nordeste dizem que Deus fez o galo para acordar os homens para o trabalho e avisar do roubo de suas filhas.[3] É chamado relógio dos pobres. v. Criação do Mundo. O galo faz parte do presépio popular por anunciar o nascimento de Jesus, o sol da justiça. Em São Paulo, folias de reis cantam: Deus ti salve este galo/ que cantou no nascimento/ Nossa Senhora abençoou/ pelo bendito galo bento.// [4] Diz um batuquinho do presépio, em louvor do Menino Deus: Na primeira cantada do galo, quando São José se abalou. Não tem como a noite de Natal, não tem, não há. (Araçuaí. MG) Um verso conhecido nas folias: O galo, crista de serra/ é um pássaro escolhido./ Foi ele quem deu a nova/ que Jesus era nascido.// Outro verso diz: Galo canta, bateu asa/ respondeu a mãe de Deus: / Quem canta nessa altura,/ quem louva Jesus, sou eu.//(Araras. SP) Em São Joaquim de Bicas, Igarapé (MG, 1999), os foliões cantam: Era meia-noite em ponto/ o galo santo cantou:/ nasceu o menino Jesus/ em Belém, entre os pastores.// O galo crista de rosa/ foi um pássaro divertido/ foi ele que anunciou/ que Jesus tinha nascido.//     Em Cristais (MG), os foliões cantam: Cantou o galo, nasceu cristo/ não se avistou ninguém/ respondeu uma ovelha/ Cristo nasceu em Belém.// Os reis magos viram a estrela/ e saíram a passear/ Foram para Belém/ depois do galo cantar.//    Sinal de alerta, desde que cantou três vezes antes de São Pedro trair o Divino Mestre (Mt 26,74). Talvez por isso que o povo acredita que galo cantando fora da hora anuncia coisa ruim. É agouro!  v. Senhor do Galo. v. Galo músico. Quem não quer trabalhar sem remuneração diz: Quem canta de graça é galo e morre pobre no terreiro. Jongueiro: v. Jongo. Galo na torre da igreja: v. Caça. Em João Pessoa (PB), na torre da Igreja de São Francisco, um galo indica a direção dos ventos. Na encomendação das almas, o cantar do galo na madrugada despede as almas e traz a luz do dia. A crença popular do demônio gerado do ovo posto por um galo velho vem de histórias medievais sobre o lendário basilisco. Do ovo posto no esterco quente nasce um galo com o rabo feito cobra. Seu olhar e seu cheiro são mortais. Já no Sl 90,13, o basilisco é símbolo das forças do mal.”[1] POST, P. “Vroeg-christelijke kunst en Liturgie”. In: Tijdschrift voor Liturgie. Ano 69. Nº4. Julho/1985.p.214. [2] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Ed.Nova Fronteira, 1975. “Galo” p.671.[3] SOUTO MAIOR, Mário. Painel Folclórico do Nordeste. Recife, Universidade Federal de Pernambuco/Ed.Universitária, 1981. p.29-30[4] ARAÚJO, Alceu Maynard. Folclore Nacional, Vol.1: festas, bailados, mitos e lendas. (2a.Ed.) São Paulo, Ed.Melhoramentos, 1967. p.448.

(Retirado do site Religiosidade Popular  organizado por Frei Francisco van der Poel ofm – Minas Gerais)

 

Realizar o movimento como sendo o galo, permite desenvolver no praticante as características daquele que com sua maneira de agir, coloque no ambiente em que vive o chamado para um novo despertar com uma nova oportunidade de vida. A tomada de consciência, como o Galo dos Ventos, poderá se manifestar como um orientador que indica e localiza às pessoas, a direção acertada nos momentos da vida.

Na execução deste movimento o olhar deve manter-se no horizonte.

Descrição do movimento:

a. Pés unidos, braços se posicionam como asas fechadas na frente do peito.

b. ABRIR AS ASAS PARA FORA – elevar joelho esquerdo (protege joelho direito com o pé esquerdo) e mão direita com palma voltada para fora e para cima (protege a cabeça). Mão esquerda com palma voltada para baixo (protege a parte de trás do corpo).

c. Repetir os movimentos para o lado direito, abrindo as asas para fora 3x.

d. ABRIR AS ASAS PARA DENTRO – Repetir os movimentos, abrindo as asas com as palmas voltadas para dentro, interligando PC8 com PC8, palmas se relacionam, 3x.

 

3.18. Girar a Roda da Vida:

 

Fig.28 Roda da Vida no Budismo Tibetano

 

Embora a Roda da Vida represente a totalidade dos movimentos e ciclos arquetípicos, realizá-la simbolicamente pode colocar o praticante em sintonia com os ciclos coletivos e individuais e como participante consciente destes ciclos. A contribuição se faz pela forma particular de girar e de participar com os limites e habilidades do corpo de cada um. O trazer ao corpo, pela consciência do significado do movimento permite a  aceitação e encarnação dos ciclos de morte e renascimento que se processam na vida em geral:

 

“Nenhum fenômeno deste mundo escapa das voltas da roda do renascimento. É por causa dessas voltas que renasceremos num dos seis reinos de existência; alguns abençoados, outros cheios de sofrimento. Os processos vitais de nascer e morrer são exemplos de renascimento. As mudanças na natureza também são manifestações de renascimentos. Há a mudança das estações. Há o ciclo do tempo — passado, presente e futuro. Há o ciclo do dia e da noite. Há modos temporários de renascimento. A mudança de direção e a transição de um lugar para outro são tipos espaciais de renascimento. Em resumo, tudo à nossa volta é resultado do renascimento. O vento sopra e provoca o acúmulo de nuvens; as nuvens se transformam em chuva, que cai sobre o solo. A chuva evapora e o vapor sobe em direção ao céu, formando nuvens novamente. Esse processo contínuo do ciclo da água é uma forma de renascimento. Quando um automóvel queima gasolina, ele gera energia e produz dióxido de carbono. O dióxido de carbono é absorvido pelas plantas. Quando as plantas morrem, elas se decompõem e formam, muitos anos depois, depósitos naturais de petróleo. Essa é outra forma de renascimento. Uma luz pode ser acesa, apagada e acesa novamente. Isso é renascimento também.

A roda do renascimento pode ser encontrada não apenas nas transformações do universo: ela também é evidente nas muitas experiências pelas quais uma pessoa passa ao longo da vida, desde o momento em que nasce, até que morre. De acordo com uma pesquisa científica, não existe uma única célula do nosso corpo que não tenha se transformado num período de sete anos. Em outras palavras, nosso corpo se renova totalmente a cada sete anos. A estrutura celular, a percepção e a cognição de todas as criaturas vivas, desde organismos simples até os avançados seres humanos, estão constantemente se movendo, se transformando, vivendo e morrendo. Esse constante estado de fluxo, renovação e mudança metabólica por que passamos fisicamente (nascimento, envelhecimento, doença e morte) e mentalmente (formação, existência, mudança e cessação dos pensamentos) é o que chamamos de roda do renascimento.” (http://www.jordanaugusto.com/index.php/en/artigos/antigos, consultado em Junho, 2017).

 

Morte e renascimento são temas arquetípicos também vividos nos processos psíquicos ao longo do caminho da individuação. São várias etapas da vida humana, são diferentes momentos nos relacionamentos consigo e com o outro. Um constante morrer e renascer em si: autoconceitos que se modificam, visões acerca de si e do mundo que se transformam. Para EDINGER (1990,p.194), “[…]Na medida em que abraça continuamente a morte, o ego constela a vida em profundidade.[…].”

 

Descrição do movimento:

a. Girar o tronco à esquerda, braços paralelos e palmas voltadas uma para outra, como se segurasse uma bola. 3x.

b. Girar o tronco à direita, 3x.

c. Para terminar, palmas das mãos acima da cabeça, aduzir os braços pelas laterais, soltando-os ao longo do corpo.

 

3.19. Grande e Pequeno Circuito Sagrado:

 

 Fig.29 Circulação do Qi pelo corpo

 

Este exercício traz movimentos típicos mercuriais que refletem as comunicações interna e externa entre o céu, a terra e o homem, refletindo a natureza macrocósmica dentro do homem microcósmico. Nesse movimento a língua toca o palato superior, o céu da boca e um circuito de movimento da energia se estabelece, uma conexão entre as energias Yin e Yang.

Reproduzir e induzir através do movimento, o Circuito do Qi, da Energia Vital, como a totalidade das Forças Vitais.  Sem Qi , o corpo seria um agregado de células independentes e para o Chinês, não existe um corpo vivo sem Qi, pois a Vida circula através dos corpos pelo Qi.

Os hebreus mencionam o “sopro divino” ou “sopro da Vida”, Ruach, insuflado nas narinas de Adão. O Qi deve circular internamente no corpo, formando dois circuitos, o grande e o pequeno. No pequeno, seu trajeto inicia no topo da cabeça, descendo pela frente do corpo por um canal Yin,chamado Meridiano Ren, em português Vaso Concepção, até o extremo do baixo ventre, onde inicia sua subida pelas costas, pelo canal Yang, nominado Meridiano Du, em português Vaso Governador, até o ponto no alto da cabeça onde inicia novamente sua descida pela frente e assim sucessivamente. No Grande Circuito, o Qi, percorre doze meridianos ditos principais, pelo corpo todo, incluindo os membros superiores e inferiores, conduzindo o sangue e a energia.

Pode-se dizer, em termos ocidentais, que este circuito promove no plano físico a vitalidade, a energia que integra e coordena as moléculas e células físicas e as reúne num organismo definido. É a porção do Sopro da Vida universal, de que o organismo humano se apropria durante o breve período de tempo que se denomina “Vida”.

É o acompanhar a dinâmica da psique em seus movimentos de integração entre conteúdos da mais alta consciência aos localizados no mais profundo do inconsciente. Movimentos esses que são permanentes e que fazem com que se mantenha acesa a chama da vida e sua homeostase psíquica e corporal constantemente.

Neste movimento o foco da circulação encontra-se no centro mais profundo do ser. Por ser invisível aos olhos existe a necessidade de ser cultivado e trazido para a consciência. É o próprio sentimento de se ter uma alma que precisa ser cultivado ao longo do processo de individuação. A energia da alma é a grande mobilizadora da vida, com as palavras de JUNG, a alma é o que ‘convence a vida para que seja vivida’ de forma encarnada:

 

[…] Um ser que tem alma é um ser vivo. Alma é o que vive no homem, aquilo que vive por si só gera vida; por isso Deus insuflou em Adão um sopro vivo a fim de que ele tivesse vida. Com sua astúcia e seu jogo de ilusões a alma seduz para a vida a inércia da matéria que não quer viver. Ela (a alma) convence-nos de coisas inacreditáveis para que a vida seja vivida. A alma é cheia de ciladas e armadilhas para que o homem tombe, caia por terra, nela se emaranhe e fique preso, para que a vida seja vivida.[…] Se não fosse a mobilidade e iridescência da alma, o homem estagnaria em sua maior paixão, a inércia.[…]. (JUNG, 2008, OC IX/1,§56)

 

Descrição do movimento:

a. Abduzir os braços até acima da cabeça, unir os dorsos das mãos, dedos apontam para baixo.

b. Flexionar os joelhos, mãos passam com dorsos unidos pela frente do corpo, dedos apontam para o chão, induzindo a energia celestial a descer.

c. Estender os joelhos, mãos se elevam ainda unidas pelos dorsos até acima da cabeça

d. Abduzir os braços.

e. Flexionar os joelhos, punhos se cruzam na altura dos joelhos.

f. Elevar as mãos com palmas para cima, até a altura do Lin Tai – Morada do Espírito ( na altura da glândula pineal, no alto da cabeça).

g. Mãos descem acompanhando o trajeto do Vaso Concepção. Trazer as mãos em direção ao umbigo.

h. Buscar a energia da terra – Palmas se voltam para baixo. Conduzir a energia para trás através do ponto Hui Yin (VC1), localizado no períneo.

i Buscar a energia do céu. Elevar as mãos pela frente do corpo, ao mesmo tempo conduzir a energia por trás, pela coluna, realizando a circulação do Pequeno Circuito Sagrado.

j. Induzir a passagem da energia pelo VG20 Bai Huei – Reunião de Centenas (topo da cabeça) até o Yin Tang – Sala do Selo real (entre as sobrancelhas-Ponto Extra – Terceiro Olho).

k. Conduzir a energia para baixo, acompanhando o trajeto com o olhar interior.

l. Mãos descem e pousam no Tan Tien (3 dedos abaixo do umbigo, para dentro), sobrepondo os PC8 Palácio do Trabalho (no centro das mãos).

 

 

3.20. Movimentos Finais:

       

         O movimento básico deste fechamento é o movimento circular que está presente em todo processo alquímico, representante do movimento da natureza em geral e o do movimento básico da psique. O movimento circular enantiodrômico pelos opostos, consciência e inconsciente, do processo de individuação conduz à integração da totalidade da psique; e este movimento circular atua como concentração de energia promotora de auto- conhecimento, para JUNG:

 

“[…] psicologicamente a circulação seria o até de ‘mover-se em circulo em torno de si-mesmo’, de modo que todos os lados sejam envolvidos.  Os pólos de luz e de sombra entram no ‘movimento circular’, isto é, há uma alternância de dia e noite.[…]O movimento circular tem também o significado moral da vivificação de todas as forças luminosas e obscuras da natureza humana, arrastando com elas todos os pares de opostos psicológicos quaisquer que sejam. Isso significa o auto-conhecimento através da autoincubação (o ‘tapas’ hindu).[…].” (JUNG,2003, OC XIII, §38;39).

 

Descrição do movimento:

a. Pousar ambas as palmas sobre o Tan Tien, sobrepondo o ponto Lao Gong PC8 (meio da palma)

b. Permanecer na calma por alguns segundos

c. Levantar o queixo e engolir a saliva direcionando o QI para o Tan Tien

d. Massagear ao redor do umbigo por 9x (ou 36x) expandindo

e. Massagear ao redor do umbigo por 6x (ou 24x) contraindo

 

 

 

HOMEM – palma direita acima da esquerda, massagear sentido anti-horário e depois horário

 

MULHER – palma direita abaixo da esquerda, massagear sentido horário e depois anti-horário

 

 

 

3.21. Fechar retornando ao Coração Vazio:

 

Olhe essa janela: nada mais é do que uma abertura na parede, mas, por causa dela, todo o quarto se encheu de luz. Assim, quando as faculdades se esvaziam, o coração está cheio de luz. Cheio de luz ele torna-se uma influência por intermédio da qual os outros são secretamente transformados” (MERTON,1984, p.72)

 

Os exercícios chegam à sua conclusão. A meta é o Vazio, imagem da completude, de um eu esvaziado e, paradoxalmente, preenchido, conectado ao Todo.

Este exercício busca harmonizar CEU/ HOMEM/ TERRA – retornar ao estado de WU JI, que é o vazio, porém neste momento com a consciência já estabelecida. Uma consciência da plenitude. O homem integrado na natureza, cumprindo seu papel na trama do universo.

Ao final, o praticante libera a energia com um grito (HÁ), abrindo os braços.

As palavras Alberto CAEIRO ilustram a satisfação que pode brotar na alma de um ser que se sente em conexão com a profundidade de vida:

 

O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E, de vez em quando olhando para trás…
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem…
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras…
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo…

Alberto Caeiro

(http://www.fpessoa.com.ar/poesias.asp?Poesia=173 Acesso em: junho 2017)

 

Fig.30 Caminho de girassóis

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

 “[…] Da mesma forma que a matéria corporal, que está pronta

para a vida, precisa da psique para se tornar capaz de viver,

assim também a psique pressupõe o corpo para que suas imagens

possam viver.”

(JUNG, 1984, OC VIII, §618)

 

Os chineses têm um provérbio para falar da importância da participação

do corpo como um todo, nas ações, na compreensão e na realização da vida. Falam da importância da corporificação: “O que eu ouço esqueço; o que eu vejo, me lembro. O que eu faço, compreendo”. (Kung Fu-tse, colhida no site https://quemdisse.com.br/frase/eu-ouco-e-esqueco-eu-vejo-e-me-lembro-eu-faco-e-entendo/10183/ em 03.07.2017).

A partir desta afirmação é possível ver a importância do fazer usando o corpo,o agir. Viver a compreensão que vem do fazer, do atuar, do experienciar. No Segredo da Flor de Ouro, o mestre ao falar do Tao, diz:

 

Mestre LÜ DSU dizia: àquilo que é por si mesmo denominamos sentido (TAO ). O sentido não tem nome, nem forma. É o ser uno, o espírito originário e único. Ser e vida não podem ser vistos, estão contidos na luz dos céus. A luz do céu não pode ser vista, está contida nos dois olhos. Hoje serei vosso guia e revelar-vos-ei o Segredo da Flor de Ouro do Grande Uno; a partir daqui explicarei pormenorizadamente o que se segue.

O Grande Uno é a designação daquilo além do qual nada mais existe. O segredo da magia da vida consiste em utilizar a ação para chegar à não-ação; não podemos passar por cima de tudo, pretendendo penetrá-lo diretamente. O princípio tradicional é tomar nas mãos o trabalho com o ser. Através disto evitar-se-ão extravios. A Flor de Ouro é a Luz. (JUNG E WILHELM,1987,p.97)

 

A presente reflexão apresenta uma visão simbólica, tanto do corpo concreto como do corpo sutil, na percepção da unidade entre eles e na busca por integrar cada vez mais essa unidade na consciência. A via pela qual essa integração é explorada neste trabalho é através da prática chinesa Qigong dos Símbolos, uma possibilidade de se atingir a alma e poder trabalhar e dialogar com ela.

O fato de colocar as imagens dos símbolos e suas infinitas interpretações no corpo em movimento, desperta a alma e a transporta para dimensões ainda inexploradas. Ampliar é a palavra chave, porém sem perder a noção de conjunto. Em termos de operações alquímicas, o movimento constante coagula o mundo psíquico. Conforme EDINGER (1991, p.115): “[…] A experiência e a percepção consciente das imagens arquetípicas inatas só têm sequência se as encontrarmos encarnadas em formas concretas, personalizadas.”

A característica do trabalho taoísta, com sua visão de uma unidade expressa em bipolaridades e vividas assim, sempre na busca da integração desses opostos, permitiu que se fizesse uma analogia com o Processo de Individuação de Jung, onde se busca a integração entre os universos da consciência e o do inconsciente.

Tanto para a visão taoísta quanto para a visão da Psicologia Analítica, as dimensões do humano estão manifestadas no corpo. O corpo, portanto, a carne, é o reduto e veículo do ser. Em um olhar junguiano o corpo é instrumento para que o processo de individuação se realize:

 

“Não podemos esquecer que sem um corpo a consciência humana não poderia se desenvolver, o Self não poderia se manifestar e a individuação não poderia se concretizar. O corpo oferece o primeiro sistema de referência para a realização das potencialidades arquetípicas. É a base para a construção de uma identidade, para a experiência de ser e estar no mundo. Na memória corporal está registrado quem somos e o que somos: seres finitos, limitados e, por isso mesmo, capazes de intuir o infinito e o ilimitado.[…].”

(WURZBA, 2009, p.91)

 

No processo de individuação, equacionado ao opus alquímico, o corpo e a psique caminham juntos. O livro da analista Marie-Louise von FRANZ, A Alquimia e a Imaginação Ativa, ilustra esse caminhar a partir do tratado alquímico de Gehard Dorn fala das relações que se estabelecem entre o corpo, a alma e o espírito.

Ao falar de corpo fala-se de materialização, de corporificação, de encarnação. As palavras mater e matéria se entrelaçam. O processo alquímico trabalha na extração do espírito da matéria e em sua posterior reunião; o nascimento do filius philosoforum, a criança divina, somente se dá dentro do feminino como material e receptáculo. Sendo assim, mãe é origem, donde partimos e também para onde retornamos. Forma e energia, corpo e espírito, mãe e pai, coexistem  no mundo arquetípico para JUNG:

 

“[…] É a mãe, a forma, em que toda a vivência está contida. Em contraposição a ela, o pai representa a dinâmica do arquétipo, porque este último é as duas coisas: forma e energia.” (JUNG, 2008, OC IX/1, §187)

 

A analista Aniela JAFFÉ, também afirma a importância do corpo e da ligação com este, coloca como um pré-requisito para o processo de individuação o considerar o corpo e seus movimentos:

 

“A aceitação da vida tal qual é, com sua banalidade e singularidade, com o respeito pelo corpo e suas exigências, equivale tanto a um pré-requisito da individuação como a um relacionamento com o seu semelhante. Quanto mais se impõe a qualidade espiritual do self, quanto mais a consciência se amplia através da integração dos conteúdos psíquicos, mais o homem deve assentar as raízes na realidade, na sua terra, em seu corpo e, com mais responsabilidade, deve estar ligado ao seu próximo e ao ambiente, porque também o “aspecto mundano” do arquétipo e as suas qualidades de instinto querem realizar-se.” (JAFFÉ,1993, p.83)

 

Conclui-se que, não há ressurreição, não há renascimento, não há vida no espírito se a carne não for vivida. Na realidade uma completa junção entre individuação e encarnação. O analista Nathan SCHWARTZ-SALANT (1992, p.97) na abertura de um capítulo de seu livro A Personalidade Limítrofe cita a seguinte frase de JUNG: “No nível humano, a encarnação apresenta-se como individuação.”

A transformação adquirida tanto através da psicoterapia quanto da prática dos exercícios, é sentida não apenas durante as suas vivências mas estende-se a todas as dimensões da vida. O enfrentamento e a realização dos deveres para com a carne tendem a levar o indivíduo a não mais abrir os braços para ser crucificado nela e sim, abrir os braços para abraçá-la.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E ELETRÔNICAS

 

BARCELLOS, Gustavo. O IRMÃO – Psicologia do Arquétipo Fraterno. Petrópolis: Vozes, 2009.

 

BARROSO, M. M. As iogas como cultura alternativa. Rio Claro: Motriz. vol.5, n.2, p.189-193, 1999.

 

BERRY, Patrícia. O Corpo Sutil de Eco. Petrópolis: Vozes, 2004.

 

BOECHAT,Walter, O Corpo psicóide,- A Crise de Paradigma e o problema da relação corpo-mente. Tese de Doutorado, 2004. Rio de Janeiro.

 

BRANDÃO, Luisa Maria Teixeira. Dissertação de Mestrado em MTC, 2012 http://repositorio-aberto.up.pt/handle/10216/65267 Consultado em  12.05.2015

 

CAPRA,Fritjof. As Conexões Ocultas. São Paulo: Ed.Cultrix, 2002.

­­____________Sabedoria incomum. São Paulo:Ed.Cultrix, 2004.

 

CARDOSO,Eloísa. As Bases Gnósticas do Pensamento de Jung. http://www.jung-rj.com.br/artigos/gnose.htm. acesso em Março de 2017.

 

CHANG, Franklin. Taoísmo e Transformação. Trabalho apresentado no IX Simpósio Nacional da Associação Junguiana do Brasil, Águas de Lindóia, SP: 2001.

 

CONFUCIO. Analectos. Porto Alegre:L&PM Pocket  2009.

 

DAHLKE, Rüdiger. A Doença como Símbolo. Rio de Janeiro: Cultrix,2006.

 

DING, Li.Tai Ji Qi Gong em 28 Exercícios – Exercícios Terapêuticos da Medicina Tradicional Chinesa. São Paulo: Pensamento, 2004.

 

DOMÍNIO PÚBLICO EDITORA LTDA. Nei Ching – O Livro de Ouro da Medicina Chinesa. Rio de Janeiro, 1989.

 

EDINGER, E.  Anatomia da Psique.  São Paulo: Cultrix,1991.

__________. O Mistério da Coniunctio. São Paulo: Paulus, 2008.

 

ELIADE,Mircea. Imagens e Símbolos,Lisboa,Ed.Arcadia 1979.

 

FIGUEIREDO, Milena Machado. A Poética e a Prática do Qi Gong dos Símbolos – Dissertação de Mestrado em Multimeios. UNICAMP: 2000.

 

FRANZ, Marie-Louise von.  A Alquimia e a Imaginação Ativa. São Paulo: Cultrix, 1992.

____________________.O Gato. São Paulo: Paulus, 2011.

 

FULCANELLI. O Mistério das Catedrais, Portugal: Setenta,1964.

 

GORION, Bin. As Lendas do Povo Judeu. São Paulo: Perspectiva,1980.

 

GREENE, Liz. Saturno-O Senhor do Karma. São Paulo: Pensamento.1976.

 

GRÜN, Anselm, No Ritmo dos Monges. São Paulo: Paulinas,2006.

 

GUÉNON, R. A Grande Tríade. São Paulo: Pensamento, 1993.

___________Símbolos Fundamentais da Ciência Sagrada.São Paulo: Irget,2014.

 

HOELLER,Stephan. A Gnose de Jung. São Paulo:Cultrix,1990.

 

JACOBI,Jolande. Complexo, Arquétipo, Símbolo na Psicologia de C. G. Jung. São Paulo:Cultrix, 1986.

 

JAFFÉ,Aniela. O Mito do Significado. São Paulo: Cultrix,1993.

 

JUNG, C.G. Aion, estudos sobre o simbolismo do si-mesmo.OC IX/2. Petrópolis: Vozes, 2000.

_________. Ab-reação, Análise dos Sonhos,Transferência. OC XVI/2. Petrópolis: Vozes, 1987.

_________.  A Dinâmica do Inconsciente. OC VIII. Petrópolis: Vozes, 1984.

_________.  A Prática da Psicoterapia. OC XVI/1. Petrópolis: Vozes, 1987.

­­­­­­­­_________.  A Vida Simbólica. OC XVIII/1. Petrópolis:Vozes, 2000.

_________.  Civilização em Transição. OC X/3. Petrópolis: Vozes, 2000.

_________.  Estudos Alquímicos. OC XIII. Petrópolis: Vozes, 2003.

_________.  Mysterium Coniunctionis. OC XIV/1. Petrópolis: Vozes, 1997.

_________.  O Desenvolvimento Personalidade. OC XVII. Petrópolis: Vozes, 1991.

_________.  O Espírito na Arte e na Ciência. OC XV. Petrópolis: Vozes,2000.

_________.  Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. OC IX/1. Petrópolis: Vozes,2008.

_________.  Psicologia e Alquimia. OC XII. Petrópolis: Vozes, 1991.

_________. Tipos Psicológicos. OC VI. Petrópolis: Vozes, 1986.

­­­­­­_________. Seminários sobre sonhos de crianças. Petrópolis: Vozes, 2011.

_________. Jung’s seminar on Nietzsche’s Zarathustra. Editado e resumido por James L. Jarrett. Prefácio de Willian McGuire.Princeton University Press, 1997.

_________. The Visions Seminars, Zurich: Spring Publications,1976.

 

JUNG,C.G.; WILHELM,R. O Segredo da Flor de Ouro – Um livro de Vida Chinês, Petrópolis: Vozes, 1987.

 

KELEMAN,Stanlei.  Mito e Corpo.São Paulo: Summus Editorial, 2001.

 

KIT,Wong Kiew.  Chi Kung(Qigong) Para a Saúde e a Vitalidade. São Paulo: Pensamento,2001.

 

LAO TZU. TAO – TE KING. Texto e Comentário de Richard Wilhelm. São Paulo: Pensamento,2002.

 

LEE, Maria Lucia. Lian Gong em 18 Terapias. São Paulo: Pensamento,1999.

_____________. Qi Gong dos Símbolos em 18 Movimentos. Apostilas de Cursos e Seminários realizados pela Via5 Oriente/Ocidente, Arte e Cultura – São Paulo,nos anos  2000, 2001,2004.

 

LELOUP, Jean-Yves. O Corpo e seus Símbolos – Uma Antropologia Essencial. Petrópolis: Vozes, 1998.

 

LEXICON, Herder. Dicionário de Símbolo., São Paulo: Cultrix,1998.

 

LOPEZ-PEDRAZA. Hermes e seus Filhos. São Paulo. Paulus,1999.

 

McGUIRE, William; HULL, R.F.C. C.G.JUNG, Entrevistas e Encontros. São Paulo: Cultrix, 1987.

 

McLUHAN, T.C. Pés Nus Sobre a Terra Sagrada. Porto Alegre: L&PM Editores S.A, 1986.

 

MERTON, Thomas. A Via de Chuang Tzu. Petrópolis: Vozes, 1984.

 

MOORE, Thomas. Cuide de sua Alma. São Paulo: Siciliano,1994.

 

NEUMANN, Erich. História da Origem da Consciência. São Paulo: Cultrix,1991.

 

NIETZSCHE, Friedrich. Assim falou Zaratustra: um livro para todos e para ninguém. 6ª ed. Tradução de Mário da Silva. Rio de Janeiro: Bertrand, 1989.

 

PATAI, Raphael. Os Alquimistas Judeus. São Paulo: Perspectiva, 2009.

 

PEREIRA, Paulo José Baeta. Reflexões sobre movimento e imagem. IN: ZIMMERMANN, Elisabeth. Corpo e Individuação. Petrópolis: Vozes, 2009.

 

PEREIRA COUTO, Sergio. A extraordinária história da China, São Paulo: Universo dos Livros, 2008.

 

PHILIP, Neil. O Livro Ilustrado dos Mitos, São Paulo: Marco Zero,1997.

 

POWELL, Major Arthur E. O Duplo Etérico. São Paulo: Pensamento, 1988.

 

ROCHAT DE LA VALLÉ,Elisabeth e LARRE,Claude. Os movimentos do Coração-Psicologia dos Chineses. São Paulo: Cultrix, 2007.

 

RUBY,P. As faces do Humano: estudos de tipologia junguiana e psicossomática. São Paulo: Oficina de textos, 1998.

 

SALLES, Carlos Alberto C. Individuação. O Homem e suas relações com o trabalho, o amor e o conhecimento.  Rio de Janeiro: Imago, 1992.

_____________________. Somos feitos da Matéria dos Sonhos. Rio de Janeiro: Record – Rosa dos Tempos, 1998.

 

SAMUELS,Andrew;SHORTER,Bani;PLAUT,Fred. Dicionário Crítico de Análise Junguiana. Rio de Janeiro: Imago Editorial,1988.

 

SCHWARTZ-SALANT, Nathan. A Personalidade Limítrofe-Visão e Cura. São Paulo: Cultrix, 1997.

 

SERRANO,Miguel. O Círculo Hermético, Hermann Hesse a C.G. Jung. São Paulo: Brasiliense, 1973.

 

SOHN, Robert. O Tao e o Tai Chi Kung. São Paulo: Pensamento,1992.

 

TOLEDO Jr. Sylvio Campos. Monografia: Solidão-Conhecimento e Inocência. São Paulo,1996.

 

WEN,Tom Sintan. Acupuntura Clássica Chinesa, São Paulo: Cultrix, 2008.

 

WHITMONT,Edward C. A Busca do Símbolo. São Paulo: Cultrix, 1991.

 

WURZBA, Lilian. A dança da alma – A dança e o sagrado: um gesto no caminho da individuação. IN: ZIMMERMANN, Elisabeth. Corpo e Individuação. Petrópolis: Vozes, 2009.

 

http://www.jordanaugusto.com/index.php/en/artigos/antigos, Acesso em: junho 2017

https://pt.wikipedia.org/wiki/Chi_kung , Acesso em: junho 2017

https://pt.wikipedia.org/wiki/Exercícios_aeróbio_e_anaeróbio, Acesso em: junho 2017

http://historiadaarte2009.blogspot.com.br/2009/11/atena.html  Acesso em:  27 maio 2017

http://www.religiosidadepopular.uaivip.com.br/verbetes.htm#GALO Acesso em: maio  2017

http://www.fpessoa.com.ar/poesias.asp?Poesia=173   Acesso em: junho 2017

http://chinaimperial.blogspot.com.br/2008/04/alquimia-chinesa-por-mircea-eliade.html  Acesso em: junho 2017.

https://www.facebook.com/asfacesdosagradofeminino/photos/pb.179087278938839.-2207520000.1477120179./632697640244465/?type=3&theater Acesso em: junho 2017

https://teilhardianos.wordpress.com/uma-biografia/, Acesso em: junho2017

http://ograndesaltoemfrente.wordpress.com/2013/04/05/legenda-de-splendor-solis-painel-13-s-trismosin-1532-35 – Acesso em: junho 2017.

http://www.coladaweb.com/filosofia/heraclito-e-parmenides – Acesso em: junho 2017

http://www.efdeportes.com/efd179/beneficios-da-endorfina-atraves-da-atividade-fisica.htm – Acesso em: junho 2017.

https://quemdisse.com.br/frase/eu-ouco-e-esqueco-eu-vejo-e-me-lembro-eu-faco-e-entendo/10183/ – Acesso em: 03.07.2017.

 

 

[1] No Bosque João Paulo II, em Curitiba/Paraná.

[2] Maria Lucia Lee nasceu em Taiwan em 1949 e veio ao Brasil aos dois anos de idade. Formou-se no Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) em 1972. Desde 1982 dedica-se ao trabalho de pesquisa e ensino das artes corporais chinesas e sua filosofia. Desde então introduziu no Brasil diversos métodos de exercícios terapêuticos da Medicina Tradicional Chinesa, divulgando-os através de publicações, DVDs e cursos. Fundadora da Associação Brasileira de Lian Gong em 18 Terapias – Vida e Harmonia, filiada à Shangai Municipal  Association of Lian Gong in 18 Exercices.

[3] (http://www.escolahomeopaticadecuritiba.org/popup/pop_astrologia.html, acesso em 02.06.2017).

[4] Para mais informação, acessar os sites: http://www.vale.com/samarco/PT/barragem-acidente-samarco/Paginas/confira-balanco-acoes-realizadas-dia-acidente.aspx, http://g1.globo.com/mato-grosso-do-sul/noticia/2015/12/chuva-deste-domingo-rompe-barragem-e-desabriga-familias-em-ms.html, http://www.diariodecanoas.com.br/_conteudo/2015/11/noticias/pais/237334-barragem-de-rejeitos-se-rompe-em-mariana-interior-de-minas-gerais.html consultadas em 02.06.2017.

[5] Informações colhidas de um artigo das Faculdades Esepaf de Tupã-S.P. e publicado no site efdeportes de Buenos Aires, Argentina.http://www.efdeportes.com/efd179/beneficios-da-endorfina-atraves-da-atividade-fisica.htm Consultada em 02.06.2017.

[6] And so individuation can only take place if you first return to the body, to your earth, only then doest it become true.[…] She must go beck to the earth, into the body, into her own uniqueness and separeteness; otherwise she is the stream of life, she is the whole river, and nothing has happened because nobody has realized it.

[7] http://www.coladaweb.com/filosofia/heraclito-e-parmenides.

[8] Apud p.6

[9] Tradução livre de: “You can dance not only to produce the union with yourself, or to manifest yourself, but in order to produce rain, or the fertility of women, or of the fields, or to defeat your enemy. The idea of an effect, or something produced, is always connected with the idea of dancing. Therefore, it was originally a magic ritual by which something was produced, it was original idea of work even. When primitives dance they really work, they dance until they are completely exhausted;[…] They dance the animals in order to attract them, as the oyster fishers in Scotland sing the oysters. And in Switzerland they sing the cows, the so-called ranz des vaches  or the Kuhreihen, in order that they may give a lot of milk and produce calves. There are plenty of such primitive rites to produce fertility or for the cure of disease.[…]So the first ideas of efficiency or effect were due to their peculiar psychological experiences through the rhythmic movement: the efficiency mood was developed through the rhythmical repetition that slowly catches the whole system.”

[10] http://ograndesaltoemfrente.wordpress.com/2013/04/05/legenda-de-splendor-solis-painel-13-s-trismosin-1532-35, consultado em 02.06.2017.

[11] Dantien:  Localiza-se na linha média do abdômen na 1,5 ou 1,4 cm, aproximadamente 3 dedos abaixo do umbigo.

Shanzong: Meridiano Ren (Vaso concepção) 17 – Localiza-se na linha média do externo, entre as mamas.

Laogong: P8 Meridiano Pericárdio, localizado nas palmas  das  mãos.

[12] Tradução livre de: “The lake is limited and confined in contradistinction to the sea which is supposed to be unlimited. The sea, therefore, is always a symbol of the collective unconscious which has no boundary anywhere, while the lake is like being locked into terra firma which always symbolizes consciousness.”

[13] Tradução livre de: “Individuation can only take place when it is realized, when somebody is there that notices it, otherwise it is the eternal melody of the Wind in the desert”. (JUNG,1976,p.473)

Share on facebook
Share on twitter
Share on pinterest
Share on telegram
Share on email
Vivendo de Corpo e Alma - O Segredo da Flor de Ouro - Elizabeth Almeida do Amaral

Data de Publicação 21.01.2017

Share on facebook
Share on twitter
Share on pinterest
Share on telegram
Share on email